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«E forneceu a epígrafe a uma obra de sciência!

«É certo. Há anos, ainda os que mais amavam a literatura, os menos severos para com as produções dos engenhos literários que olhavam como fúteis, não iam além da citação latina» (1).

E assinalando o progresso das citações na própria língua como uma cedência da sciência, segue nas citações dos poetas e literatos médicos, não esquecendo uma pequena censura aos sábios que, não querendo transigir com a linguagem corrente, se dão à ingrata e suporífica tarefa de metrificar assuntos scientificos.

Refere-se em especial aos que foram alternadamente poetas e médicos, tendo para cada esfera da sua expansão artística ou scientífica a linguagem própria, podemos mesmo dizer a linguagem técnica, pois, de facto, a têm os poetas como os homens de sciência.

Gomes Coelho cita entre outros Claude Bernard, que abordou êste mesmo assunto numa das suas admiráveis lições da Sorbone. É sôbre a maneira de ver do sábio francês que Gomes Coelho baseia o seguimento das suas considerações e visa a demonstrar, em última instância,

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., vol. I, pág. 172. A versão é diferente.

que das mútuas relações e dependências cárdio-cerebrais resulta ter-se feito do coração que, perante as emoções, é o primeiro a dar rebate, a síntese afectiva, que é, como se sabe, exclusiva função do cérebro. Daí a linguagem corrente se referir de preferência ao coração como sede dos afectos; daí a explicação no campo fisiológico de frases correntes: o coração estala, despedaça-se de dor, sente-se apertado, palpita de amor, etc.

Em algumas destas explicações, talvez o autor, apoiado, em parte, nas considerações de Claude Bernard, caminhando noutras por conta própria, vá, por vezes, um pouco longe de mais.

Vê-se que não se trata de um trabalho rigorosamente scientífico, antes o é de transição médico-literária.

Gomes Coelho quere fazer a ligação das duas dominadoras do seu espírito: a literatura e a medicina, pois ambas o acompanham através das diversas manifestações da sua larga actividade de escritor.

Terminaremos esta apreciação com as seguintes palavras, que quasi servem de epílogo ao manuscrito (1):

«A sciência não contradiz os dados da arte e

(1) Nas cartas publicadas o final é bastante diferente.

não se pode admitir que o positivismo scientifico venha a matar a inspiração, como alguém tem pretendido. Segundo a minha opinião, é o contrário que necessàriamente acontecerá. O artista achará na sciência bases mais estáveis, e o sábio procurará na arte uma intenção mais se

gura».

VI

A SUA DOENÇA

OMES Coelho não quis dedicar-se à clínica. Não o atraía a prática da Medicina, ao menos na clientela extra-hospitalar.

Viu alguns doentes; mas sempre com sacrificio. E mesmo essa fraca actividade clínica não durou mais do que um ou dois anos em seguida à formatura e emquanto esteve no Pôrto.

Deixou, porém, aqui e acolá, em algumas das suas cartas, apreciações do seu estado de saúde, desempenhando o ingrato papel de ser médico de si mesmo.

Devemos notar que, tratando das doenças próprias, é quando o médico dá as piores provas. O auto-exame é, em geral, difícil e o critério imparcial que deve dirigir o clínico nas suas observações, de sorte a subtraí-lo a tôdas

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