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houvesse mostrado a differença de lições que se observava nas duas edições originaes, caracterizando a primeira e a segunda, e cedendo ás razões convincentes allegadas pelo erudito. M. Mablin na carta á Academia das sciencias de Lisboa ácerca do texto dos Lusiadas, teria preferido o texto da edição reputada segunda ao da primeira.

As correcções que se observaõ nesta edição versão todas sobre erros commettidos, não por Camões, mas sim pelos copistas dos manuscriptos, que servirão de norma, como já dissémos, ás duas primeiras edições ou pelos typographos, que as publicárão; não que intentemos sustentar, com mal entendido patriotismo, que o poema dos Lusiadas é sem defeito, que bem convencido estamos da imperfeição de tudo quanto sáe da mão do homem, e poderiamos citar alguns descuidos do nosso poeta, como outros hão já feito, e especialmente o manifesto anachronismo, que se encontra na Est. LX do Canto II° e Est.CXLI do Canto X°, onde antepõe o descobrimento do Estreito do sul da America pelo intrepido Magalhaes, effeituado em 1520 á primeira viagem de Vasco da Gama; porém estas e outras inadvertencias são do genero d' aquellas, a que se deve applicar o dito de Horacio :

Verum ubi plura nitent in carmine, non ego paucis
Offendar maculis, quas aut incuria fudit,

Aut humana parum cavit natura.

Assim que, sem embargo destes e d' outros descuidos, teve Camões a gloria de dar á Europa um poema, que, segundo o juizo dos mais abalizados criticos, está em fõro de ser uma das melhores epopéas antigas, e modernas.

Todas as nações tem-se esmerado em dar á luz soberbas edições dos seus primeiros classicos, apurando com curioso desvelo os textos originaes, e ornando-os com todo o luxo da typographia, do desenho, e do buril. He huma especie de monumento erigido aos autores assinalados que as illustraram, e he hum meio de conservar com mais resguardo os seus textos puros nas bibliothecas publicas, e nas dos amadores de livros, que podem adquirir estas custosas edições.

OS LUSIADAS foram impressos pela primeira vez em Lisboa, no anno de 1572, na officina de Antonio Gonçalvez, tendo para esse fim obtido Luis de Camões hum privilegio de dez annos, concedido por Alvara do senhor dom Sebastião, em data de 1571. Os exemplares desta edição (cujo numero ignoramos) venderam-se tão promp tamente, que no mesmo anno de 1572 foi este poema reimpresso pelo mesmo impressor. Não consta se o manuscripto tinha sido vendido, ou se as duas impressões foram feitas á custa de Luis de Camões; mas o que me parece claro he que elle assistio á impressão, ao menos da edição que tenho, e que a publicação foi feita com seu pleno consentimento; assim como he indubitavel que houve huma reimpressão no mesmo anno. A negligencia dos biographos de Camões, e dos editores primeiros que segui-ram-se a dar novas edições foi tal, que nem Manoel de Lyra, nem Manoel Correa, nem João Franco Barreto, nem Manoel de Faria e Sousa na sua edição de Madrid, assim como Pedro de Mariz, e Manoel Severim de Faria,

CAMÕES.

I

nenhum emfim faz menção de se terem feito duas edições dos LUSIADAS em 1572.

O primeiro que fallou dellas foi Manoel de Faria e Sousa na segunda vida que escreveo do poeta, e que foi impressa posthuma, na frente da primeira parte das Rimas de Camões, aonde, no § 27, diz: « El gasto desta impres<< sion fue de manera (tratando da edição de 1572) que el « mismo año se hizo otra... Y porque esto ha de parecer << nuevo, y no facil de creer, yo asseguro que lo he exami« nado bien en las mismas dos ediciones que yo tengo; << por differencias de caracteres, de ortografia, de erratas « que hay en la primeira, y se ven emendadas en la segunda; y de algumas palabras con que mejorò « lo dicho. »

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O senhor Antonio Ribeiro dos Santos, e o senhor Joaquim da Costa de Macedo apoiam a exacção do que diz Faria; asseverando o segundo que cotejára as duas edições, e apontára as differenças que nellas havia, consistindo a maior parte na orthographia.

Mas não obstante que Manoel de Faria dá a entender qual seja, na sua opinião, a primeira, e a segunda edição, nenhum dos dous mencionados senhores as caracterisam, nem decidiram atéqui esta questão.

Eu tenho diante dos olhos dous exemplares de huma destas edições, mas não pude ver, nem obter algum da outra para as confrontar : tão raras são hoje ambas! Sei porém que o exemplar de 1572, existente na bibliotheca real de Lisboa, he da edição differente dos meus exemplares, e assim espero alcançar dalli, e ajuntar a esta minha edição as lições varias das duas, e decidir talvez qual dellas he a primeira ou a segunda (1).

Durante a vida de Luis de Camões não se fez outra reimpressão do seu poema; mas depois da sua morte,

em 1579, foram muitas e diversas as edições que delle se fizeram.

Caracterisarei primeiramente as duas preciosas originaes de 1572, e depois ajuntarei a lista das que possuo, e tenho diante dos olhos, e das outras de que tenho noticia.

OS LVSIADAS de Luis de Camões.

COM PRIVILEGIO REAL.

Impressos em Lisboa, com licença da sancta Inquisição, e do Ordinario: em casa de Antonio Gõçaluez, impressor.

1572.

Para melhor se distinguir esta preciosa edição, notarei aqui os signaes carateristicos della. A sua forma foi denominada pelos bibliographos, quarto; mas, segundo a marca das folhas, he hum largo outavo. O frontispicio he ornado com huma tarja, que representa duas columnas dos lados, e parece ter sido aberta em páo. Na segunda folha está impreso o privilegio d'El-Rei, passado em M.D.LXXI, a 24 de setembro, o qual comprehende 34 regras de impressão. No verso da mesma folha acha-se a censura de frey Bertholameu Ferreira, por mandado da Inquisição. Segue-se na terceira folha o principio do poema que apparece assim :

OS LVSIADAS.

DE LVIS DE CAMOES.

Canto Primeiro.

E debaixo, as duas primeiras estancias, cujo principio he da maneira seguinte:

AS armas, & os ba

enchem a primeira regra, e são em lettra redonda, dita

romana; e o resto deste primeiro verso, posto debaixo della, assim como os outros versos, em lettra grifa, dita italica. Não ha numeração nas estancias, e a paginação he somente notada nas primeiras paginas, ditas folio, de cada folha, e não no verso dellas: o ultimo numero he 186 (total 188), e no verso desta pagina estão impressas as duas ultimas estancias, e FIM.

Este exemplar, muito bem conservado, me foi confiado por lord Holland, com huma generosidade digna do seu amor da litteratura, e huma benevolencia para mim, de que lhe peço queira receber aqui os meus vivos agradecimentos.

Possuo outro exemplar de 1572, que devo á amizade de meu sobrinho visconde da Lapa.

Confrontando estes dous exemplares, achámos, M. F. Didot e eu, que eram da mesma edição, com a unica differença que no de lord Holland, as folhas 41 e 42, 47 e 48, tinham sido impressas com hum caracter mais novo, e nellas se viam emendados erros typographicos, que existem no outro (taes como C. III, est. 19, v. 3, Austrias, por Asturias; e no v. 6, castelhauo, por castelhano; est. 20, v. 3, acaha, por acaba; est. 22, v. 6, decreto, do ceo, por decreto do ceo; est. 24, v. 6, mostrarãa, por mostrarão; est. 62, v. 2, affamdas, por affamadas; est. 63, v. 3, argenta, por argento; v. 6, Mos, por Nos), de forma que nos foi evidente terem sido estas folhas subtituidas por correcção. Mas, como succede ás vezes nestes casos, descobrimos que o impressor, corrigindo estes erros e outros, commettera dous novos na est. 58, v. 2, pondo conduzidas, por conduzidos; e na est. 65, v. 3, ajudados, por ajudado.

Na edição da bibliotheca real, tambem de 1572, a forma da tarja he mais larga e curta, e a lettra do rosto

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