XVI
Mas em quanto este tempo passa lento De regerdes os povos, que o desejam, Dai vos favor ao novo altrevimento, Para que estes meus versos vossos sejam: E vereis ir cortanto o salso argento Os vossos Argonautas; porque vejam Que são vistos de vos no mar irado: E costumai-vos já a ser invocado.
XIX
Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam, Das Dáos as velas concavas inchando: De branca escuma os mares se mostravam Cobertos onde as proas vão cortando As maritimas aguas consagradas, Que do gado de Proteo são cortadas.
XX
Quando os deoses no Olympo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em concilio glorioso, Sobre as cousas futuras do Oriente: Pizando o crystallino ceo formoso, Vem pela via Lactea juntamente, Convocados da parte do Tonante, Pelo neto gentil do velho Atlante.
XXI
Deixam dos sete ceos o regimento Que do poder mais alto lhe foi dado; Alto poder, que só c'o pensamento Governa o ceo, a terra, e o mar irado: Alli se acharam juntos n'um momento Os que habitam o Arcturo congelado, E os que o Austro tem, e as partes onde A Aurora Dasce, e o claro Sol se esconde.
XXII
Estava o Padre alli sublime, e dino, Que vibra os feros raios de Vulcano, N'um assento de estrellas crystallino; Com gesto alto, severo, e soberano: Do rosto respirava hum ar divino, Que divino tornara hum corpo humano, Com huma coroa, e sceptro rutilante, De outra pedra mais clara que diamante.
XXIII
Em luzentes assentos, marchetados De ouro, e de perlas, mais abaixo estavam Os outros deoses todos assentados, Como a razão, e a ordem concertavam: Precedem os antiguos mais honrados; Mais abaixo os menores se assentavam: Quando Jupiter alto assi dizendo, C'hum tom de voz começa grave e horrendo.
XXIV Eternos moradores do luzente Estellifero polo e claro assento, Se do grande valor da forte gente De Luso não perdeis o pensamento, Deveis de ter sabido, claramente, Como he dos fados grandes certo intento, Que por ella se esqueçam os humanos De Assyrios, Persas, Gregos, e Romanos,
XXV
Ja the foi, hem o vistes, concidido C'hum poder tão singelo, e tão pequeno, Tomar ao mouro forte, e guarnecido, Toda a terra que rega o Tejo ameno: Pois contra o Castelhano tão temido, Sempre alcançou favor do Ceo sereno: Assi que sempre em fim, com fama e gloria, Teve os tropheos pendentes da victoria,
XXVI
Deixo, deoses, atraz a fama antiga, Que co'a gente de Romulo alcançaram, Quando com Viriato, na inimiga Guerra Romana tanto se affamaram: Tambem deixo a memoria, que os obriga A grande nome, quando alevantaram Hum por seo capitão, que peregrino Fingio na Cerva espirito divino.
XXVII
Agora vedes bem, que commettendo O duvidoso mar n'hum lenho leve, Por vias nunca usadas, não temendo De Africo, e Noto a força, a mais se atreve. Que havendo tanto já que as partes vendo, Onde o dia he comprido, e onde breve, Inclinam seu proposito, e porfia, A ver os berços onde nasce o dia. XXVIII Promettido lhe está do Fado eterno, Cuja alta lei não pode ser quebrada, Que tenham longos tempos o governo Do mar, que vê do Sol a roxa entrada Nas aguas tem passado o duro inverno; A gente vem perdida, e trabalhada; Já parece bem feito, que lhe seja Mostrada a nova terra que deseja.
XXIX
E porque, como vistes tem passados Na viagem tão as peros perigos, Tantos climas, e ceos exprimentados, Tanto furor de ventos inimigos; Que sejam, determino, agasalhados Nesta costa Africana, como amigos; E tendo guarnecida a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa rota.
Estas palavras Jupiter dizia: Quando os deoses por ordem respondendo, Na sentença hum do outro differia, Razões diversas dando, e recebendo. O padre Baccho alli não consentia No que Jupiter disse, conhecendo Que esquecerão seus feitos no Oriente, Se lá passar a Lusitana gente.
XXXI
Ouvido tinha aos Fados, que viria Huma gente fortissima de Hespanha Pelo mar alto, a qual sujeitaria Da India tudo quanto Doris banha: E com novas victorias venceria
A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha: Altamente lhe doe perder a gloria
De que Nysa celebra ainda a memoria.
XXXII
Vê que já teve o Indo sobjugado, E nunca the tirou fortuna, ou caso, Por vencedor da India ser cantado De quantos bebem a agua do Parnaso: Teme agora que seja sepultado. Seu tão celebre nome em negro vaso Da agua do esquecimento, se lá chegam Os fortes Portuguezes que navegam.
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