E já no porto da inclyta Ulyssea, C'hum alvoroço nobre, e c'hum desejo (Onde o licor mistura, e branca area Co'o salgado Neptuno o doce Tejo) As naos prestes estão; e não refrea Temor nenhum o juvenil despejo, Porque a gente maritima, e a de Marte Estão para seguir-me a toda parte.
Pelas praias vestidos os soldados De varias cores vem, e varias artes; E não menos de esforço apparelhados Para buscar do mundo novas partes. Nas fortes naos os ventos socegados Ondeam os aeries estandartes;
Elles promettem, vendo os mares largos. De ser no Olympo estrellas, como a de Argos.
Despois de apparelhados desta sorte, De quanto tal viagem pede e manda, Apparelhámos a alma para a morte, Que sempre aos nautas ante os olhos anda. Para o summo Poder, que a etherea corte Sustenta só co'a vista veneranda, Implorámos favor que nos guiasse, E que nossos começos aspirasse.
Partimo-nos assi do sancto templo, Que nas praias do mar está assentado, Que o nome tem da terra para exemplɔ, Donde Deos foi em carne ao mundo dado. Certelicc-te, o Rei, que se contemplo Como fui destas praias apartado, Cheio dentro de duvida, e receio, Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
A gente da cidade aquelle dia, Huns por amigos, outros por parentes, Outros por ver somente, concorria, Saudosos na vista, e descontentes: E nós co'a virtuosa companhia De mil Religiosos diligentes
Em procissão solemne a Deos orando, Para os bateis viemos caminhando.
Em tão longo caminho, e duvidoso, Por perdidos as gentes nos julgavani; As mulheres c'hum choro piedoso, Os homens com suspiros que arrancavam: Mais, espesas, irmãas, que o temeroso Amor mais desconfia, accrescentavam A desesperação, e frio medo
De á nos não tornar a vêr tão cedo.
Qual vai dizendo: O' filho, a quem eu tinha Só para refrigerio, e doce amparo Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará penoso, e amaro; Porque me deixas misera, e mesquinha? Porque de mim te vás, ó filho charo, A fazer o funereo enterramento, Onde sejas de peixes mantimento!
Qual em cabello: O' doce e amado esposo, Sem quem não quiz amor que viver possa; Porque a aventurar ao mar iroşo
Essa vida, que he minha, e não he vossa? Como por hum caminho duvidoso Vos esquece a affeição tão doce nossa? Nosso amor, nosso vão contentamento, Quereis que com as velas leve o vento?
Nestas e outras palavras que diziam De amor, e de piedosa humanidade, Os velhos, e os meninos os seguiam, Em quem menos esforço poem a idade. Os montes de mais perto respondiam, Quasi movidos de alta piedade: A branca area as lagrimas banhavam, Que em multidão com ellas se igualavam.
Nós outros sem a vista alevantarmos, Nem a mãi, nem a esposa, neste estado, Por nos não magoarmos, ou mudarinos Do proposito firme começado:
Determinei de assi nos embarcarmos Sem o despedimento costumado,
Que postoque he de amor usança boa, A quem se aparta, ou fica, mais magoa. XCIV
Mas hum velho d'aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, mencando Tres vezes a cabeça, descontente, A voz pesada hum pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C'hum saber só d'experiencias feito, Taes palavras tirou do experto peito:
Oh gloria de mandar! Oh vãa cobiça Desta vaidade, a quem chamamos fama! Oh fraudulento gosto, que se atiça
C'huma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho, e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades nelles exprimentas!
Dara inquietação d'alma, e da vida, Fonte de desamparos, e adulterios, Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos, e de imperios: Chamam-te illustre, chamam-te subida, Sendo digna de infames vituperios: Chamam-te fama, e gloria soberana, Nomes com que se o povo nescio engana!
A que novos desastres determinas De levar estes reinos, e esta gente? Que perigos, que mortes lhe destinas, Debaixo d'algum nome preeminente? Que promessas de reinos, e de minas D'ouro, que lhe farás tão facilmente? Que famas The prometterás? Que historias? Que triumphos, que palmas, que victorias ?.
Mas ó tu geração daquelle insano, Cujo peccado, e desobediencia, Não somente do reino soberano
Te poz neste desterro, e triste ausencia: Mas inda d'outro estado mais que humano," Da quieta, e da simples innocencia,
Idade d'ouro, tanto te priveu,
Que na de ferro, e d'armas te deitou:
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