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LXXXVII

Grinaldas manda pôr de varias cores
Sobre cabellos louros á portia :
Quem não dirá, que nascem roxas flores
Sobre ouro natural, que amor enfia?
Abrandar determina por amores
Dos ventos a nojosa companhia,
Mostrando-lhe as amadas nymphas bellas,
Que mais formosas vinham que as estrellas.

LXXXVIII

Assi foi, porque tanto que chegaram
A' vista dellas, logo lhe fallecem
As forças com que d'antes pelejaram,
E já como rendidos the obedecem :
Os pés, e mãos parece que lhe ataram
Os cabellos que os raios escurecem,
A Boreas, que do peito mais queria,
Assi disse a bellissima Orithya :

LXXXIX

Não creas, fero Boreas, que le creio,
Que me tiveste nunca amor constante;
Que brandura he de amor mais certo arreio,
E não convem furor a firme amante:
Se já não poens a tanta insania freio,
Não esperes de mi daqui em diante,
Que possa mais amar-te, mas temer-le,
Que amor comtigo em medo se converte.

XC

Assi mesmo a fomosa Galatea
Dizia ao fero Noto: que bem sabe
Que dias ha que em ve-la se recrea,
E bem crê que com elle tudo acabe.
Não sabe o bravo tanto bem se crea,
Que o coração no peito the não cabe,
De contente de ver que a dama o manda,
Pouco cuida que faz se logo ábranda.

XCI
Desta maneira as outras amansavam
Subitamente os outros amadores;
E logo á linda Venus se entregavam,
Amansadas as iras, e os furores :
Ella lhe prometteo, vendo que amavam,
Sempiterno favor em seus amores,
Nas bellas mãos tomando-the homenagem
De lhe serem leaes esta viagem.

XCII

Já a manhãa clara dava nos outeiros,
Por onde o Ganges murmurando soa.
Quando da celsa gavea os marinheiros
Enxergaram terra alta pela proa.
Já fora de tormenta, e dos primeiros
Mares, o temor vão do peito voa;
Disse alegre o Piloto Melindano,
« Terra he de Calecut,» se não me engano.

X CHI

Esta he por certo a terra que buscais
Da verdadeira India que apparece ;
E se do mundo mais nao desejais,
Vosso trabalho longe aqui fenece.
Soffrer aqui não pode o Gama mais
De ledo em ver qne a terra se conhece;
Os giolhos no chão, as mãos ao ceo,
A mercê grande a Deus agradeceo.

XCIV

As graças a Deos dava, e razão tinha,
Que não somente a terra lhe mostrava,
Que com tanto temor buscando vinha,
Por quem tanto trabalho exprimentava;
Mas via-se livrado tão asinha

Da morte, que no mar apparelha va
O vento duro, fervido, e medonho,
Como quem despertou de horrendo sonho.

CXV

Por meio destes horridos perigos,
Destes trabalhos graves, e temores,
Alcançam os que são de fama amigos,
As honras immortaes, e graos maiores:
Não encostados sempre nos antigos
Troncos nobres de seus antecessores;
Não nos leitos dourados, entre os finos
Animaes de Moscovia zebellinos.

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XCVI

Não co'os manjares novos e exquisitos,
Não co os passeios molles e ociosos,
Não co'os varios deleites e infinitos,
Que affeminam os peitos generosos;
Não co'os nunca vencidos appetitos,
Que a fortuna tem sempre tão minosos

Que não soffre a nenhum, que o passo mude
Para alguma obra heroica de virtude.

XCVII

Mas com buscar co'o seu forçoso braço As honras, que elle chama proprias suas, Vigiando, e vestindo o forjado aço, 3. Soffrendo tempestades, e ondas cruas. Vencendo os torpes frios no regaço Do Sul, e regiões de abrigo nuas, Engolindo o corrupto mansimento, Temperado c'hum arduo soffrimento:

XCVIII

E com forçar o rosto, que se enfia,
A parecer seguro, ledo, inteiro,
Para o pelouro ardente, que assovia,
E leva a perna ou braço ao companheiro.
Desta arte, o peito hum callo honroso cria,
Desprezador das honras, e dinheiro,
Das honras, e dinheiro, que a ventura
Forjou, e não virtude justa, e dura.

XCIX

Desta arte se esclarece o entendimento,
Que experiencias fazem repousado;
E fica vendo, como de alto assento,
O baixo trato humano embaraçado:
Este, onde tiver força o regimento
Direito, e não de effeitos occupado,
Subirá (como deve) a illustre mando,
Contra vontade sua, e não rogando.

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