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IX

O' miseros Christãos, pela ventura
Sois os dentes de Cadmo desparzidos,
Que huns aos outros se dão a morte dura,
Sendo todos de hum ventre produzidos?
Não vedes a divina sepultura
Possuida de cães que sempre unidos
Vos vem tomar a vossa antigua terra,
Fazendo se famosos pela guerra?

*X

Vedes que tem por uso, è por decreto,
Do qual são tão inteiros observantes,
Ajuntarem o exercito inquieto
Contra os povos que são de Christo amantes:
Entre vós nunca deixa a fera Aleto
De semear cizanias repugnantes
Olhai se estais seguros de perigos,
Que elles e vós sois vossos inimigos.

XI

Se cobiça de grandes senhorios
Vos faz ir conquistar terras alheas,
Não vedes que Pactolo e Hermo rios,
Ambos volvem auriferas areas?

Em Lydia, Assyria, lavram de ouro os fios
Africa esconde em si luzentes veas:
Mova-vos já se quer riqueza tanta,
Pois mover-vos não pode a Casa sancta.

XII

Aquellas invenções feras, e novas:
De instrumentos mortaes da artilheria,
Já devem de fazer das duras provas
Nos muros de Byzancio, e de Turquia.
Fezej que torne lá ás sylvestres covas
Dos Caspios montes, e da Scythia fria
A Turca geração, que multiplica
Na policia, da vossa Europa rica.

XIII

Gregos, Thraces, Armenios, Georgianos,
Bradando-vos estão, que o povo bruto
Lhe obriga os charos filhos aos profanos
Preceitos do Alcorão: duro tributo!
Em castigar os feitos inhumanos
Vos gloriai de peito forte, e astuto;
E não queirais louvores arrogantes
De serdes contra os vossos mui possantes.

XIV

Mas em tanto que cegos, e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltarão Christãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana:
De Africa tem maritimos assentos;
lle na Asia mais que todas soberana:
Na quarta parte nova os campos ara;
K se mais mundo houvera, lá chegara.

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XV

E vejamos em tanto que acontece
A'quelles tão famosos navegantes,
Despois que a branda Venus enfraquece
() furor vão dos ventos repugnantes,

Despois que a larga terra lhe apparece,
Fim de suas porlias tão constantes,
Onde vem semear de Christo a lei,
E de dar novo costume, e novo Rei.
XVI

Tanto que á nová terra se chegaram,
Leves embarcações de pescadores
Acharam, que o caminho lhe mostraram
De Calecut, onde eram moradores.
Para lá logo as proas se inclinaram;
Porque esta era a cidade das melhores
Do Malabar melhor, onde vivia
O Rei, que a terra toda possuia.

XVII

Além do Indo jaz, e a quem do Gange.
Hum terreno mui grande, e assaz famosó,
Que pela parte Austral o mar abrange,
E para o Norte o Emodio cavernoso.
Jugo de Reis diversos o constrange
A varias leis; alguns o vicioso
Mafoma, alguns os idolos adoram,
Alguns os animais, que entre elles moram.

XVIII

Lá bem no grande monte, que cortando
Tão larga terra, toda a Asia discorre,
Que nomes tão diversos vai tomande,
Segundo as regiões por onde corre:
As fontes sahem, donde vem manando
Os rios. cuja grão corrente morre
No mar Indico, e cercam todo o peso
Do terreno, fazendo-o Chersoneso.

XIX

Entre hum e outro rio, em grande espaço.
Sahe da larga terra hua longa ponta
Quasi pyramidal, que no regaçe
Do mar com Ceilão insula confronta:
E junto donde nasce o large braço
Gangetico, o rumor antiguo conta,
Que os visinhos, da terrra, moradores,
Do cheiro se mantem das finas tlores:

XX

Mas agora de nomes, e de usança,
Novos e varios são os habitantes,
Os Delijs, os Patanes, que em possança
De terra, e gentes são mais abundantes:
Decanis, Oriás, que a esperança
Tem de sua salvação nas resonantes
Aguas do Gange; e a terra de Bengala,
Fertil de sorte, que outra não lhe iguala.

O reino de Cambaia bellicoso
(Dizem que foi de Poro, Rei polente);
O reino de Narsinga, poderoso

Mais de ouro e pedras, que de forte gente.
Aqui se enxerga lá do marundoso
Hlum monte alto, que corre longamente,
Servindo ao Malabar de forte muro,
Com que do Canará vive seguro.

XXII

Da terra os naturaes lhe chamam Gate,
Do pé do qual pequena quantidade
Se estende hua fralda estreita, que combate
Do mar a natural ferocidade;
Aqui de outras cidades sem debate,
Calecut tem a illustre dignidade
De cabeça de imperio rico, e bella,
Samorim se intitula o senhor della.
XXII

XXI

Chegada a frota ao rico senhorio, llum Portugaez mandado logo parte, A fazer sabedor o Rei gentio

Da vida sua a tão remota parte.

Entrando mensageiro pelo rio,

Que alli nas ondas eutra, a não vista arte,
A cor, o geste estranho, o trajo novo,
Fez concorrer a ve-lo todo o povo.

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