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XXIV

Entre a gente que a ve-lo concorria.
Se chega hum Mahometa, que nascido
Fora na região da Barbaria

Lá onde fora Anteo obedecido:
Ou pela visinhança já teria
O reino Lusitano conhecido,

Ou foi já assignalado de seu ferro,
Fortuna o trouxe a tão longo desterro.

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Em vendo o mensageiro com jucundo
Rosto, como quem sabe a lingua Hispana,
Lhe disse: Quem te trouxe a est'outro mundo
Tão lunge da tua patria Lusitana?
Abrindo, the responde, o mar profundo,
Por onde nunca veio gente humana.
Vimos buscar do Indo grão corrente,
Por onde a Lei divina se accrescente.
XXVI

Espantado ficou da grão viagem

O Mouro, que Monçaide se chamava,
Ouvindo as oppressões que na passagem
Do mar o Lusitano lhe contava:

Mas vende em fim, que a força da mensagem
Só para o Rei da terra relevava,
Lhe diz, que estava fora da cidade,
Mas de caminho pouca quantidade.

XXVII

E que em tanto que a nova lhe chegasse
De sua estranha vinda, se queria,
Na sua pobre casa repousasse,
E do manjar da terra comeria:

E despois que se hum pouco recreasse,
Com elle para a armada torparia:
Que allegria não pode ser tamanha,
Que achar gente visinha em terra estranha.

XXVIII

O Portuguez acceita de vontade

O que o ledo Monçaide the offerece;
Como se longa fora a amizade,

Com elle come e bebe, e lhe obedece:
Ambos se tornam logo da cidade
Para a frota, que o Mouro bem conhece;
Sobem á capitaina, e toda a gente
Monçaide recebeo benignamente.

XXIX

O Capitão o abraça em cabo ledo,
Quvindo clara a lingua de Castella;
Junto de si o assenta, e prompto e quedo,
Pela terra pergunta, e cousas della,
Qual se ajuntava em Rhodope e arvoredo,
Só por ouvir o amante da donzella
Eurydice, tocando lyra de ouro,
Tal a gente se ajunta a ouvir o Mouro.

XXX

Elle começa: ()' gente, que a natura
Visinha fez de meu paterno ninho,
Que destino tão grande, ou que ventura,
Vos trouxe a commetterdes tal caminho?
Não he sem causa, não, occulta e escura,
Vir do longinquo Tejo, e ignoto Minho,
Por mares nunca d'outro lenho arados;
A reinos tão remotos e apartados.

XXXI

Deos por certo vos traz, porque pretende
Algum serviço seu, por vós obrado;
Por isso só vos gula, e vos defende
Dos imigos, do mar, do vento irado.
Sabei, que estais na India, onde se entende
Diverso povo, rico, e prosperado
De ouro luzente, e fina pedraria,
Cheiro suave, ardente especiaria.

XXXII

Esta provincia, cujo porto agora
Tomado tendes, Malabar se chaina:
Do culto antiguo os idolos adora,
Que cá por estas partes se derrama:
De diversos Reis he, mas d'hum só fora
N'outro tempo, segundo a antigua fama:
Saramá Perimal foi derradeiro

Rei, que este Reino teve unido, e inteiro.

XXXIII

Porém como a esta terra então viessem
De lá do seio Arabico outras gentes,
Que o culto Mahometico trouxessem,
No qual me instituiram meus parentes,
Succedeo, que pregando convertessem
O Perimal, de sahios, e eloquentes;
Fazem-lhe a lei tomar com fervor tanto,
Que presuppoz de nella morrer santo.

XXXIV

Naos arma, e nellas mette curioso
Mercadoria, que offereça, rica,
Para ir nellas a ser religioso,

Onde o propheta jaz que a lei publica:
Antes que parta o reino poderoso
Co'os seus reparte, porque não lhe fica
Herdeiro proprio: faz os mais acceitos,
Riccs de pobres, livres de sujeitos.

XXXV

A hum Cochim, e a outro Cananor,
A qual Chalé, a qual a ilha da Pimenta,
A qual Coulão, a qual dá Cranganor,

E os mais, a quem o mais serve, e contenta,
Hum só moço, a quem tinha muito amor,
Despois que tudo deo, se lhe apresenta:
Para este Calecut somente fica,
Cidade já por trato nobre, e lica.

XXXVI

Esta lhe dá co'o titulo excellente

De Imperador, que sobre os outras mande, Isto feito se parte diligente

Para onde em sancla vida acabe, e ande:
E daqui fica o nome de potente

Samorim, mais que todos digno e grande,
Ao moço, e descendentes, donde vem
Este que agora o imperio manda e tem.

XXXVII

A lei da gente toda, rica e pobre,
De fabulas compostas se imagina:
Andam nus, e somente hum panno cobre
As partes que a cobrir natura ensina:
Dous modos ha de gente; porque a nobre
Nires chamados são, e a menos dina
Poleas tem por nome, a quem obriga
A lei não misturar a casta antiga:

XXXVIII

Porque os qusaram sempre hum mesmo officio
D'outro não podem receber consorte:
Nem os filhos terão outro exercicio,
Senão o de seus passados, até morte.
Para os Naires he certo grande vicio
Destes serem tocados, de tal sorte,
Que quando algum se toca por ventura,
Com cerimonias mil se alimpa, e apura.

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