Entre a gente que a ve-lo concorria. Se chega hum Mahometa, que nascido Fora na região da Barbaria
Lá onde fora Anteo obedecido: Ou pela visinhança já teria O reino Lusitano conhecido,
Ou foi já assignalado de seu ferro, Fortuna o trouxe a tão longo desterro.
Em vendo o mensageiro com jucundo Rosto, como quem sabe a lingua Hispana, Lhe disse: Quem te trouxe a est'outro mundo Tão lunge da tua patria Lusitana? Abrindo, the responde, o mar profundo, Por onde nunca veio gente humana. Vimos buscar do Indo grão corrente, Por onde a Lei divina se accrescente. XXVI
Espantado ficou da grão viagem
O Mouro, que Monçaide se chamava, Ouvindo as oppressões que na passagem Do mar o Lusitano lhe contava:
Mas vende em fim, que a força da mensagem Só para o Rei da terra relevava, Lhe diz, que estava fora da cidade, Mas de caminho pouca quantidade.
E que em tanto que a nova lhe chegasse De sua estranha vinda, se queria, Na sua pobre casa repousasse, E do manjar da terra comeria:
E despois que se hum pouco recreasse, Com elle para a armada torparia: Que allegria não pode ser tamanha, Que achar gente visinha em terra estranha.
O Portuguez acceita de vontade
O que o ledo Monçaide the offerece; Como se longa fora a amizade,
Com elle come e bebe, e lhe obedece: Ambos se tornam logo da cidade Para a frota, que o Mouro bem conhece; Sobem á capitaina, e toda a gente Monçaide recebeo benignamente.
O Capitão o abraça em cabo ledo, Quvindo clara a lingua de Castella; Junto de si o assenta, e prompto e quedo, Pela terra pergunta, e cousas della, Qual se ajuntava em Rhodope e arvoredo, Só por ouvir o amante da donzella Eurydice, tocando lyra de ouro, Tal a gente se ajunta a ouvir o Mouro.
Elle começa: ()' gente, que a natura Visinha fez de meu paterno ninho, Que destino tão grande, ou que ventura, Vos trouxe a commetterdes tal caminho? Não he sem causa, não, occulta e escura, Vir do longinquo Tejo, e ignoto Minho, Por mares nunca d'outro lenho arados; A reinos tão remotos e apartados.
Deos por certo vos traz, porque pretende Algum serviço seu, por vós obrado; Por isso só vos gula, e vos defende Dos imigos, do mar, do vento irado. Sabei, que estais na India, onde se entende Diverso povo, rico, e prosperado De ouro luzente, e fina pedraria, Cheiro suave, ardente especiaria.
Esta provincia, cujo porto agora Tomado tendes, Malabar se chaina: Do culto antiguo os idolos adora, Que cá por estas partes se derrama: De diversos Reis he, mas d'hum só fora N'outro tempo, segundo a antigua fama: Saramá Perimal foi derradeiro
Rei, que este Reino teve unido, e inteiro.
Porém como a esta terra então viessem De lá do seio Arabico outras gentes, Que o culto Mahometico trouxessem, No qual me instituiram meus parentes, Succedeo, que pregando convertessem O Perimal, de sahios, e eloquentes; Fazem-lhe a lei tomar com fervor tanto, Que presuppoz de nella morrer santo.
Naos arma, e nellas mette curioso Mercadoria, que offereça, rica, Para ir nellas a ser religioso,
Onde o propheta jaz que a lei publica: Antes que parta o reino poderoso Co'os seus reparte, porque não lhe fica Herdeiro proprio: faz os mais acceitos, Riccs de pobres, livres de sujeitos.
A hum Cochim, e a outro Cananor, A qual Chalé, a qual a ilha da Pimenta, A qual Coulão, a qual dá Cranganor,
E os mais, a quem o mais serve, e contenta, Hum só moço, a quem tinha muito amor, Despois que tudo deo, se lhe apresenta: Para este Calecut somente fica, Cidade já por trato nobre, e lica.
Esta lhe dá co'o titulo excellente
De Imperador, que sobre os outras mande, Isto feito se parte diligente
Para onde em sancla vida acabe, e ande: E daqui fica o nome de potente
Samorim, mais que todos digno e grande, Ao moço, e descendentes, donde vem Este que agora o imperio manda e tem.
A lei da gente toda, rica e pobre, De fabulas compostas se imagina: Andam nus, e somente hum panno cobre As partes que a cobrir natura ensina: Dous modos ha de gente; porque a nobre Nires chamados são, e a menos dina Poleas tem por nome, a quem obriga A lei não misturar a casta antiga:
Porque os qusaram sempre hum mesmo officio D'outro não podem receber consorte: Nem os filhos terão outro exercicio, Senão o de seus passados, até morte. Para os Naires he certo grande vicio Destes serem tocados, de tal sorte, Que quando algum se toca por ventura, Com cerimonias mil se alimpa, e apura.
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