Tem a lei d'hum Propheta, que gerado Foi sem fazer na carne detrimento Da Mai; tal que por bafo está approvado. Do Deos, que tem do mundo o regimento, O que entre meus antiguos he vulgado Delles, he que o valor sanguinolento Das armas no seu braço resplandece, O que em nossos passados se parece;
Porque elles, com virtude sobrehumana, Os deitaram dos campos abundoscs Do rico Tejo, e fresca Guadiana, Com feitos memoraveis, e famosos: E não contentes inda, na Africana Parte, cortando os mares procelloso3, Nos não querem deixar viver seguros, Tomando-nos cidades, e altos muros.
Não menos tem mostrado esforço, e manha Em quaesquer outras guerras que aconteçam, Ou dos gentes belligeras de Hespanha, Ou là d'alguns que do l'yrene deçam: Assi que nunca em fim com lança estranha Se tem, que por vencidos se conheçam; Nem se sabe inda, não, te aflirmo e assello, Para estes Annibaes nenhum Marcello.
E se esta informação não for inteira Tanto quanto convem, delles pretende Informar-te, que gente verdadeira, A que mais falsidade enoja, e offende: Vai ver-lhe a frola, as armas, e a maneira Do fundido metal, que tudo rende; E folgarás de veres a policia Portugueza na paz, e na milicia.
Já com desejos o Idolatra ardia De ver isto que Mouro lhe contava: Manda esquipar bateis, que ir ver queria Os lenhos em que o Gama navegava: Ambos partem da praia a quem seguia A Naire geração, que o mar coalhava; A' capitaina sobem forte e bella, Onde Paulo os recebe a bordo della.
Purpureos são os toldos, e as bandeiras Do rico fio são, que o bicho gera; Nellas estão pintadas as guerreiras Obras, que o forte braço já fizera: Batalhas tem campaes, aventureiras, Desafios crueis, pintura fera,
Que tanto que ao Gentio se apresenta, Attento nella os olhos apascenta.
Pelo que vê pergunta: mas o Gama Lhe pedia primeiro que se assente, E que aquelle deleite que tanto ama A seita Epicurea experimente. Dos espumantes vasos se derrama O licor, que Noé mostrara á gente: Mas comer o Gentio não pretende, Que a seita que seguia lho defende.
A trombeta, que em paz no pensamento Imagem faz de guerra, rompe os ares: Co'o fogo o diabolico instrumento Se faz ouvir no fundo lá dos mares. Tudo o Gentio nota: mas o intento Mostrava sempre ter nos singulares Feitos dos homens, que em retrato breve A muda poesia alli descreve.
Alça-se em pé, com elle o Gama junto, Coelho de outra parte, e o Mauritano: Os olhos poem no bellico transunto De hum velho branco; aspeito venerando, Cujo nome não pode ser defunto,
Em quanto houver no mundo trato humano: No trajo a Grega usança está perfeita, llum ramo por insignia na direita.
Hum ramo na mão tinha .. Mas ó cego Eu, que commetto insano, e temerario, Sem vós, Nymphas do Tejo e do Mondego, Por caminho tão arduo, longo, e vario! Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar com vento tão contrario, Que se não me ajudais, hei grande medo, Que o meu fraco batel se alague cedo.
Olhai que ha tanto tempo, que cantando O vosso Tejo, e os vossos Lusitanos, A fortuna me traz peregrinando, Novos trabalhos vendo, e novos danos: Agora o mar, agora exprimentando Os perigos Mavorcios inhumanos: Qual Canace, que á morte se condena, N'huma mão sempre a espada, e n'outra a (penna.
Agora com pobreza aborrecida, Por hospicios alheios degradado; Agora da esperança ja adquirida, De novo mais que nunca derribado: Agora ás costas escapando a vida, Que d'hum fio pendia tão delgado, Que não menos milagre foi salvar-se, Que para o Rei Judaico accrescentar-se.
E ainda, Nymphas miuhas, não bastava Que tamanhas miserias me cercassem Senão que aquelles que eu cantando andava, Tal premio de meus versos me tornassem: A troco dos descansos que esperava, Das capellas de louro que me hourassem, Trabalhos Dunca usados me inventaram Com que em tão duro estado me deitaram.
Vede, Nymphas, que engenhos de senhores O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar com taes favores A quem os fez cantando gloriosos! Que exemplos a futuros escriptores, Para espertar engenhos curiosos, Para porém as cousas em memoria, Que merecerem ter eterna gloria!
Pois logo em tantos males he forçado, Que só vesso favor me não falleça, Principalmente aqui, que sou chegado Onde feitos diversos engrandeça: Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado, Que não no empregue em quem o não mereça, Nem por lisonja louve algum subide, Sob pena de não ser agradecido.
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