Leonardo, soldado bem disposto, Manhoso, cavalleiro, e namorado, A quem amor não dera hum só desgosto, Mas sempre fora delle maltratado; E tinha já por firme presupposto Ser com amores mal alfortunado, Porém não que perdesse a esperança De inda poder seu fado ter mudança:
Quiz aqui sua ventura, que corria Após Ephyre, exemplo de belleza, Que mais caro que as outras dar queria O que deo para dar-se a natureza, Já cansado correndo Ine dizia: O' formosura indigna de aspereza, Pois desta vida te concedo a palma, Espera um corpo de quem levas a alma.
Todas de correr cansam, nympha pura, Rendendo-se à vontade do inimigo; Tu só de mi só foges na espessura? Quem te disse que eu era o que te sigo? Se to tem dito ja aquella ventura,
Que em toda a parte sempre anda comigo, O' não na creas, porque eu quando a cria, Mil vezes cada hora me mentia.
Não cances, que me canças: e se queres Fugir-ne, porque não passa tocar-le, Minha ventura he tal, que inda que esperes, Ella fará que não possa alcançar-te. Espera: quero ver, se tu quizeres: Que subtil modo busca de escapar-te, E notarás no fim deste successo,
Tra la spiga e la man qual muro é messo."
O' não me fujas! Assi nunca o breve Tempo fuja de tua formosura! Que só com refrear o pas o leve Venceras da fortuna a força dura. Que Imperador, que exercito se atreve A quebrantar a furia da ventura, Que em quanto desejei ne vai seguindo? O que tu só farás não me fugindo.
Poens-te da parte da desdita minha? Fraqueza he dar ajuda ao mais potente, Levas me hum coração, que livre tinha? Solta-mo, e correrás mais levemente. Não te carrega essa alma tão mesquinha, Que nesses fios de ouro reluzente Atada levas? Ou despois de presa Lhe mudaste a ventura, menos pesa?
Nesta esperança só te vou seguindo; Que ou tu não soffreras o peso della, Ou na virtude de teu gesto lindo Lhe mudarás a triste e dura estrella: E se se lhe mudar, não vás fugindo, Que amor te ferirá, gentil donzella, E tu me esperarás, se amor te fere; E se me esperas, não ha mais que espere.
Já não fugia a bella nympha, tanto Por se dar cara ao triste que a seguia, Como por ir ouvindo o doce canto, As nomoradas magoas que dizia. Volvendo o rosto já sereno e sauto, Toda banhada em riso, e alegria, Cahir se deixa aos pés do vencedor, Que todo se desfaz em puro amor.
Oh que famintos beijos na floresta! E que mimoso choro que soava! Que affagos tão suaves! Que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhãa, e na sesta, Que Venus com prazeres inflammava, Melhor he exprimenta-lo que julga-lo, Mas julgue-o quem não pode exprimenta-lo.
Desta arte em fim conformes já as formosas Nymphas co'os seus amados navegantes, Os ornam de capellas deleitosas,
de ouro e flores abundantes; As mãos alvas the davam como esposas; Com palavras formaes, e estipulantes Se promettem eterna companhia Em vida e morte, de honra e alegria.
Huma dellas maior, a quem se humilha Todo o coro das nymphas, e obedece, Que dizem ser de Calo e Vesta filha, O que no gesto bello se parece, Enchendo a terra, e o mar de maravilha, O Capitão illustre, que o merece. Recebe alli com pompa honesta e regia, Mostrande-se senhora grande e egregia.
Que despois de lhe ter dito quem era. Chum alto exordio de alta graça ornado, Dando-lhe a entender que alli viera Por aita influição de immobil fado; l'ara lhe descobrir da unida esphera, ba terra immensa, e mar não navegado Os segredos, por alta prophecia, O que esta sua nação só increcia.
Tomando-o pela mão o leva, e guia Para o cume de um monte alto e divino, No qual bun rica fabrica se erguia De crystal toda, e de ouro puro, e fino. A maior parte aqui passam do dia Em doces jogos, e em prazer contino: Ella nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras entre as flores.
Assi a formosa, e a forte companhia, O dia quasi todo estão passando, N'huma alma, doce, incognita alegria, Os trabalhos tão longos compensando; Porque dos feitos grandes, da ousadia Forte e famosa, o mundo está guardando O premio lá no tim bem merecido, Com fama grande, e nome alto e subido;
Que as nymphas do occeano tão formosas, Tethys, e a Ilha angelica pintada, Outra cousa não he, que as deleitosas Honras, que a vida fazem sublimada: Aquellas preeminencias gloriosas,
Os triumphos, a fronte coroada
De palma, e louro, a gloria, e maravilha, Estes são os deleites desta Ilha.
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