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LXXV

Leonardo, soldado bem disposto,
Manhoso, cavalleiro, e namorado,
A quem amor não dera hum só desgosto,
Mas sempre fora delle maltratado;
E tinha já por firme presupposto
Ser com amores mal alfortunado,
Porém não que perdesse a esperança
De inda poder seu fado ter mudança:

LXXVI

Quiz aqui sua ventura, que corria
Após Ephyre, exemplo de belleza,
Que mais caro que as outras dar queria
O que deo para dar-se a natureza,
Já cansado correndo Ine dizia:
O' formosura indigna de aspereza,
Pois desta vida te concedo a palma,
Espera um corpo de quem levas a alma.

LXXVII

Todas de correr cansam, nympha pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo;
Tu só de mi só foges na espessura?
Quem te disse que eu era o que te sigo?
Se to tem dito ja aquella ventura,

Que em toda a parte sempre anda comigo,
O' não na creas, porque eu quando a cria,
Mil vezes cada hora me mentia.

LXXVIII

Não cances, que me canças: e se queres
Fugir-ne, porque não passa tocar-le,
Minha ventura he tal, que inda que esperes,
Ella fará que não possa alcançar-te.
Espera: quero ver, se tu quizeres:
Que subtil modo busca de escapar-te,
E notarás no fim deste successo,

Tra la spiga e la man qual muro é messo."

LXXIX

O' não me fujas! Assi nunca o breve
Tempo fuja de tua formosura!
Que só com refrear o pas o leve
Venceras da fortuna a força dura.
Que Imperador, que exercito se atreve
A quebrantar a furia da ventura,
Que em quanto desejei ne vai seguindo?
O que tu só farás não me fugindo.

LXXX

Poens-te da parte da desdita minha?
Fraqueza he dar ajuda ao mais potente,
Levas me hum coração, que livre tinha?
Solta-mo, e correrás mais levemente.
Não te carrega essa alma tão mesquinha,
Que nesses fios de ouro reluzente
Atada levas? Ou despois de presa
Lhe mudaste a ventura, menos pesa?

Y

LXXXI

Nesta esperança só te vou seguindo;
Que ou tu não soffreras o peso della,
Ou na virtude de teu gesto lindo
Lhe mudarás a triste e dura estrella:
E se se lhe mudar, não vás fugindo,
Que amor te ferirá, gentil donzella,
E tu me esperarás, se amor te fere;
E se me esperas, não ha mais que espere.

LXXXII

Já não fugia a bella nympha, tanto
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As nomoradas magoas que dizia.
Volvendo o rosto já sereno e sauto,
Toda banhada em riso, e alegria,
Cahir se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

LXXXIII

Oh que famintos beijos na floresta!
E que mimoso choro que soava!
Que affagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!

O que mais passam na manhãa, e na sesta,
Que Venus com prazeres inflammava,
Melhor he exprimenta-lo que julga-lo,
Mas julgue-o quem não pode exprimenta-lo.

EXXXIV

Desta arte em fim conformes já as formosas
Nymphas co'os seus amados navegantes,
Os ornam de capellas deleitosas,

De louro,

de ouro e flores abundantes;
As mãos alvas the davam como esposas;
Com palavras formaes, e estipulantes
Se promettem eterna companhia
Em vida e morte, de honra e alegria.

EXXXV

Huma dellas maior, a quem se humilha
Todo o coro das nymphas, e obedece,
Que dizem ser de Calo e Vesta filha,
O que no gesto bello se parece,
Enchendo a terra, e o mar de maravilha,
O Capitão illustre, que o merece.
Recebe alli com pompa honesta e regia,
Mostrande-se senhora grande e egregia.

LXXXVI

Que despois de lhe ter dito quem era.
Chum alto exordio de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que alli viera
Por aita influição de immobil fado;
l'ara lhe descobrir da unida esphera,
ba terra immensa, e mar não navegado
Os segredos, por alta prophecia,
O que esta sua nação só increcia.

LXXXVII

Tomando-o pela mão o leva, e guia
Para o cume de um monte alto e divino,
No qual bun rica fabrica se erguia
De crystal toda, e de ouro puro, e fino.
A maior parte aqui passam do dia
Em doces jogos, e em prazer contino:
Ella nos paços logra seus amores,

As outras pelas sombras entre as flores.

LXXXVIII

Assi a formosa, e a forte companhia,
O dia quasi todo estão passando,
N'huma alma, doce, incognita alegria,
Os trabalhos tão longos compensando;
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O premio lá no tim bem merecido,
Com fama grande, e nome alto e subido;

LXXXIX

Que as nymphas do occeano tão formosas,
Tethys, e a Ilha angelica pintada,
Outra cousa não he, que as deleitosas
Honras, que a vida fazem sublimada:
Aquellas preeminencias gloriosas,

Os triumphos, a fronte coroada

De palma, e louro, a gloria, e maravilha, Estes são os deleites desta Ilha.

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