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III

Cessem do sabio Grego, e do Troiano,
As navegações grandes que fizeram;
Calle-se de Alexandre, e de Trajano,
A fama das victorias que tiveram:
Que eu canto peito illustre Lusitano,
A quem Neptuno, e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antigua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

IV

E vós, Tagides miobas, pois creado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente:
Dai-me agora um som alto, e sublimado,
Hum estylo grandiloquo, e corrente;
Porque de vossas aguas Phebo ordene
Que não tenham inveja ás de Hippocrene.

V

Dai me huma furia grande, e sonorosa,
E não de agreste avena, ou frauta ruda:
Mas de tuba canera, e bellicosa.

Que o peito accende, e a côr ao gesto muda
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda ;
Que se espalhe, e se cante no universo,
Se tas sublime preço cabe em verso.

VI

E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antigua liberdade,
E não menos certissima esperança
De augmento da pequena Christandade:
Vós, ó novo temor da Moura lança,
Maravilha falal da nossa idade,

Dada ao mundo por Deos, que todo o mande,
Para do mundo a Deos dar parte grande:

VII

Vós, tenro e novo ramo florecente
De huma arvore de Christo mais amada.
Que nenhuma nascida no Occidente,
Cesarea, ou Christianissima chamada:
Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a victoria já passada,
Na qual vos deo por armas, deixou
As que elle para si na Cruz tomou:

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Vós, poderoso Rei, cujo alto imperio
O sol logo em nascendo vê primeiro,
Vê o tambem no meio do hemispherio,
E quando desce o deixa derradeiro:
Vós, que esperamos jugo, e vituperio
Do torpe Ismacilda cavalleiro,
Do Turco oriental, e do Gentio
Que ainda bebe o licor do sancto rio:

IX

Inclinai por hum pouco a magestade
Que nesse tenro gesto vos contemple,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno Templo,
Os olhos da Real benignidade

Ponde no chão; vereis hum novo exemplo
De amor dos patrios feitos valerosos,
Em versos divulgado numerosos.

X

Vereis amor da patria, não movido
De premio vil; mas alto, e quasi eterno;
Que não he premio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi vereis o nome engrandecido
Daquelles de quem sois senhor superno:
E julgareis qual he mais excellente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

XI

Ouvi: que não vereis com vãas façanhas,
Phantasticas, fingidas, mentirosas,
Louvar os vossos, como nas estranhas
Musas, de engrandecer-se desejosas:
As verdadeiras vossas são tamanhas,
Que excedem as sonhadas, fabulosas;
Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro,
E Orlando, indaque fora verdadeiro.

XII

Por estes vos darei hum Nuno fero
Que fez ao Rei, e ao reino tal serviço:
Hum Egas, e hum Dom Fuas, que de llomero
A cithara para elles só cobiço.

Pois pelos doze Pares dar vos quero
Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço:
Dou-vos tambem aquelle illustre Gama,
Que para si de Eneas toma a fama.

XIII

Pois se a troco de Carlos Rei de França,
Ou de Cesar quereis igual memoria.
Vede o primeiro Affonso, cuja lança
Escura faz qualquer estranha gloria:
E aquelle, que a seu reino a segurança
Deixou co'a grande, e prospera victoria:
Outro Joanne invicto cavalleiro,

O quatro e quinto Affonso, e o terceiro.

XIV

Nem deixarão meus versos esquecidos
Aquelles que nos reinos lá da Autora
Se fizeram por armas tão subidos,
Vossa baudeira sempre vencedora:
Hum Pacheco fortissimo, e os temidos
Almeidas, por quem sempre o Tejo chora:
Albuquerque terribil, Castro forte,

E outros em quem poder não teve a morte.

XV

E em quanto eu estes canto, e a vós não posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto,
Tomai as redeas vós do reino vosso,
Dareis materia a nunca ouvido canto,
Comecem a sentir o peso grosso
(Que pelo mundo todo faça espanto)
De exercitos, e feitos singulares,

De Africa as terras e do Oriente os mares
XVI

Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vé seu exicio affigurado:
Só com vos ver o barbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo inclinado;
Tethys todo o ceruleo senhorio
Tem para vós por dole apparelhade;
Que affeiçoada ao gesto bello, e tenro,
Deseja de comprar-vos para gepro.

XVII

Em vós se vem da Olympica morada
Dos dous Avós as almas cá famosas;
Huma na paz angelica dourada.
Outra pelas batalhas sanguinosas:
Em vós esperam vêr-se renovada
Sua memória, e obras valerosas;
E lá vos tem lugar no fim da idade,
No templo da suprema eternidade,

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