Nos de sua companhia se mostrava, Da tinta que dá o murice excellente, A varia cor, que os olhos alegrava, E a maneira de trajo differente. Tal o formoso esmalte se notava Dos vestidos olhados juntamente, Qual apparece o arco rutilante Da bella Dympha, filha de Thaumante.
Sonorosas trombetas incitavam
Os animos alegres resonando
Dos Mousos os bateis mar coalhavam, Os toldos pelas aguas arrojando As bombardas horrisonas bramavam, Com as nuvens de fumo,o Sol tomando; Amiudam-se os brados accendidos, Tapam co'as mãos os Mouros os ouvidos.
Já no batel entrou do Capitão
O Rei, que nos seu braços o levava; Elle co'a cortezia, que a razão
(Por ser Rei) requeria, lhe fallava. C'humas mostras de espanto, o admiração, Mouro o gesto, e o modo lhe notava, Como quem em mui grande estima tinha Gente que de tão longe á India vinha.
E com grandes palavras lhe offerece Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse, E que se mantimento the fallece, Como se proprio fosse lho podisse: Diz-lhe mais, que por fama bem conhece A gente Lusitana, sem que a visse: Que já ouvio dizer, que n'outra terra Com gente de sua lei tivesse guerra.
E como por toda a Africa se soa, Lhe diz os grandes feitos que fizeram, Quando nella ganharam a coroa Do reino, onde as llesperidas viveram: E com muitas palavras apregoa O menos que os de Luso mereceram, E o mais que pela fama o Rei sabia: Mas desta sorte o Gama respondia.
O' tu que só tiveste piedade, Rei benigno da gente Lusitana, Que com tanta miseria, e adversidade, Dos mares experimenta a furia insana? Aquella alta, e divina Eternidade,
Que o ceo revolve, e rege a gente humana, Pois que de ti taes obras recebemos, Te pague o que nos outros não podemos.
Tu só de todos quantos queima Apollo Nos recebes em paz, do mar profundo; Em ti dos ventos horridos de Eola Refugio achamos bom, fido, e jucundo. Em quanto apascentar o largo polo
As estrellas, e o Sol der lume ao mundo, Onde quer que eu viver, com fama e gloria Viverao teus louvores em memoria..
Isto dizendo, os barcos vão remando Para a frota, que o Mouro ver deseja; Vão as naos huma a huma reodeando, Porque de todas tudo note, e veja. Mas para o ceo Vulcano fuzilando, A frota co'as bombardas o festeja, E as trombetas canoras lhe tangiam; Co'os anafis os Mouros respondiam.
Mas depois de ser tudo já notado Do generoso Mouro, que pasmava, Ouvindo o instrumento inusitado, Que tamanho terror em si mostrava; Mandava estar quieto, e ancorado N'agua o batel ligeiro que os levava, Por fallar de vagar co'o forte Gama, Nas cousas de que tem noticia, e fama.
Em praticas o Mouro differentes
Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas e excellentes, Co'o povo havidas, que a Maloma adora; Agora lhe pergunta pelas gentes De toda a Hesperia ultima, onde mora; Agora pelos povos seus visinhos, Agora pelos humildes caminhos.
Mas antes, valeroso Capitão, Nos conta, lhe dizia, diligente, Da terra tua o clima, e região Do Mundo onde morais, distinnotamente; E assi de vossa antiga geração, E o principe do reino tão potente, Co'os successos da guerras começo; Que sem sabe-las sei que são de preço:
E assi tambem nos conta dos rodeios Longos, em que te traz o mar irado, Vendo os costumes barbaros alheios, Que a nossa Africa ruda tem criado. Conta: que agora vem co'os aureos freios; Os cavallos, que o carro marchetado Do novo Sol, da fria Aurora trazem; O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.
E não menos co'o tempo se parece O desejo de ouvir-te o que contares; Que quem ha, que por fama não conhece As obras Portuguezas singulares? Não tanto desviado resplandece
De nós o claro Sul, para julgares Que os Melindanos tem tão rudo peito Que não estimem muito hum grande feito
Commetteram soberbos os Gigantes, Com guerra våa, o Olympo claro e puro: Tentou Pirithoo, e Thesco, de ignorantes, O reino de Plutão horrendo e escuro: Se houve feitos no mundo tão possantes, Não menos he trabalho illustre e duro, Quanto foi commetter inferno, e ren, Que outrem commetta a furia de Nereo.
Queimou o sagrado templo de Diana, Do subtil Ctesiphonio fabricado. Herostrato, por ser de gente humana Conhecido no mundo, e nomeado: Se tambem com taes obras nos engana O desejo de um nome avantajado, Mais razão ha que queria eterna gloria, Quem faz obras tão dignas de memoria
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