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XCIX

Nos de sua companhia se mostrava,
Da tinta que dá o murice excellente,
A varia cor, que os olhos alegrava,
E a maneira de trajo differente.
Tal o formoso esmalte se notava
Dos vestidos olhados juntamente,
Qual apparece o arco rutilante
Da bella Dympha, filha de Thaumante.

C

Sonorosas trombetas incitavam

Os animos alegres resonando

Dos Mousos os bateis mar coalhavam,
Os toldos pelas aguas arrojando
As bombardas horrisonas bramavam,
Com as nuvens de fumo,o Sol tomando;
Amiudam-se os brados accendidos,
Tapam co'as mãos os Mouros os ouvidos.

CI

Já no batel entrou do Capitão

O Rei, que nos seu braços o levava;
Elle co'a cortezia, que a razão

(Por ser Rei) requeria, lhe fallava.
C'humas mostras de espanto, o admiração,
Mouro o gesto, e o modo lhe notava,
Como quem em mui grande estima tinha
Gente que de tão longe á India vinha.

CII

E com grandes palavras lhe offerece
Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse,
E que se mantimento the fallece,
Como se proprio fosse lho podisse:
Diz-lhe mais, que por fama bem conhece
A gente Lusitana, sem que a visse:
Que já ouvio dizer, que n'outra terra
Com gente de sua lei tivesse guerra.

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E como por toda a Africa se soa,
Lhe diz os grandes feitos que fizeram,
Quando nella ganharam a coroa
Do reino, onde as llesperidas viveram:
E com muitas palavras apregoa
O menos que os de Luso mereceram,
E o mais que pela fama o Rei sabia:
Mas desta sorte o Gama respondia.

CIV

O' tu que só tiveste piedade,
Rei benigno da gente Lusitana,
Que com tanta miseria, e adversidade,
Dos mares experimenta a furia insana?
Aquella alta, e divina Eternidade,

Que o ceo revolve, e rege a gente humana,
Pois que de ti taes obras recebemos,
Te pague o que nos outros não podemos.

CV

Tu só de todos quantos queima Apollo
Nos recebes em paz, do mar profundo;
Em ti dos ventos horridos de Eola
Refugio achamos bom, fido, e jucundo.
Em quanto apascentar o largo polo

As estrellas, e o Sol der lume ao mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e gloria
Viverao teus louvores em memoria..

CVI

Isto dizendo, os barcos vão remando
Para a frota, que o Mouro ver deseja;
Vão as naos huma a huma reodeando,
Porque de todas tudo note, e veja.
Mas para o ceo Vulcano fuzilando,
A frota co'as bombardas o festeja,
E as trombetas canoras lhe tangiam;
Co'os anafis os Mouros respondiam.

CVII

Mas depois de ser tudo já notado
Do generoso Mouro, que pasmava,
Ouvindo o instrumento inusitado,
Que tamanho terror em si mostrava;
Mandava estar quieto, e ancorado
N'agua o batel ligeiro que os levava,
Por fallar de vagar co'o forte Gama,
Nas cousas de que tem noticia, e fama.

CVIII

Em praticas o Mouro differentes

Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas e excellentes,
Co'o povo havidas, que a Maloma adora;
Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hesperia ultima, onde mora;
Agora pelos povos seus visinhos,
Agora pelos humildes caminhos.

CIX

Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente,
Da terra tua o clima, e região
Do Mundo onde morais, distinnotamente;
E assi de vossa antiga geração,
E o principe do reino tão potente,
Co'os successos da guerras começo;
Que sem sabe-las sei que são de preço:

CX

E assi tambem nos conta dos rodeios
Longos, em que te traz o mar irado,
Vendo os costumes barbaros alheios,
Que a nossa Africa ruda tem criado.
Conta: que agora vem co'os aureos freios;
Os cavallos, que o carro marchetado
Do novo Sol, da fria Aurora trazem;
O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.

CXI

E não menos co'o tempo se parece
O desejo de ouvir-te o que contares;
Que quem ha, que por fama não conhece
As obras Portuguezas singulares?
Não tanto desviado resplandece

De nós o claro Sul, para julgares
Que os Melindanos tem tão rudo peito
Que não estimem muito hum grande feito

CXII

Commetteram soberbos os Gigantes,
Com guerra våa, o Olympo claro e puro:
Tentou Pirithoo, e Thesco, de ignorantes,
O reino de Plutão horrendo e escuro:
Se houve feitos no mundo tão possantes,
Não menos he trabalho illustre e duro,
Quanto foi commetter inferno, e ren,
Que outrem commetta a furia de Nereo.

CXIII

Queimou o sagrado templo de Diana,
Do subtil Ctesiphonio fabricado.
Herostrato, por ser de gente humana
Conhecido no mundo, e nomeado:
Se tambem com taes obras nos engana
O desejo de um nome avantajado,
Mais razão ha que queria eterna gloria,
Quem faz obras tão dignas de memoria

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