DO CANTO TERCEIRO
Pratica de Vasco da Gama com el-Rei do Melinde, em que lhe faz a descripção da Europa dá-lhe conta dos principios do Reino de Portugal, de seus Reis, (até El-Rei D. Fernando) e das suas acções principaes: feito notavel de Egas Moniz: vem a Portugal a Rainha de Castella D. Maria, a pedir soccorro para a batalha do Salado: amores, e caso desastrado de D. Ignez de Castro: alguns successos d'El Rei D. Fernando.
OUTRO ARGUMENTO
A populosa Europa se descreve; De Egas Moniz e feito sublimado; Lusitania, que Reis, que guerras leve; Christo a Affonso se expõem crucificado: De Dona Ignez de Castro a pura neve Em purpura converte o povo irado: Mostra-se o vil descuido de Fernando, E o grão poder de hum gesto suave, e brando.
Agora tu, Calliope, me ensina O que contou ao Rei o illustre Gama: Inspira mortal canto, e voz divina Neste peito mortal, que tanto te ama. Assi o claro inventou da Medicina, De quem Orpheo pariste, ó linda dama, Nunca por Daphne. Clicie, ou Leucothoe, Te negue o amor divido, como soe.
II
Poem tu, Nympha, em effeito men desejo, Como merece a gente Lusitana; Que veja e saiba o mundo que do Tejo 10 licor de Aganippe corre, e mana. Deixa as flores de Pindo, que já vejo Banhar-me Apollo na agoa soberana; Senão direi, que tens algum receio, Que se escureça o teu querido Orpheio.
III
Promptos estavam todos escuitando O que o sublime Gama contaria; Quando, despois dehum pouco estar cuidando, Alevantado o rosto, assi dizia:
Mandas-me, ó Rei, que conte declando De minha gente a grão genealogia: Não me mandas contar estranha historia; Mas maudas-me louvar dos meus a gloria.
IV
Que outrem possa louvar esforço alheio, Cousa he que se costuma, e se deseja: Mas louvar os meus proprios, arreceio Que louvor tão suspeito inal me esteja; E para dizer tudo, temo e creio, Que qualquer longo tempo curto seja: Mas pois o mandas, tudo se te deve; Irei contra o que devo, e serei breve.
V
Além disso, o que a tudo em fim me obriga, Ile não poder mentir no que disser, Porque de feito3 taes, por mais que diga, Mais me ha de ficar ainda por dizer: Mas porque nisto a ordem leve, e siga, Segundo o que desejas de saber, Primeiro tratarei da larga terra, Despois direi da sanguinosa guerra.
VI
Entre a zona que o Cancro senhorea, Meta Septentrional do Sol luzente, E aquella, que por fria se arrecea Tanto como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodea, Pela parte do Arcturo, e do Occidente, Com suas salsas ondas o Oceano, E pela Austral o mar Mediterrano.
VII
Da parte donde o dia vem nascendo, Com Asia se avisinha: mas o rio Que dos montes Rhipheios vai correndo, Na alagoa Meotis, curvo e frio,
As divide. e o mar, que fero e horrendo Vio dos Gregos o irado senhorio, Onde agora de Troia triumphante Não vê mais que a memoria o navegante.i
VIII
Lá onde mais debaixo está do polo, Os montes Hyperhoreos apparecem, E aquelles onde sen pre sopra Eolo, E co'o nome dos-sopres se ennobrecem. Aqui tão pouca força tem de Apollo. Os raios que no mundo resplandecom, Que a neve está contino pelos nobles. Gelado o mar, geladas sempre as fontes.
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