« Tirar Inez ao mundo determina, Por lhe tirar o filho, que tem preso; Crendo co'o sangue so da morte indina, Matar do firme amor o fogo acceso. Que furor consentiu que a espada fina, (Que poude sustentar o grande peso Do furor mauro) fosse alevantada Contra uma fraca dama delicada?
« Trazian-a os horríficos algozes Ante o rei, ja movido a piedade; Mas o povo com falsas e ferozes Razões, á morte crua o persuade. Ella com tristes e piedosas vozes, Saídas so da mágoa, e saudade Do seu principe, e filhos, que deixava,
Que mais, que a propria morte, a magoava:
« Pera o ceo crystallino alevantando Com lagrymas os olhos piedosos;
Os olhos; porque as mãos lhe estava atando Um dos duros ministros rigorosos:
E despois nos meninos attentando, Que tam queridos tinha, e tam mimosos, Cuja orfandade, como mãe, temia,
Pera o avô cruel assi dizia :
<«< Se ja nas brutas feras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento; E nas aves agrestes, que somente Nas rapinas aérias teem o intento; Com pequenas crianças viu a gente Terem tam piedoso sentimento, Como co' a mãe de Nino ja mostraram, E co' os irmãos, que Roma edificaram :
«O' tu, que tens de humano o gesto, e o peito, (Se de humano é matar uma donzella Fraca e sem força, so por ter sujeito O coração, a quem soube vencella) A estas criancinhas tem respeito; Pois o não tens á morte escura d'ella : Mova-te a piedade sua, e minha ; Pois te não move a culpa, que não tinha.
CXXVIII.
«E se, vencendo a maura resistencia, A morte sabes dar com fogo, e ferro; Sabe tambem dar vida com clemencia
quem, pera perdel-a, não fez erro. Mas se t'o assi merece esta innocencia, Põe-me em perpétuo e misero desterro, Na Scythia fria, ou la na Libya ardente, Onde em lagrymas viva eternamente.
« Põe-me, onde se use toda a feridade, Entre leões, e tigres, e verei, Se n' elles achar posso a piedade, Que entre peitos humanos não achei : Alli co' o amor intrínseco, e vontade N'aquelle, por quem mouro, criarei Estas reliquias suas, que aqui viste; Que refrigerio sejam da mãe triste. »
« Queria perdoar-lhe o rei benino, Movido das palavras, que o magoam; Mas o pertinaz povo, e seu destino, (Que d'esta sorte o quiz) lhe não perdoam. Arrancam das espadas de aço fino
Os que, por bom, tal feito alli pregoam: Contra uma dama, o' peitos carniceiros, Feros vos amostrais, e cavalleiros?
Qual contra a linda môça Polyxena, Consolação extrema da mãe velha; Porque a sombra de Achilles a condena, Co' o ferro o duro Pyrrho se apparelha : Mas ella os olhos, com que o ar serena, (Bem como paciente e mansa ovelha) Na mísera mãe postos, que endoudece, Ao duro sacrificio se offerece:
CXXXII.
« Taes contra Inez os brutos matadores, No collo de alabastro, que sustinha As obras, com que Amor matou de amores Aquelle, que despois a fez rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores, Que ella dos olhos seus regadas tinha, Se encarniçavam férvidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos.
CXXXIII.
Bem poderas, o' sol, da vista d'estes Teus raios apartar aquelle dia, Como da séva mesa de Thyestes, Quando os filhos per mão de Atreu comia! Vós, o' concavos valles, que podestes
A voz extrema ouvir da bocca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes, Per. muito grande espaço repetistes!
« Assi como a bonina, que cortada Antes do tempo foi, candida e bella Sendo das mãos lascivas maltractada Da menina, que a trouxe na capella, O cheiro traz perdido, e a côr murchada: Tal está morta a pallida donzella, Seccas do rosto as rosas, e perdida A branca e viva côr, co' a doce vida.
« As filhas do Mondego a morte escura, Longo tempo chorando, memoraram ; E, por memoria eterna, em fonte pura As lagrymas choradas transformaram : O nome lhe pozeram, que inda dura, Dos amores de Inez, que alli passaram. Vêde que fresca fonte rega as flores, Que lagrymas são a agua, e o nome amores.
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« Não correu muito tempo, que a vingança
Não visse Pedro das mortaes feridas;
Que, em tomando do reino a governança, A tomou dos fugidos homicidas : De outro Pedro cruíssimo os alcança; Que ambos imigos das humanas vidas, O concerto fizeram duro e injusto, Que com Lépido, e Antonio fez Augusto.
«Este, castigador foi rigoroso
De latrocinios, mortes, e adulterios : Fazer nos maus cruezas, fero e iroso Eram os seus mais certos refrigerios. As cidades guardando justiçoso De todos os suberbos vituperios, Mais ladrões, castigando, á morte deu, Que o vagabundo Alcides, ou Theseu.
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