Do justo e duro Pedro nasce o brando, (Vêde da natureza o desconcerto!) Remisso, e sem cuidado algum, Fernando, Que todo o reino poz em muito aperto : Que, vindo o Castelhano devastando As terras sem defesa, esteve perto De destruir-se o reino totalmente; Que um fraco rei faz fraca a forte gente.
«Ou foi castigo claro do peccado De tirar Lianor a seu marido, E casar-se com ella, de enlevado N' um falso parecer mal intendido: Ou foi, que o coração sujeito, e dado Ao vicio vil, de quem se viu rendido, Molle se fez, e fraco; e bem parece; Que um baixo amor os fortes enfraquece.
Do peccado tiveram sempre a pena Muitos, que Deus o quiz, e permittiu; Os que foram roubar a bella Helena; E com A'pio tambem Tarquino o viu : Pois por quem David sancto se condena? Ou quem o tribu illustre destruiu
De Benjamin? Bem claro nol-o ensina Por Sara Pharaó, Sichem por Dina.
E pois, se os peitos fortes enfraquece Um inconcesso amor desatinado; Bem no filho de Alcmena se parece, Quando cm Omphale andava transformado. De Marco Antonio a fama se escurece, Com ser tanto a Cleopátra affeiçoado. Tu tambem Peno próspero o sentiste, Despois que a môça vil na Apulia viste.
<< Mas quem pode livrar-se per ventura Dos laços, que Amor arma brandamente Entre as rosas, e a neve humana pura, O ouro, e o alabastro transparente? Quem de uma peregrina fermosura, De um vulto de Medusa propriamente, Que o coração converte, que tem preso, Em pedra não; mas em desejo acceso?
«Quem viu um olhar seguro, um gesto brando, Uma suave e angélica excellencia,
Que em si stá sempre as almas transformando, Que tivesse contra ella resistencia?
Desculpado por certo está Fernando, Pera quem tem de amor experiencia : Mas antes, tendo livre a phantesia, Por muito mais culpado o julgaria.
Despois de procellosa tempestade, Nocturna sombra, e sibilante vento, Traz a manhã serena claridade, Esperança de porto e salvamento: Aparta o sol a negra escuridade, Removendo o temor do pensamento: Assi no reino forte aconteceu, Despois que o rei Fernando falleceu.
« Porque, se muito os nossos desejaram Quem os damnos, e offensas va vingando N'aquelles, que tam bem se aproveitaram Do descuido remisso de Fernando; Despois de pouco tempo o alcançaram, Joanne sempre illustre alevantando Por rei, como de Pedro unico herdeiro, (Aindaque bastardo) verdadeiro.
« Ser isto ordenação dos ceos divina,
Per signaes muito claros se mostrou, Quando em Evora a voz de uma menina, Ante tempo fallando, o nomeou:
E como cousa emfim que o ceo destina, No berço o corpo, e a voz alevantou:
Portugal, Portugal (alçando a mão, Disse) pelo rei novo Dom João. »
Alteradas então do reino as gentes, Co'o odio, que occupado os peitos tinha, Absolutas cruezas e evidentes
Faz do povo o furor, per onde vinha : Matando vão amigos, e parentes Do adúltero conde, e da rainha, Com quem sua incontinencia deshonesta Mais, despois de viuva, manifesta.
«Mas elle emfim, com causa deshonrado, Diante d'ella, a ferro frio morre, De outros muitos na morte acompanhado; Que tudo o fogo erguido queima, e corre: Quem, como Astyanax, precipitado, (Sem lhe valerem ordens) de alta torre, A quem ordens, nem aras, dão respeito; Quem nu per ruas, e em pedaços feito.
Podem-se pôr em longo esquecimento As cruezas mortaes, que Roma viu, Feitas do feroz Mário, e do cruento Sylla, quando o contrario lhe fugiu. Por isso Lianor, que o sentimento Do morto conde ao mundo descobriu, Faz contra Lusitania vir Castella, Dizendo
ser sua filha herdeira d'ella.
« Beatriz era a filha, que casada Co' o Castelhano está, que o reino pede, Por filha de Fernando reputada, Se a corrompida fama lh'o concede. Com esta voz, Castella alevantada, Dizendo « que esta filha ao pae succede, » Suas forças ajuncta pera as guerras, De varias regiões, e varias terras.
« Véem de toda a provincia, que de um Brigo, (Se foi) ja teve o nome derivado;
Das terras, que Fernando, e que Rodrigo, Ganharam do tyranno e mauro estado. Não estimam das armas o perigo Os que cortando vão co' o duro arado Os campos leonezes, cuja gente Co' os Mouros foi nas armas excellente.
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