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CXXXVIII.

Do justo e duro Pedro nasce o brando, (Vêde da natureza o desconcerto!) Remisso, e sem cuidado algum, Fernando, Que todo o reino poz em muito aperto : Que, vindo o Castelhano devastando As terras sem defesa, esteve perto De destruir-se o reino totalmente; Que um fraco rei faz fraca a forte gente.

CXXXIX.

«Ou foi castigo claro do peccado
De tirar Lianor a seu marido,
E casar-se com ella, de enlevado
N' um falso parecer mal intendido:
Ou foi, que o coração sujeito, e dado
Ao vicio vil, de quem se viu rendido,
Molle se fez, e fraco; e bem parece;
Que um baixo amor os fortes enfraquece.

CXL.

Do peccado tiveram sempre a pena
Muitos, que Deus o quiz, e permittiu;
Os que foram roubar a bella Helena;
E com A'pio tambem Tarquino o viu :
Pois por quem David sancto se condena?
Ou quem o tribu illustre destruiu

De Benjamin? Bem claro nol-o ensina
Por Sara Pharaó, Sichem
por Dina.

«

CXLI.

E pois, se os peitos fortes enfraquece
Um inconcesso amor desatinado;
Bem no filho de Alcmena se parece,
Quando cm Omphale andava transformado.
De Marco Antonio a fama se escurece,
Com ser tanto a Cleopátra affeiçoado.
Tu tambem Peno próspero o sentiste,
Despois que a môça vil na Apulia viste.

CXLII.

<< Mas quem pode livrar-se per ventura
Dos laços, que Amor arma brandamente
Entre as rosas, e a neve humana pura,
O ouro, e o alabastro transparente?
Quem de uma peregrina fermosura,
De um vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte, que tem preso,
Em pedra não; mas em desejo acceso?

CXLIII.

«Quem viu um olhar seguro, um gesto brando, Uma suave e angélica excellencia,

Que em si stá sempre as almas transformando,
Que tivesse contra ella resistencia?

Desculpado por certo está Fernando,
Pera quem tem de amor experiencia :
Mas antes, tendo livre a phantesia,
Por muito mais culpado o julgaria.

OS LUSIADAS.

CANTO QUARTO.

I.

Despois de procellosa tempestade, Nocturna sombra, e sibilante vento, Traz a manhã serena claridade, Esperança de porto e salvamento: Aparta o sol a negra escuridade, Removendo o temor do pensamento: Assi no reino forte aconteceu, Despois que o rei Fernando falleceu.

II.

« Porque, se muito os nossos desejaram
Quem os damnos, e offensas va vingando
N'aquelles, que tam bem se aproveitaram
Do descuido remisso de Fernando;
Despois de pouco tempo o alcançaram,
Joanne sempre illustre alevantando
Por rei, como de Pedro unico herdeiro,
(Aindaque bastardo) verdadeiro.

III.

« Ser isto ordenação dos ceos divina,

"

Per signaes muito claros se mostrou,
Quando em Evora a voz de uma menina,
Ante tempo fallando, o nomeou:

E como cousa emfim que o ceo destina,
No berço o corpo, e a voz alevantou:

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Portugal, Portugal (alçando a mão, Disse) pelo rei novo Dom João. »

IV.

Alteradas então do reino as gentes,
Co'o odio, que occupado os peitos tinha,
Absolutas cruezas e evidentes

Faz do povo o furor, per onde vinha :
Matando vão amigos, e parentes
Do adúltero conde, e da rainha,
Com quem sua incontinencia deshonesta
Mais, despois de viuva, manifesta.

V.

«Mas elle emfim, com causa deshonrado,
Diante d'ella, a ferro frio morre,
De outros muitos na morte acompanhado;
Que tudo o fogo erguido queima, e corre:
Quem, como Astyanax, precipitado,
(Sem lhe valerem ordens) de alta torre,
A quem ordens, nem aras, dão respeito;
Quem nu per ruas, e em pedaços feito.

VI.

Podem-se pôr em longo esquecimento
As cruezas mortaes, que Roma viu,
Feitas do feroz Mário, e do cruento
Sylla, quando o contrario lhe fugiu.
Por isso Lianor, que o sentimento
Do morto conde ao mundo descobriu,
Faz contra Lusitania vir Castella,
Dizendo

ser sua filha herdeira d'ella.

VII.

« Beatriz era a filha, que casada
Co' o Castelhano está, que o reino pede,
Por filha de Fernando reputada,
Se a corrompida fama lh'o concede.
Com esta voz, Castella alevantada,
Dizendo « que esta filha ao pae succede, »
Suas forças ajuncta pera as guerras,
De varias regiões, e varias terras.

VIII.

« Véem de toda a provincia, que de um Brigo, (Se foi) ja teve o nome derivado;

Das terras, que Fernando, e que Rodrigo,
Ganharam do tyranno e mauro estado.
Não estimam das armas o perigo
Os que cortando vão co' o duro arado
Os campos leonezes, cuja gente
Co' os Mouros foi nas armas excellente.

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