« Os Vandalos, na antigua valentia Ainda confiados, se ajunctavam Da cabeça de toda Andaluzia, Que do Guadalquibir as aguas lavam. A nobre ilha tambem se apercebia, Que antiguamente os Tyrios habitavam, Trazendo per insignias verdadeiras, As hercúleas columnas nas bandeiras.
• Tambem véem la do reino de Toledo, Cidade nobre e antigua, a quem cercando O Tejo emtôrno vai suave e ledo,
Que das serras de Conca vem manando. A vós outros tambem não tolhe o medo, O' sordidos Gallegos, duro bando, Que, pera resistirdes, vos armastes, A'quelles cujos golpes ja provastes.
« Tambem movem da guerra as negras furias A gente biscaínha, que carece
De polidas razões, e que as injurias Muito mal dos estranhos compadece. A terra de Guipúscua, e das Asturias, Que com minas de ferro se ennobrece, Armou d' elle os suberbos matadores, Pera ajudar na guerra a seus senhores.
« Joanne, a quem do peito o esforço crece, Como a Samsão hebrêu da guedelha, Postoque tudo pouco lhe parece,
Co' os poucos de seu reino se apparelha : E não porque conselho lhe fallece, Co'os principaes senhores se aconselha, Mas so por ver das gentes as sentenças; Que sempre houve, entre muitos, differenças.
« Não falta com razões quem desconcerte Da opinião de todos na vontade,
Em quem o esforço antiguo se converte Em desusada e má deslealdade; Podendo o temor mais, gelado, inerte, Que a propria e natural fidelidade: Negam o rei, e a patria; e, se convem, Negarão (como Pedro) o Deus, que tem.
«Mas nunca foi, que este erro se sentisse No forte Dom Nun' Alvares; mas antes, (Postoque em seus irmãos tam claro o visse) Reprovando as vontades inconstantes, A'quellas duvidosas gentes disse
Com palavras mais duras, que elegantes (A mão na espada, irado, e não facundo, Ameaçando a terra, o mar, e o mundo):
« Como? Da gente illustre portugueza, Ha de haver quem refuse o patrio marte? Como? D' esta provincia, que princeza Foi das gentes na guerra em toda parte, Ha de sair quem negue ter defeza? Quem negue a fe, o amor, o esforço e arte De Portuguez? e por nenhum respeito O proprio reino queira ver sujeito?
« Como? Não sois vós inda os descendentes D'aquelles, que debaixo da bandeira Do grande Henriques, feros e valentes, Vencestes esta gente tam guerreira? Quando tantas bandeiras, tantas gentes, Pozeram em fugida, de maneira
Que sete illustres condes lhe trouxeram Presos, afora a presa, que tiveram?
. Com quem foram contino sopeados Estes, de quem o estais agora vôs, Per Diniz, e seu filho, sublimados, Senão co' os vossos fortes paes, e avôs? Pois se com seus descuidos, ou peccados, Fernando em tal fraqueza assi vos pôs, Torne vos vossas forças o rei novo;
Se é certo, que co' o rei, se muda o povo.
Rei tendes tal, que se o valor tiverdes Igual ao rei, que agora alevantastes, Desbaratareis tudo o que quizerdes, Quanto mais a quem ja desbaratastes : E se com isto emfim vos não moverdes Do penetrante mêdo, que tomastes, Atai as mãos a vosso vão receio, Que eu so resistirei ao jugo alheio.
«Eu so com meus vassallos, e com esta, (E dizendo isto, arranca meia espada) Defenderei da força dura e infesta, A terra nunca de outrem sujugada : Em virtude do rei, da patria mesta, Da lealdade ja per vós negada, Vencerei, não so estes aversarios, Mas quantos a meu rei forem contrarios.
« Bem como entre os mancebos recolhidos Em Canúsio, reliquias sos de Canas, Ja pera se entregar, quasi movidos A' fortuna das gentes africanas; Cornelio moço os faz, que compellidos Da sua espada, jurem, que as romanas Armas não deixarão, em quanto a vida Os não deixar, ou n'ellas for perdida :
« D'est' arte a gente fórça e esforça Nuno, Que com lhe ouvir as ultimas razões, Removem o temor frio, importuno, Que gelados lhe tinha os corações : Nos animaes cavalgam de Neptuno, Brandindo, e volteando arremeções; Vão correndo, e gritando, á bocca aberta : « Viva o famoso rei, que nos liberta. »
«Das gentes populares, uns approvam A guerra com que a patria se sustinha: Uns as armas alimpam, e renovam, Que a ferrugem da paz gastadas tinha : Capacetes estofam, peitos provam; Arma-se cadaum como convinha; Outros fazem vestidos de mil cores, Com lettras, e tenções de seus amores.
« Com toda esta lustrosa companhia Joanne forte sai da fresca Abrantes; Abrantes, que tambem da fonte fria Do Tejo logra as aguas abundantes. Os primeiros armigeros regia
Quem pera reger era os mui possantes Orientaes exercitos sem conto,
Com que passava Xerxes o Hellesponto.
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