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IX.

« Os Vandalos, na antigua valentia
Ainda confiados, se ajunctavam
Da cabeça de toda Andaluzia,
Que do Guadalquibir as aguas lavam.
A nobre ilha tambem se apercebia,
Que antiguamente os Tyrios habitavam,
Trazendo per insignias verdadeiras,
As hercúleas columnas nas bandeiras.

X.

• Tambem véem la do reino de Toledo,
Cidade nobre e antigua, a quem cercando
O Tejo emtôrno vai suave e ledo,

Que das serras de Conca vem manando.
A vós outros tambem não tolhe o medo,
O' sordidos Gallegos, duro bando,
Que, pera resistirdes, vos armastes,
A'quelles cujos golpes ja provastes.

XI.

« Tambem movem da guerra as negras furias A gente biscaínha, que carece

De polidas razões, e que as injurias
Muito mal dos estranhos compadece.
A terra de Guipúscua, e das Asturias,
Que com minas de ferro se ennobrece,
Armou d' elle os suberbos matadores,
Pera ajudar na guerra a seus senhores.

XII.

« Joanne, a quem do peito o esforço crece, Como a Samsão hebrêu da guedelha, Postoque tudo pouco lhe parece,

Co' os poucos de seu reino se apparelha :
E não porque conselho lhe fallece,
Co'os principaes senhores se aconselha,
Mas so por ver das gentes as sentenças;
Que sempre houve, entre muitos, differenças.

XIII.

« Não falta com razões quem desconcerte
Da opinião de todos na vontade,

Em quem o esforço antiguo se converte
Em desusada e má deslealdade;
Podendo o temor mais, gelado, inerte,
Que a propria e natural fidelidade:
Negam o rei, e a patria; e, se convem,
Negarão (como Pedro) o Deus, que tem.

XIV.

«Mas nunca foi, que este erro se sentisse
No forte Dom Nun' Alvares; mas antes,
(Postoque em seus irmãos tam claro o visse)
Reprovando as vontades inconstantes,
A'quellas duvidosas gentes disse

Com palavras mais duras, que elegantes
(A mão na espada, irado, e não facundo,
Ameaçando a terra, o mar, e o mundo):

XV.

« Como? Da gente illustre portugueza,
Ha de haver quem refuse o patrio marte?
Como? D' esta provincia, que princeza
Foi das gentes na guerra em toda parte,
Ha de sair quem negue ter defeza?
Quem negue a fe, o amor, o esforço e arte
De Portuguez? e por nenhum respeito
O proprio reino queira ver sujeito?

XVI.

« Como? Não sois vós inda os descendentes
D'aquelles, que debaixo da bandeira
Do grande Henriques, feros e valentes,
Vencestes esta gente tam guerreira?
Quando tantas bandeiras, tantas gentes,
Pozeram em fugida, de maneira

Que sete illustres condes lhe trouxeram
Presos, afora a presa, que tiveram?

XVII.

. Com quem foram contino sopeados
Estes, de quem o estais agora vôs,
Per Diniz, e seu filho, sublimados,
Senão co' os vossos fortes paes, e avôs?
Pois se com seus descuidos, ou peccados,
Fernando em tal fraqueza assi vos pôs,
Torne vos vossas forças o rei novo;

Se é certo, que co' o rei, se muda o povo.

α

XVIII.

Rei tendes tal, que se o valor tiverdes
Igual ao rei, que agora alevantastes,
Desbaratareis tudo o que quizerdes,
Quanto mais a quem ja desbaratastes :
E se com isto emfim vos não moverdes
Do penetrante mêdo, que tomastes,
Atai as mãos a vosso vão receio,
Que eu so resistirei ao jugo alheio.

XIX.

«Eu so com meus vassallos, e com esta,
(E dizendo isto, arranca meia espada)
Defenderei da força dura e infesta,
A terra nunca de outrem sujugada :
Em virtude do rei, da patria mesta,
Da lealdade ja per vós negada,
Vencerei, não so estes aversarios,
Mas quantos a meu rei forem contrarios.

XX.

« Bem como entre os mancebos recolhidos
Em Canúsio, reliquias sos de Canas,
Ja pera se entregar, quasi movidos
A' fortuna das gentes africanas;
Cornelio moço os faz, que compellidos
Da sua espada, jurem, que as romanas
Armas não deixarão, em quanto a vida
Os não deixar, ou n'ellas for perdida :

XXI.

« D'est' arte a gente fórça e esforça Nuno,
Que com lhe ouvir as ultimas razões,
Removem o temor frio, importuno,
Que gelados lhe tinha os corações :
Nos animaes cavalgam de Neptuno,
Brandindo, e volteando arremeções;
Vão correndo, e gritando, á bocca aberta :
« Viva o famoso rei, que nos liberta. »

XXII

«Das gentes populares, uns approvam
A guerra com que a patria se sustinha:
Uns as armas alimpam, e renovam,
Que a ferrugem da paz gastadas tinha :
Capacetes estofam, peitos provam;
Arma-se cadaum como convinha;
Outros fazem vestidos de mil cores,
Com lettras, e tenções de seus amores.

XXIII.

« Com toda esta lustrosa companhia
Joanne forte sai da fresca Abrantes;
Abrantes, que tambem da fonte fria
Do Tejo logra as aguas abundantes.
Os primeiros armigeros regia

Quem pera reger era os mui possantes
Orientaes exercitos sem conto,

Com que passava Xerxes o Hellesponto.

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