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VI.

« Deixámos de Massylia a esteril costa,
Onde seu gado os Azenegues pastam;
Gente, que as frescas aguas nunca gosta,
Nem as hervas do campo bem lhe abastam :
A terra a nenhum fruito emfim disposta,
Onde as aves no ventre o ferro gastam,
Padecendo de tudo extrema inopia,
Que aparta a Barbaria de Ethiopia.

VII.

« Passámos o limite aonde chega
O sol, que pera o Norte os carros guia,
Onde jazem os povos, a quem nega
O filho de Clymene a côr do dia.
Aqui gentes estranhas lava, e rega
Do negro Sanagá a corrente fria,
Onde o cabo Arsinário o nome perde,
Chamando-se dos nossos Cabo-Verde.

VIII.

« Passadas tendo ja as Canárias ilhas,
Que tiveram per nome Fortunadas
Entrámos, navegando, pelas filhas
Do velho Hespério, Hespérides chamadas;
Terras per onde novas maravilhas
Andaram vendo ja nossas armadas:
Alli tomamos porto com bom vento,
Por tomarmos da terra mantimento.

IX.

"

A'quella ilha aportámos, que tomou O nome do guerreiro Sanct' Iago; Sancto, que os Hespanhoes tanto ajudou A fazerem nos Mouros bravo estrago. D'aqui, tanto que Bóreas nos ventou, Tornámos a cortar o immenso lago Do salgado Oceano; e assi deixámos A terra, onde refrêsco doce achámos,

X.

«Per aqui rodeando a larga parte
De Africa, que ficava ao Oriente ;
A provincia Jalofo, que reparte
Per diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, per cuja arte
Logrâmos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambêa as aguas bebe,
As quaes o largo Atlântico recebe :

XI.

«

As Dórcadas passámos, povoadas Das irmãs, que outro tempo alli viviam ; Que de vista total sendo privadas, Todas tres d' um so olho se serviam. Tu so, tu cujas tranças encrespadas Neptuno la nas aguas accendiam, Tornada ja de todas a mais fêa, De viboras encheste a ardente area.

XII.

Sempre emfim pera o Austro a aguda proa,

No grandissimo golpham nos mettemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,

Co'o cabo, a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa

O mar nas praias nôtas, que alli temos,
Ficou, co' a ilha illustre, que tomou
O nonie d'um, que o lado a Deus tocou.

XIII.

« Alli o mui grande reino está de Congo,
Per nós ja convertido á fe de Christo,
Per onde o Zaire passa claro e longo;
Rio pelos antiguos nunca visto.
Per este largo mar emfim me alongo
Do conhecido pólo de Callisto,
Tendo o término ardente ja passado,
Onde o meio do mundo é limitado,

XIV.

« Ja descoberto tínhamos diante,

La no novo hemisphério, nova estrella,
Não vista de outra gente, que ignorante
Alguns tempos esteve incerta d' ella.
Vimos a parte menos rutilante,
E, por falta d' estrellas, menos bella,
Do pólo fixo, onde inda se não sabe
Que outra terra comece, ou mar acabe.

XV.

« Assi passando aquellas regiões,
Per onde duas vezes passa Apolo,
Dous hinvernos fazendo, e dous verões,
Em quanto corre d' um ao outro polo;
Per calmas, per tormentas, e oppressões,
Que sempre faz no mar o irado Eolo,
Vimos as Ussas, a pezar de Juno,
Banharem-se nas aguas de Neptuno.

XVI.

« Contar-te longamente as perigosas
Cousas do mar, que os homens não intendem,
Subitas trovoadas temerosas,
Relampagos, que o ar em fogo accendem;
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho, que grande erro,
Aindaque eu tivesse a voz de ferro.

XVII.

«Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que teem por mestra a longa experiencia,
Contam por certos sempre, e verdadeiros,
Julgando as cousas so pela apparencia ;
E que os que teem juizos mais inteiros,
Que so per puro ingenho, e per sciencia,
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal intendidos.

XVIII.

« Vi, claramente visto, o lume vivo,
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta, e vento esquivo,
De tempestade escura, e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa certo de alto espanto,
Ver as nuvens do mar, com largo cano,
Sorver as altas aguas do Oceano.

XIX.

«Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava) levantar-se
No ar um vaporzinho, e sutil fumo,
E, do vento trazido, rodear-se:
D'aqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tam delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia:
Da materia das nuvens parecia.

XX.

« l'a-se pouco e pouco accrescentando,
E mais que um largo masto se engrossava:
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de agua em si chupava:
Estava-se co' as ondas ondeando;

Em cima d'elle ũa nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada
Co'o cargo grande d'agua em si tomada.

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