« Deixámos de Massylia a esteril costa, Onde seu gado os Azenegues pastam; Gente, que as frescas aguas nunca gosta, Nem as hervas do campo bem lhe abastam : A terra a nenhum fruito emfim disposta, Onde as aves no ventre o ferro gastam, Padecendo de tudo extrema inopia, Que aparta a Barbaria de Ethiopia.
« Passámos o limite aonde chega O sol, que pera o Norte os carros guia, Onde jazem os povos, a quem nega O filho de Clymene a côr do dia. Aqui gentes estranhas lava, e rega Do negro Sanagá a corrente fria, Onde o cabo Arsinário o nome perde, Chamando-se dos nossos Cabo-Verde.
« Passadas tendo ja as Canárias ilhas, Que tiveram per nome Fortunadas Entrámos, navegando, pelas filhas Do velho Hespério, Hespérides chamadas; Terras per onde novas maravilhas Andaram vendo ja nossas armadas: Alli tomamos porto com bom vento, Por tomarmos da terra mantimento.
IX.
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A'quella ilha aportámos, que tomou O nome do guerreiro Sanct' Iago; Sancto, que os Hespanhoes tanto ajudou A fazerem nos Mouros bravo estrago. D'aqui, tanto que Bóreas nos ventou, Tornámos a cortar o immenso lago Do salgado Oceano; e assi deixámos A terra, onde refrêsco doce achámos,
«Per aqui rodeando a larga parte De Africa, que ficava ao Oriente ; A provincia Jalofo, que reparte Per diversas nações a negra gente; A mui grande Mandinga, per cuja arte Logrâmos o metal rico e luzente, Que do curvo Gambêa as aguas bebe, As quaes o largo Atlântico recebe :
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As Dórcadas passámos, povoadas Das irmãs, que outro tempo alli viviam ; Que de vista total sendo privadas, Todas tres d' um so olho se serviam. Tu so, tu cujas tranças encrespadas Neptuno la nas aguas accendiam, Tornada ja de todas a mais fêa, De viboras encheste a ardente area.
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Sempre emfim pera o Austro a aguda proa,
No grandissimo golpham nos mettemos, Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo, a quem das Palmas nome demos. O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias nôtas, que alli temos, Ficou, co' a ilha illustre, que tomou O nonie d'um, que o lado a Deus tocou.
XIII.
« Alli o mui grande reino está de Congo, Per nós ja convertido á fe de Christo, Per onde o Zaire passa claro e longo; Rio pelos antiguos nunca visto. Per este largo mar emfim me alongo Do conhecido pólo de Callisto, Tendo o término ardente ja passado, Onde o meio do mundo é limitado,
« Ja descoberto tínhamos diante,
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La no novo hemisphério, nova estrella, Não vista de outra gente, que ignorante Alguns tempos esteve incerta d' ella. Vimos a parte menos rutilante, E, por falta d' estrellas, menos bella, Do pólo fixo, onde inda se não sabe Que outra terra comece, ou mar acabe.
« Assi passando aquellas regiões, Per onde duas vezes passa Apolo, Dous hinvernos fazendo, e dous verões, Em quanto corre d' um ao outro polo; Per calmas, per tormentas, e oppressões, Que sempre faz no mar o irado Eolo, Vimos as Ussas, a pezar de Juno, Banharem-se nas aguas de Neptuno.
« Contar-te longamente as perigosas Cousas do mar, que os homens não intendem, Subitas trovoadas temerosas, Relampagos, que o ar em fogo accendem; Negros chuveiros, noites tenebrosas, Bramidos de trovões, que o mundo fendem, Não menos é trabalho, que grande erro, Aindaque eu tivesse a voz de ferro.
«Os casos vi, que os rudos marinheiros, Que teem por mestra a longa experiencia, Contam por certos sempre, e verdadeiros, Julgando as cousas so pela apparencia ; E que os que teem juizos mais inteiros, Que so per puro ingenho, e per sciencia, Vêem do mundo os segredos escondidos, Julgam por falsos, ou mal intendidos.
« Vi, claramente visto, o lume vivo, Que a marítima gente tem por santo Em tempo de tormenta, e vento esquivo, De tempestade escura, e triste pranto. Não menos foi a todos excessivo Milagre, e cousa certo de alto espanto, Ver as nuvens do mar, com largo cano, Sorver as altas aguas do Oceano.
«Eu o vi certamente (e não presumo Que a vista me enganava) levantar-se No ar um vaporzinho, e sutil fumo, E, do vento trazido, rodear-se: D'aqui levado um cano ao pólo sumo Se via, tam delgado, que enxergar-se Dos olhos facilmente não podia: Da materia das nuvens parecia.
« l'a-se pouco e pouco accrescentando, E mais que um largo masto se engrossava: Aqui se estreita, aqui se alarga, quando Os golpes grandes de agua em si chupava: Estava-se co' as ondas ondeando;
Em cima d'elle ũa nuvem se espessava, Fazendo-se maior, mais carregada Co'o cargo grande d'agua em si tomada.
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