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XCVI.

Vai Cesar sujugando toda França,

E as armas não lhe impedem a sciencia;
Mas n'uma mão a penna, e n' outra a lança,
Igualava de Cicero a eloquencia ;

O que de Scipião se sabe, e alcança,
É nas comedias grande experiencia ;
Lia Alexandro a Homero de maneira,
Que sempre se lhe sabe á cabeceira,

XCVII.

Emfim não houve forte capitão,
Que não fosse tambem docto e sciente
Da lácia, grega, ou barbara nação,
Senão da portugueza tamsomente,
Sem vergonha o não digo, que a razão
D'algum não ser per versos excellente,
É não se ver presado o verso, e rima;
Porque, quem não sabe a arte, não a estima.

XCVIII.

Por isso, e não por falta de natura,
Não ha tambem Virgilios, nem Homeros ;
Nem haverá (se este costume dura)

Pios Eneas, nem Achilles feros.
Mas o peor de tudo é, que a ventura
Tam asperos os fez, e tam austeros,
Tam rudos, e de ingenho tam remisso,

Que a muitos lhe dá pouco, ou nada d' isso.

XCIX.

A's Musas agradeça o nosso Gama
O muito amor da patria, que as obriga
A dar aos seus na lyra nome, e fama
De toda illustre e béllica fadiga :

Que elle, nem quem na estirpe seu se chama,
Calliope não tem por tam amiga,

Nem as filhas do Tejo, que deixassem

As télas de ouro fino, e que o cantassem.

C.

Porque o amor fraterno, e puro gosto
De dar a todo o lusitano feito

Seu louvor, é somente o presupposto
Das Tagides gentis, e seu respeito.
Porêm não deixe emfim de ter disposto
Ninguem a grandes obras sempre o peito;
Que per esta, ou per outra qualquer via
Não perderá seu preço, e sa valia.

OS LUSIADAS.

CANTO SEXTO.

I.

Não sabía em que modo festejasse
O rei pagão os fortes navegantes,
Pera que as amizades alcançasse

Do rei christão, das gentes tam possantes :
Pêza-lhe que tam longe o aposentasse
Das europeas terras abundantes

A ventura, que não o fez visinho

D'onde Hercules ao mar abriu caminho.

II.

Com jogos, danças, e outras alegrias, (A segundo a polícia melindana)

Com usadas e ledas pescarias,

Com que a Lageia Antonio alegra, e engana, Este famoso rei, todos os dias,

Festeja a companhia lusitana,

Com banquetes, manjares desusados,
Com fruitas, aves, carnes, e pescados.

JII.

Mas vendo o capitão, que se detinha
Ja mais do que devia, e o fresco vento
O convida que parta, e tome asinha
Os pilotos da terra, e mantimento;
Não se quer mais deter, que ainda tinha
Muito pera cortar do salso argento:
Ja do pagão benigno se despede,
Que a todos amizade longa pede.

IV.

Pede-lhe mais, « que aquelle porto seja
Sempre, com suas frotas, visitado ;
Que nenhum outro bem maior deseja,
Que dar a taes Barões seu reino, e estado:
E que em quanto seu corpo o esp❜ritu reja,
Estará de contino apparelhado

A pôr a vida, e reino totalmente

Por tam bon rei, por tam sublime gente. »

V.

Outras palavras taes lhe respondia
O capitão; e logo as vélas dando,
Pera as terras da Aurora se partia,
Que tanto tempo ha ja que vai buscando.
No piloto, que leva, não havia
Falsidade; mas antes vai mostrando
A navegação certa : e assi caminha
Ja mais seguro do que d'antes vinha.

VI.

As ondas navegavam do Oriente

Ja nos mares da India, e enxergavam
Os thalamos do sol, que nasce ardente;
Ja quasi seus desejos se acabavam :
Mas o mau de Thyoneu, que na alma sente
As venturas, que então se apparelhavam
A'gente lusitana, d'ellas dina,

Arde, morre, blasphema, e desatina.

VII.

Via estar todo o ceo determinado
De fazer de Lisboa nova Roma:
Não o pode estorvar, que destinado
Está d'outro podêr, que tudo doma.
Do Olympo desce emfim desesperado;
Novo remedio em terra busca, e toma;
Entra no humido reino, e vai-se á corte
D'aquelle a quem o mar cahiu em sorte.

VIII.

No mais interno fundo das profundas
Cavernas altas, onde o mar se esconde,
La d'onde as ondas saiem furibundas,
Quando ás iras do vento o mar responde,
Neptuno mora, e moram as jucundas
Nereidas, e outros deuses do mar, onde
As aguas campo deixam ás cidades,
Que habitam estas humidas deidades.

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