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LXIX.

« Outro tambem dos doze em Alemanha

Se lança, e teve um fero desafio

C'um Germano enganoso, que com manha
Não devida o quiz pôr no extremo fio. »
Contando assi Velloso, ja a companha
Lhe pede que não faça tal desvio

Do caso de Magriço, e vencimento;
Nem deixe o de Alemanha em esquecimento.

LXX.

Mas n'este passo assi promptos estando,
Eis o mestre, que olhando os ares anda,
O apito toca; acordam despertando
Os marinheiros d' uma e d'outra banda :
E, porque o vento vinha refrescando
Os traquetes das gáveas tomar manda :
«Alerta (disse) estai, que o vento crece
D'aquella nuvem negra, que apparece. »

LXXI.

Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande e súbita procella :
« Amaina (disse o mestre a grandes brados)
Amaina (disse) amaina a grande vella. »
Não esperam os ventos indignados

Que amainassem; mas junctos dando n'ella,
Em pedaços a fazem, c'um ruido

Que o mundo pareceu ser destruido.

LXXII.

O ceo fere com gritos n'isto a gente,
Com subito temor, e desacordo;

Que no romper da véla, a nau pendente
Toma gran' somma d'agua pelo bordo.

Alija (disse o mestre rijamente)

Alija tudo ao mar, não falte acordo;
Vão outros dar á bomba, não cessando :
A' bomba, que nos imos alagando.

LXXIII.

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Correm logo os soldados animosos
A dar á bomba; e tanto que chegaram
Os balanços, que os mares temerosos
Deram á nau, n'um bordo os derribaram.
Tres marinheiros duros e forçosos

A manear o leme não bastaram ;

Talhas lhe punham d'uma e d'outra parte, Se aproveitar dos homens força, e arte.

LXXIV.

Os ventos eram taes, que não poderam
Mostrar mais força d' impetu cruel,
Se pera derribar então vieram

A fortissima torre de Babel.

Nos altissimos mares, que creceram,
A pequena grandura d' um batel

Mostra a possante nau, que move espanto,

Vendo que se sustem nas ondas tanto.

LXXV.

A nau grande, em que vai Paulo da Gama,
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quasi toda alagada: a gente chama
Aquelle que a salvar o mundo veio.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio;
Com quanto teve o mestre tanto tento,
Que primeiro amainou, que désse o vento.

LXXVI.

Agora sôbre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que desciam
As íntimas entranhas do profundo.
Noto, Austro, Bóreas, A'quilo queriam
Arruínar a máchina do mundo:

A noite negra e fea se allumia
Co'os raios, em que o pólo todo ardia.

LXXVII.

As halcyoneas aves triste canto
Juncto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto,
Que as furiosas aguas lhe causaram.
Os delphins namorados entretanto
La nas covas marítimas entraram,
Fugindo á tempestade, e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.

LXXVIII.

Nunca tam vivos raios fabricou

Contra a fera suberba dos gigantes
O gran' ferreiro sórdido, que obrou
Do enteado as armas radiantes :
Nem tanto o gran' Tonante arremessou
Relampagos ao mundo fulminantes
No gran' diluvio, d'onde sos viveram
Os dous, que em gente as pedras converteram.

LXXIX.

Quantos montes então que derribaram
As ondas, que batiam denodadas!
Quantas arvores velhas arrancaram
Do vento bravo as furias indignadas!
As forçosas raízes não cuidaram

Que nunca pera o ceo fossem viradas;
Nem as fundas areias que podessem

Tanto os mares, que em cima as revolvessem.

LXXX.

Vendo Vasco da Gama que tam perto
Do fim de seu desejo se perdia;

Vendo ora o mar até o inferno aberto,

Ora com nova furia ao ceo subia:
Confuso de temor, da vida incerto,
Onde nenhum remédio lhe valia,
Chama aquelle remédio sancto e forte,
Que o impossibil pode, d'esta sorte:

LXXXI.

« Divina Guarda, angélica, celeste,
Que os ceos, o mar, e a terra senhoreas;
Tu, que a todo Israel refugio deste
Per metade das aguas erythreas:
Tu, que livraste Paulo, e o defendeste
Das syrtes arenosas, e ondas feas;
E guardaste co' os filhos o segundo
Povoador do alagado e vacuo mundo:

LXXXII.

«Se tenho novos mêdos perigosos

D'outra Scylla, e Charybdis ja passados,
Outras syrtes, e baixos arenosos,
Outros Acroceraunios infamados;
No fim de tantos casos trabalhosos
Porque somos de ti desamparados,
Se este nosso trabalho não te offende,
Mas antes teu serviço so pretende?

LXXXIII.

«Oh ditosos aquelles que poderam
Entre as agudas lanças africanas
Morrer, em quanto fortes sustiveram
A sancta fe, nas terras mauritanas:
De quem feitos illustres se souberam,
De quem ficam memórias soberanas,
De quem se ganha a vida com perdella,
Doce fazendo a morte as honras d'ella! »

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