« Outro tambem dos doze em Alemanha
Se lança, e teve um fero desafio
C'um Germano enganoso, que com manha Não devida o quiz pôr no extremo fio. » Contando assi Velloso, ja a companha Lhe pede que não faça tal desvio
Do caso de Magriço, e vencimento; Nem deixe o de Alemanha em esquecimento.
Mas n'este passo assi promptos estando, Eis o mestre, que olhando os ares anda, O apito toca; acordam despertando Os marinheiros d' uma e d'outra banda : E, porque o vento vinha refrescando Os traquetes das gáveas tomar manda : «Alerta (disse) estai, que o vento crece D'aquella nuvem negra, que apparece. »
Não eram os traquetes bem tomados, Quando dá a grande e súbita procella : « Amaina (disse o mestre a grandes brados) Amaina (disse) amaina a grande vella. » Não esperam os ventos indignados
Que amainassem; mas junctos dando n'ella, Em pedaços a fazem, c'um ruido
Que o mundo pareceu ser destruido.
O ceo fere com gritos n'isto a gente, Com subito temor, e desacordo;
Que no romper da véla, a nau pendente Toma gran' somma d'agua pelo bordo.
Alija (disse o mestre rijamente)
Alija tudo ao mar, não falte acordo; Vão outros dar á bomba, não cessando : A' bomba, que nos imos alagando.
Correm logo os soldados animosos A dar á bomba; e tanto que chegaram Os balanços, que os mares temerosos Deram á nau, n'um bordo os derribaram. Tres marinheiros duros e forçosos
A manear o leme não bastaram ;
Talhas lhe punham d'uma e d'outra parte, Se aproveitar dos homens força, e arte.
Os ventos eram taes, que não poderam Mostrar mais força d' impetu cruel, Se pera derribar então vieram
A fortissima torre de Babel.
Nos altissimos mares, que creceram, A pequena grandura d' um batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Vendo que se sustem nas ondas tanto.
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, Quebrado leva o masto pelo meio, Quasi toda alagada: a gente chama Aquelle que a salvar o mundo veio. Não menos gritos vãos ao ar derrama Toda a nau de Coelho, com receio; Com quanto teve o mestre tanto tento, Que primeiro amainou, que désse o vento.
Agora sôbre as nuvens os subiam As ondas de Neptuno furibundo; Agora a ver parece que desciam As íntimas entranhas do profundo. Noto, Austro, Bóreas, A'quilo queriam Arruínar a máchina do mundo:
A noite negra e fea se allumia Co'os raios, em que o pólo todo ardia.
As halcyoneas aves triste canto Juncto da costa brava levantaram, Lembrando-se de seu passado pranto, Que as furiosas aguas lhe causaram. Os delphins namorados entretanto La nas covas marítimas entraram, Fugindo á tempestade, e ventos duros, Que nem no fundo os deixa estar seguros.
Nunca tam vivos raios fabricou
Contra a fera suberba dos gigantes O gran' ferreiro sórdido, que obrou Do enteado as armas radiantes : Nem tanto o gran' Tonante arremessou Relampagos ao mundo fulminantes No gran' diluvio, d'onde sos viveram Os dous, que em gente as pedras converteram.
Quantos montes então que derribaram As ondas, que batiam denodadas! Quantas arvores velhas arrancaram Do vento bravo as furias indignadas! As forçosas raízes não cuidaram
Que nunca pera o ceo fossem viradas; Nem as fundas areias que podessem
Tanto os mares, que em cima as revolvessem.
Vendo Vasco da Gama que tam perto Do fim de seu desejo se perdia;
Vendo ora o mar até o inferno aberto,
Ora com nova furia ao ceo subia: Confuso de temor, da vida incerto, Onde nenhum remédio lhe valia, Chama aquelle remédio sancto e forte, Que o impossibil pode, d'esta sorte:
« Divina Guarda, angélica, celeste, Que os ceos, o mar, e a terra senhoreas; Tu, que a todo Israel refugio deste Per metade das aguas erythreas: Tu, que livraste Paulo, e o defendeste Das syrtes arenosas, e ondas feas; E guardaste co' os filhos o segundo Povoador do alagado e vacuo mundo:
«Se tenho novos mêdos perigosos
D'outra Scylla, e Charybdis ja passados, Outras syrtes, e baixos arenosos, Outros Acroceraunios infamados; No fim de tantos casos trabalhosos Porque somos de ti desamparados, Se este nosso trabalho não te offende, Mas antes teu serviço so pretende?
«Oh ditosos aquelles que poderam Entre as agudas lanças africanas Morrer, em quanto fortes sustiveram A sancta fe, nas terras mauritanas: De quem feitos illustres se souberam, De quem ficam memórias soberanas, De quem se ganha a vida com perdella, Doce fazendo a morte as honras d'ella! »
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