Imagens das páginas
PDF
ePub

XXVII.

" E

que, emtanto que a nova lhe chegasse De sua estranha vinda, se queria, Na sua pobre casa repousasse,

E do manjar da terra comeria:

E, despois que se um pouco recreasse,
Com elle pera a armada tornaria;

Que alegria não pode ser tammanha,
Que achar gente visinha em terra estranha. »

XXVIII.

OPortuguez acceita de vontade

O que o ledo Monçaide lhe offerece;
Como se longa fôra ja a amizade,
Com elle come, e bebe, e lhe obedece:
Ambos se tornam logo da cidade
Pera a frota, que o Mouro bem conhece;
Sobem á capitaina; e toda a gente
Monçaide recebeu benignamente.

XXIX.

O capitão o abraça em cabo ledo,
Ouvindo clara a lingua de Castella;
Juncto de si o assenta, e prompto e quedo,
Pela terra pergunta, e cousas d'ella.
Qual se ajunctava em Rhodope o arvoredo,
So por ouvir o amante da donzella
Eurydice, tocando a lyra de ouro,
Tal a gente se ajuncta a ouvir o Mouro.

XXX.

Elle começa: «O' gente, que a natura
Visinha fez de meu paterno ninho,
Que destino tam grande, ou que ventura,
Vos trouxe a commetterdes tal caminho?
Não é sem causa, não, occulta e escura,
Vir do longinquo Tejo, e ignoto Minho,
Per mares nunca d'outro lenho arados,
A reinos tam remotos e apartados.

XXXI.

« Deus por certo vos traz; porque pretende Algum serviço seu, per vós obrado:

Por isso so vos guia, e vos defende
Dos imigos, do mar, do vento irado.
Sabei, que estais na India, onde se estende
Diverso povo, rico e prosperado

De ouro luzente, e fina pedraria,
Cheiro suave, ardente especiaria.

XXXII.

« Esta provincia, cujo porto agora
Tomado tendes, Malabar se chama:
Do culto antiguo os ídolos adora,
Que ca per estas partes se derrama:
De diversos rêis é, mas d' um so fora
N'outro tempo, segundo a antigua fama :
Saramá Perimal foi derradeiro

Rei, que este reino teve unido e inteiro.

XXXIII.

« Porêm como a esta terra então viessem
De la do seio arábico, outras gentes,
Que o culto mahomético trouxessem,
(No qual me instituíram meus parentes)
Succedeu, que prégando convertessem
O Perimal, de sabias e eloquentes;
Fazem-lhe a lei tomar com fervor tanto,
Que presuppoz de n'ella morrer santo.

XXXIV.

Naus arma, e n'ellas mette curioso
Mercadoria, que offereça, rica,
Pera ir n'ellas a ser religioso

Onde o propheta jaz, que a lei publica:
Antes que parta, o reino poderoso
Co' os seus reparte; porque não lhe fica
Herdeiro proprio faz os mais acceitos
Ricos de pobres, livres de sujeitos.

XXXV.

« A um Cochim, e a outro Cananor,
A qual Chalé, a qual a ilha da Pimenta,
A qual Coulão, a qual dá Cranganor,
E os mais, a quem o mais serve e contenta.
Um so moço, a quem tinha muito amor,
Despois que tudo deu, se lhe apresenta :
Pera este Calecut somente fica,
Cidade ja per tracto nobre e rica.

XXXVI.

« Esta lhe dá co'o título excellente

De imperador, que sôbre os outros mande.
Isto feito, se parte diligente

Pera onde em sancta vida acabe, e ande.
E d'aqui fica o nome de potente
Samorim, mais que
todos dino e grande,
Ao moço, e descendentes; d'onde vem
Este, que agora o imperio manda, e tem.

[ocr errors]

XXXVII.

« A lei da gente toda, rica e pobre,
De fabulas composta se imagina:
Andam nus, e somente um panno cobre
As partes, que a cobrir natura ensina:
Dous modos ha de gente; porque a nobre
Naires chamados são; e a menos dina
Poleás tem per nome, a quem obriga
A lei não misturar a casta antiga.

XXXVIII.

Porque os que usaram sempre um mesmo officio D'outro não podem receber consorte; Nem os filhos terão outro exercicio, Senão o de seus passados, até morte. Pera os Naires é certo grande vicio D'estes serem tocados; de tal sorte, Que quando algum se toca, per ventura, Com ceremonias mil se alimpa, e apura.

XXXIX.

« D'esta sorte o judaico povo antigo
Não tocava na gente de Samária:
Mais estranhezas inda das que digo
N'esta terra vereis de usança vária:
Os Naires sos são dados ao perigo
Das armas; sos defendem da contrária
Banda o seu rei, trazendo sempre usada
Na esquerda a adarga, e na direita a espada.

XL.

« Brahmenes são os seus religiosos,
(Nome antiguo e de grande preeminencia)
Observam os preceitos tam famosos
D'um, que primeiro poz nome á sciencia:
Não matam cousa viva, e temerosos,
Das carnes teem grandissima abstinencia :
Somente no venéreo ajunctamento'
Teem mais licença, e menos regimento.

XLI.

« Geraes são as mulheres; mas somente
Pera os da geração de seus maridos:
Ditosa condição, ditosa gente
Que não são de ciúmes offendidos!
Estes, e outros costumes variamente
São pelos Malabares admittidos:

A terra é grossa em tracto, em tudo aquilo,
Que as ondas podem dar da China ao Nilo.>>

« AnteriorContinuar »