LXXXVII.
Aquelles sos direi, que aventuraram
Por seu Deus, por seu rei, a amada vida, Onde perdendo-a, em fama a dilataram, Tam bem de suas obras merecida. Apollo, e as Musas, que me acompanharam, Me dobrarão a furia concedida ;
Em quanto eu tómo alento descançado, Por tornar ao trabalho, mais folgado.
Na primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha, A barba branca, longa e penteada:
« Quem era, e porque causa lhe convinha A divisa, que tem na mão tomada? » Paulo responde (cuja voz discreta O Mauritano sabio lhe interpreta) :
« Estas figuras todas, que apparecem, Bravos em vista, e feros nos aspeitos; Mais bravos, e mais feros se conhecem Pela fama, nas obras, e nos feitos: Antiguos são; mas inda resplandecem
Co' o nome, entre os ingenhos mais perfeitos: Este que ves é Luso, d'onde a fama O nosso reino Lusitânia chama.
II.
« Foi filho, ou companheiro do Thebano, Que tam diversas partes conquistou : Parece vindo ter ao ninho hispano, Seguindo as armas, que contino usou: Do Douro, e Guadiana, o campo ufano, Ja dicto elysio, tanto o contentou, Que alli quiz dar, aos ja cançados ossos Eterna sepultura, e nome aos nossos.
« O ramo que lhe ves pera divisa, O verde thyrso foi de Baccho usado; O qual á nossa idade amostra, e avisa, Que foi seu companheiro, ou filho amado. Ves outro, que do Tejo a terra pisa, Despois de ter tam longo mar arado, Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Pallas, que em memoria fica?
«<
Ulysses é o que faz a sancta casa
A' deusa, que lhe dá lingua facunda ; Que, se la na Asia Tróia insigne abrasa, Ca na Europa Lisboa ingente funda. »
« Quem será est' outro ca, que o campo arrasa De mortos, com presença furibunda ? Grandes batalhas tem desbaratadas,
Que as aguias nas bandeiras tem pintadas. »
Assi o gentio diz responde o Gama : « Este que ves, pastor ja foi de gado; Viriáto sabemos que se chama, Destro na lança mais, que no cajado : Injuriada tem de Roma a fama,
Vencedor invencibil afamado;
Não teem com elle, não, nem ter poderam O primor, que com Pyrrho ja tiveram.
« Com força não, com manha vergonhosa, A vida lhe tiraram, que os espanta: Que o grande aperto em gente, indaque honrosa, A's vezes leis magnânimas quebranta.
Outro está aqui, que contra a patria irosa, Degradado comnosco, se alevanta: Escolheu bem com quem se alevantasse, Pera que eternamente se illustrasse.
« Ves? comnosco tambem vence as bandeiras D'essas aves de Júpiter validas; Que ja n' aquelle tempo as mais guerreiras Gentes de nós souberam ser vencidas:
9
Olha tam sutis artes, e maneiras Pera acquirir os povos, tam fingidas;
A fatídica cerva, que o avisa : Elle é Sertório, e ella sa divisa.
« Olha est' outra bandeira, e ve pintado O gran' progenitor dos rêis primeiros: Nós Húngaro o fazemos; porêm nado Creem ser em Lotharíngia os estrangeiros: Despois de ter os Mouros superado, Gallegos, e Leonezes cavalleiros, A' Casa-sancta passa o sancto Henrique ; Porque o tronco dos rêis se sanctifique. »
Quem é (me dize) est' outro, que me espanta, (Pergunta o Malabar maravilhado) Que tantos esquadrões, que gente tanta Com tam pouca, tem roto, e destroçado? Tantos muros asperrimos quebranta, Tantas batalhas dá, nunca cansado, Tantas coroas tem per tantas partes A seus pes derribadas, e estandartes? >>
XI.
«Este é o primeiro Afonso (disse o Gama) Que todo Portugal aos Mouros toma, Por quem, no Estygio lago, jura a Fama De inais não celebrar nenhum de Roma: Este é aquelle zeloso, a quem Deus ama, Com cujo braço o Mouro imigo doma; Pera quem de seu reino abaixa os muros, Nada deixando ja pera os futuros.
« AnteriorContinuar » |