Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dous feitores; Que os infieis per manha, e falsidade, Fazem que não lh'a comprem mercadores: Que todo seu propósito, e vontade, Era deter alli os descobridores
Da India tanto tempo, que viessem De Meca as naus, que as suas desfizessem.
La no seio erythreu, onde fundada Arsinoe foi do Egypcio Tolomeu, Do nome da irmã sua assi chamada, Que despois em Suez se converteu ; Não longe o porto jaz da nomeada Cidade Meca, que se engrandeceu Com a superstição falsa e profana Da religiosa agua ma'ometana.
III.
Gidá se chama o porto, aonde o trato De todo o Roxo-mar mais florecia, De que tinha proveito grande e grato O soldão, que esse reino possuia. D'aqui os Malabares, per contrato Dos infieis, fermosa companhia De grandes naus, pelo índico Oceano, Especiaria véem buscar cada ano.
Por estas naus os Mouros esperavam, Qué como fossem grandes e possantes, Aquellas, que o commércio lhe tomavam, Com flammas abrasassem crepitantes. N' este soccorro tanto confiavam, Que ja não querem mais dos navegantes, Senão que tanto tempo alli tardassem, Que da famosa Meca as naus chegassem.
Mas o Governador dos ceos, e gentes, Que pera quanto tem determinado De longe os meios dá convenientes, Per onde vem a effeito o fim fadado; Influíu piedosos accidentes
De affeição em Monçaide; que guardado Estava pera dar ao Gama aviso, E merecer por isso o Paraiso.
Este, de quem se os Mouros não guardavam, Por ser Mouro como elles (antes era Participante em quanto machinavam ) A tenção lhe descobre torpe e fera :
Muitas vezes as naus, que longe estavam
Visita; e com piedade considera
O damno, sem razão, que se lhe ordena Pela maligna gente sarracena.
Informa o cauto Gama das armadas, Que da arábica Meca véem cada ano; Que agora são dos seus tam desejadas, Pera ser instrumento d' este dano: Diz-lhe, «que véem de gente carregadas, E dos trovões horrendos de Vulcano; E que pode ser d'ellas opprimido, Segundo estava mal apercebido. ».
O Gama, que tambem considerava O tempo, que pera a partida o chama, E que despacho ja não esperava Melhor do rei, que os Ma'ometanos ama; Aos feitores, que em terra estão, mandava Que se tornem ás naus: e porque a fama D'esta subita vinda os não impida, Lhe manda, «que a fizessem escondida. »
IX.
Porêm não tardou muito, que voando Um rumor não soasse, com verdade, Que foram presos os feitores, quando Foram sentidos vir-se da cidade. Esta fama as orelhas penetrando Do sabio capitão, com brevidade Faz represália n' uns, que ás naus vieram A vender pedraria, que trouxeram.
Eram estes antiguos mercadores, Ricos em Calecut, e conhecidos:
Da falta d'elles, logo entre os melhores Sentido foi, que estão no mar retidos. Mas ja nas naus os bons trabalhadores Volvem o cabrestante, e repartidos Pelo trabalho, uns puxam pela amarra, Outros quebram co' o peito duro a barra;
Outros pendem da vêrga, e ja desatam A véla, que com grita se soltava; Quando com maior grita ao rei relatam A pressa com que a armada se levava : As mulheres, e filhos, que se matam, D'aquelles que vão presos, onde estava O Samorim, se aqueixam que perdidos Uns teem os paes, as outras os maridos.
Manda logo os feitores lusitanos Com toda sua fazenda livremente, A pezar dos imigos ma'ometanos, Porque lhe torne a sua presa gente: Desculpas manda o rei de seus enganos. Recebe o capitão de melhor mente Os presos, que as desculpas; e tornando Alguns negros, se parte as vélas dando.
Parte-se costa abaixo; porque intende Que em vão co' o rei gentio trabalhava Em querer d'elle paz; a qual pretende Por firmar o commércio, que tratava. Mas como aquella terra, que se estende Pela Aurora, sabida ja deixava, Com estas novas torna á patria cara, Certos signaes levando do que achara.
Leva alguns Malabares, que tomou Per força, dos que o Samorim mandara, Quando os presos feitores lhe tornou: Leva pimenta ardente, que comprara : A secca flor de Banda não ficou, A noz, e o negro cravo, que faz clara A nova ilha Maluco, co' a canella, Em que Ceilão é rica, illustre e bella.
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