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XV.

Isto tudo lhe houvera a diligencia
De Monçaide fiel, que tambem leva;
Que inspirado de angélica influencia,
Quer no livro de Christo que se escreva.
Oh ditoso Africano, que a clemencia
Divina assi tirou d'escura treva,

E tam longe da patria achou maneira
Pera subir á patria verdadeira!

XVI.

Apartadas assi da ardente costa
As venturosas naus, levando a proa
Pera onde a natureza tinha posta
A meta austrina da esperança boa;
Levando alegres novas, e resposta
Da parte oriental pera Lisboa ;
Outra vez commettendo os duros medos
Do mar incerto, tímidos e ledos.

XVII.

O prazer de chegar á patria cara,
A seus penates caros, e parentes,
Pera contar a peregrina e rara
Navegação, os varios ceos, e gentes;
Vir a lograr o prémio, que ganhara
Per tam longos trabalhos, e accidentes,
Cadaum tem por gosto tam perfeito,
Que o coração pera elle é vaso estreito.

XVIII.

Porêm a deusa cypria, que ordenada
Era pera favor dos Lusitanos

Do Padre eterno, e por bom genio dada,
Que sempre os guia ja de longos anos;
A gloria per trabalhos alcançada,
Satisfação de bem sofridos danos,
Lhe andava ja ordenando, e pretendia
Dar-lhe nos mares tristes, alegria.

XIX.

Despois de ter um pouco revolvido
Na mente o largo mar, que navegaram,
Os trabalhos, que polo deus nascido
Nas amphionéas Thebas se causaram ;
Ja trazia de longe no sentido,

Pera premio de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso
No reino de crystal líquido e manso :

XX.

Algum repouso emfim, com que podesse
Refocillar a lassa humanidade

Dos navegantes seus, como interesse
Do trabalho, que encurta a breve idade.
Parece-lhe razão que conta desse
A seu filho, per cuja potestade
Os deuses faz descer ao vil terreno,
E os humanos subir ao ceo sereno.

XXI.

Isto bem revolvido, determina
De ter-lhe apparelhada la no meio
Das aguas, alguma ínsula divina,
Ornada d'esmaltado e verde arreio :
Que muitas tem no reino, que confina
Da mãe primeira co' o terreno seio,
Afora as que possue soberanas
Pera dentro das portas herculanas.

XXII.

Alli quer que as aquáticas donzellas
Esperem os fortissimos Barões,
Todas as que teem título de bellas,
Gloria dos olhos, dor dos corações,
Com danças, e chorêas; porque n'ellas
Influirá secretas affeições,

Pera com mais vontade trabalharem

De contentar a quem se affeiçoarem.

XXIII.

Tal manha buscou ja, pera que aquelle
Que de Anchises pariu, bem recebido
Fosse no campo, que a bovina pelle
Tomou d' espaço, per sutil partido :
Seu filho vai buscar; porque so n' elle
Tem todo seu poder, fero Cupido;
Que assi como n'aquella empresa antiga
A ajudou ja, n'est' outra a ajude, e siga.

XXIV.

No carro ajuncta as aves, que na vida
Vão da morte as exéquias celebrando,
E aquellas, em que ja foi convertida
Peristéra, as boninas apanhando.
Em derredor da deusa ja partida,
No ar lascivos beijos se vão dando:
Ella, per onde passa, o ar, e o vento
Sereno faz, com brando movimento.

XXV.

Ja sobre os idalíos montes pende,
Onde o filho frecheiro estava então
Ajunctando outros muitos ; que pretende
Fazer uma famosa expedição

Contra o mundo rebelde; porque

; porque emende Erros grandes, que ha dias n' elle estão, Amando cousas, que nos foram dadas, Não pera ser amadas, mas usadas.

XXVI.

Via Acteon na caça tam austero,
De cego na alegria bruta, insana,
Que, por seguir um feo animal fero,
Fuge da gente, e bella fórma humana :
E por castigo quer, doce e severo,
Mostrar-lhe a fermosura de Diana:
E guarde-se não seja inda comido

D'esses cães, que agora ama, e consumido!

XXVII.

E ve do mundo todo os principais,
Que nenhum no bem público imagina ;
Ve n'elles, que não teem amor a mais,
Que a si somente, e a quem Philaucia ensina.
Ve que esses, que frequentam os reais
Paços, por verdadeira e sã doctrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florecente.

XXVIII.

Ve que aquelles, que devem á pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos, e riqueza,
Simulando justiça, e integridade.
Da fea tyrannia, e de aspereza,
Fazem direito, e vã severidade :
Leis em favor do rei se estabelecem ;
As em favor do povo so perecem.

XXIX.

Ve emfim, que ninguem ama o que deve,
Senão o que somente mal deseja :

Não quer que tanto tempo se releve
O castigo, que duro e justo seja.
Seus ministros ajuncta; porque leve
Exercitos conformes á peleja

Que espera ter co' a mal regida gente,
Que lhe não for agora obediente.

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