LXXV.
Leonardo, soldado bem disposto, Manhoso, cavalleiro e namorado, A quem amor não dera um so desgosto; Mas sempre fôra d'elle maltratado: E tinha ja por firme presupposto Ser com amores mal afortunado; Porém não que perdesse a esperança De inda poder seu fado ter mudança :
Quiz aqui sua ventura, que corria Apos Ephyre, exemplo de belleza, Que mais caro que as outras dar queria O que deu pera dar-se a natureza. Ja cançado correndo lhe dizia : « O' fermosura indígna de aspereza ; Pois d'esta vida te concedo a palma, Espera um corpo de quem levas a alma.
« Todas de correr cançam, nympha pura, Rendendo-se á vontade do inimigo: Tu so de mi so foges na espessura ? Quem te disse, que eu era o que te sigo? Se t' o tem dicto ja aquella ventura
Que em toda a parte sempre anda comigo, O' não a creias; porque eu, quando a cria, Mil vezes cada hora me mentia.
« Não cances ; que me canças: e se queres Fugir-me, porque não possa tocar-te, Minha ventura é tal, que inda que esperes, Ella fará que não possa alcançar-te. Espera quero ver, se tu quizeres, Que sutil modo busca de escapar-te : E notarás no fim d'este successo, «Tra la spiga e la man qual muro è messo. »
«O' não me fujas! Assi nunca o breve Tempo fuja de tua fermosura ! Que, so com refrear o passo leve Vencerás da fortuna a força dura. Que imperador, que exército se atreve A quebrantar a furia da ventura, Que em quanto desejei me vai seguindo? O que tu so farás não me fugindo.
« Pões-te de parte da desdita minha? Fraqueza é dar ajuda ao mais potente. Levas-me um coração, que livre tinha? Solta-m'o, e correrás mais levemente. Não te carrega essa alma tam mesquinha, Que n'esses fios de ouro reluzente Atada levas? Ou despois de presa Lhe mudaste a ventura, e menos pesa?
«N' esta esperança so te vou seguindo; Que, ou tu não sofrerás o peso d'ella, Ou na virtude de teu gesto lindo, Lhe mudarás a triste e dura estrella : E se se lhe mudar, não vas fugindo, Que amor te ferirá, gentil donzella; E tu me esperarás, se amor te fere; E se me esperas, não ha mais que espere. »
Ja não fugia a bella nympha, tanto Por se dar cara ao triste que a seguia, Como por ir ouvindo o doce canto, As namoradas mágoas que dizia. Volvendo o rosto ja sereno e santo, Toda banhada em riso e alegria, Cahir se deixa aos pés do vencedor, Que todo se desfaz em puro amor.
E
Oh que famintos beijos na floresta ! que mimoso choro, que soava! Que afagos tam suaves! Que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manhã, e sesta, (Que Venus com prazeres inflammava) Melhor é exp'rimental-o, que julgal-o ; Mas julgue-o quem não pode exp'rimental-o.
Dest' arte emfim conformes ja as fermosas Nymphas, co' os seus amados navegantes, Os ornam de capellas deleitosas
De louro, e de ouro, e flores abundantes: As mãos alvas lhe davam como esposas : Com palavras formaes e estipulantes Se promettem eterna companhia Em vida, e morte, de honra e alegria.
Uma d'ellas maior, a quem se humilha Todo o coro das nymphas, e obedece, (Que dizem ser de Celo, e Vesta filha, O que no gesto bello se parece, Enchendo a terra, e o mar de maravilha) O capitão illustre, que o merece, Recebe alli com pompa honesta e regia, Mostrando-se senhora grande e egregia.
Que, despois de lhe ter dicto quem era, C' um alto exordio de alta graça ornado; Dando-lhe a intender « que alli viera Per alta influição do immobil fado ; Pera lhe descobrir da unida esphera, Da terra immensa, e mar não navegado Os segredos, per alta prophecia, O que esta sua nação so merecia: >>
Tomando-o pela mão o leva, e guia, Pera o cume d'um monte alto e divino, No qual ũa rica fábrica se erguia
De crystal toda, e de ouro puro e fino. A maior parte aqui passam do dia Em doces jogos, e em prazer contino: Ella nos paços logra seus amores, As outras pelas sombras entre as flores.
LXXXVIII.
Assi a fermosa e a forte companhia, O dia quasi todo estão passando N' uma alma, doce, incógnita alegria, Os trabalhos tam longos compensando. Porque dos feitos grandes, da ousadia Forte e famosa, o mundo está guardando O premio la no fim bem merecido, Com fama grande, e nome alto e subido.
Que as nymphas do Oceâno tam fermosas, Tethys, e a ilha angélica pintada, Outra cousa não são, que as deleitosas Honras, que a vida fazem sublimada. Aquellas preeminencias gloriosas, Os triumphos, a fronte coroada De palma, e louro, a glória e maravilha, Estes são os deleites d'esta ilha.
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