Que as immortalidades, que fingia A antiguidade, que os illustres ama, La no estellante Olympo, a quem subia Sobre as azas ínclytas da Fama Per obras valerosas, que fazia,
Pelo trabalho immenso, que se chama Caminho da virtude alto e fragoso, Mas no fim doce, alegre e deleitoso;
Não eram senão premios, que reparte Per feitos immortaes e soberanos O mundo co'os Barões, que esforço e arte Divinos os fizeram, sendo humanos : Que Jupiter, Mercurio, Phebo, e Marte, Eneas, e Quirino, e os dous Thebanos, Ceres, Pallas, e Juno, com Diana, Todos foram de fraca carne humana.
Mas a Fama, trombeta de obras tais, Lhe deu no mundo nomes tam estranhos, De deuses, semideuses immortais, Indígetes, heroicos, e de manhos. Por isso, o' vós, que as famas estimais, Se quizerdes no mundo ser tammanhos, Despertai ja do somno do ocio ignavo, Que o animo de livre faz escravo.
XCIII.
E ponde na cubiça um freio duro, E na ambição tambem, que indignamente Tomais mil vezes, e no torpe e escuro Vicio da tyrannia infame e urgente: Porque essas honras vãs, esse ouro puro, Verdadeiro valor não dão á gente: Melhor é merecel-os sem os ter, Que possuil-os sem os merecer.
Ou dai na paz as leis iguaes, constantes, Que aos grandes não deem o dos pequenos ; Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos imigos sarracenos :
Fareis os reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais, e nenhum menos: Possuireis riquezas merecidas,
Com as honras, que illustram tanto as vidas.
E fareis claro o rei, que tanto amais, Agora co' os conselhos bem cuidados; Agora co' as espadas, que immortais Vos farão, como os vossos ja passados : Impossibilidades não façais;
Que quem quiz sempre pôde: e numerados Sereis entre os heroes esclarecidos,
E n'esta ilha de Venus recebidos.
Mas ja o claro amador de Larissea Adúltera inclinava os animaes La pera o grande lago, que rodea Temistitão, nos fins occidentaes: O grande ardor do sol Favonio enfrea Co'o sopro, que nos tanques naturaes Encrespa a agua serena, e despertava Os lirios e jasmins, que a calma aggrava:
Quando as fermosas nymphas co' os amantes Pela mão, ja conformes e contentes, Subiam pera os paços radiantes, E de metaes ornados reluzentes; Mandados da rainha, que abundantes Mesas d'altos manjares, excellentes, Lhe tinha apparelhadas, que a fraqueza Restaurem da cançada natureza.
Alli em cadeiras ricas, crystallinas, Se assentam dous e dous, amante, e dama ; N' outras, á cabeceira, d'ouro finas,
Está co'a bella deusa o claro Gama.
De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a egypcia antigua fama, Se accumulam os pratos de fulvo ouro, Trazidos la do atlântico thesouro.
Os vinhos odoriferos (que acima Estão não so do itálico Falerno, Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima, Com todo o ajunctamento sempiterno) Nos vasos, onde em vão trabalha a lima, Crespas escumas erguem, que no interno Coração movem súbita alegria,
Saltando co' a mistura d'agua fria.
Mil prácticas alegres se tocavam, Risos doces, sutis e argutos ditos,
Que entre um, e outro manjar se alevantavam, Despertando os alegres appetitos.
Musicos instrumentos não faltavam,
Quaes no profundo reino os nus esp'ritos Fizeram descançar da eterna pena, C' uma voz d'uma angélica sirena.
Cantava a bella nympha, e co' os accentos, Que pelos altos paços vão soando, Em consonancia igual, os instrumentos Suaves véem a um tempo conformando: Um subito silencio enfreia os ventos, E faz ir docemente murmurando
As aguas, e nas casas naturaes Adormecer os brutos animaes.
Com doce voz está subindo ao ceo
Altos Barões, que estão por vir ao mundo, Cujas claras ideias viu Proteo
N'um globo vão, diáphano, rotundo; Que Jupiter em dom lh'o concedeo Em sonhos, e despois no reino fundo Vaticinando o disse; e na memoria Recolheu logo a nympha a clara historia.
Materia é de cothurno, e não de soco, A que a nympha aprendeu no immenso lago, Qual Iopas não soube, ou Demodoco, Entre os Pheaces um, outro em Carthago. Aqui, minha Callíope, te invoco
N'este trabalho extremo; porque em pago Me tornes do que escrevo, e em vão pretendo, O gosto de escrever, que vou perdendo.
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