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IX.

Vão os annos descendo, e ja do estio
Ha pouco que passar até o outono:
A fortuna me faz o ingenho frio,

Do qual ja não me jacto, nem me abono.
Os desgostos me vão levando ao rio
Do negro esquecimento, e eterno sono:
Mas, tu me dá que cumpra, o'gran' rainha
Das Musas, co'o que quero á nação minha.

X.

Cantava a bella deusa, que viriam

Do Tejo, pelo mar, que o Gama abrira,
Armadas, que as ribeiras venceriam,
Per onde o Oceano índico suspira:
E que os gentios rêis, que não dariam
A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira
Provariam do braço duro e forte,
Até render-se a elle, ou logo á morte.

XI.

Cantava d'um, que tem nos Malabares
Do summo sacerdócio a dignidade,
Que so por não quebrar co'os singulares
Barões os nós, que dera d'amizade,
Sofrerá suas cidades, e logares

Com ferro, incendios, ira, e crueldade
Ver destruir do Samorim potente,

Que taes odios terá co'a nova gente.

XII.

E canta como la se embarcaria
Em Belem o remédio d'este dano,
Sem saber o que em si ao mar traria
O gran' Pacheco, Achilles lusitano.

O peso sentirão, quando entraria,
O curvo lenho, e o férvido Oceano,

Quando mais n' agua os troncos, que gemerem,
Contra sua natureza se metterem.

XIII.

Mas ja chegado aos fins orientaes,
E deixando em ajuda do gentio
Rei de Cochim com poucos naturaes
Nos braços do salgado e curvo rio;
Desbaratará os Naires infernaes
No passo Cambalão, tornando frio
D'espanto o ardor immenso do Oriente,
Que verá tanto obrar tam pouca gente.

XIV.

Chamará o Samorim mais gente nova;
Virão rêis de Bipur, e de Tanor
Das serras de Narsinga, que alta prova
Estarão promettendo a seu senhor:
Fará que todo o Naire emfim se mova,
Que entre Calecut jaz, e Cananor,
D'ambas as leis imigas, pera a guerra,
Mouros per mar, gentios pela terra.

XV.

E todos outra vez desbaratando,
Per terra e mar, o gran' Pacheco ousado,
A grande multidão, que irá matando,
A todo o Malabar terá admirado.
Commetterá outra vez, não dilatando
O gentio os combates apressado,
Injuriando os seus, fazendo votos

Em vão aos deuses vãos, surdos e immotos.

XVI.

Ja não defenderá somente os passos,
Mas queimar-lhe-ha logares, templos, casas :
Acceso de ira o cão, não vendo lassos
Aquelles que as cidades fazem rasas,
Fará que os seus, da vida pouco escassos,
Commettam o Pacheco, que tem asas,
Per dous passos n' um tempo : mas voando
D'um n'outro, tudo irá desbaratando.

XVII.

Virá alli o Samorim; porque em pessoa
Veja a batalha, e os seus esforce e anime :
Mas um tiro, que com zunido voa,
De sangue o tingirá no andor sublime.
Ja não verá remédio, ou manha boa,
Nem força, que o Pacheco muito estime :
Inventará traições, e vãos venenos;
Mas sempre (o ceo querendo) fará menos.

XVIII.

Que tornará a vez sétima (cantava)
Pelejar co' o invicto e forte Luso,

A quem nenhum trabalho pesa, e aggrava,
Mas comtudo este so o fará confuso :
Trará pera a batalha horrenda e brava,
Machinas de madeiros fóra de uso,

Pera lhe abalroar as caravelas ;

Que até-li vão lhe fôra commettelas.

XIX.

Pela agua levará serras de fogo
Pera abrasar-lhe quanta armada tenha :
Mas a militar arte, e ingenho, logo
Fará ser vã a braveza com que venha.
Nenhum claro Barão no marcio jogo,
Que nas azas da Fama se sustenha,
Chega a este, que a palma a todos toma:
E perdoe-me a illustre Grecia, ou Roma.

XX.

Porque tantas batalhas sustentadas

Com muito pouco mais de cem soldados,
Com tantas manhas, e artes inventadas,
Tantos cães não imbelles profligados;
Ou parecerão fábulas sonhadas,
Ou que os celestes coros invocados
Descerão a ajudal-o, e lhe darão
Esforço, força, ardil e coração.

XXI.

Aquelle que nos campos marathonios
O gran' poder de Dário estrue, e rende;
Ou quem com quatro mil Lacedemonios
O passo de Thermopylas defende;
Nem o mancebo Cocles dos Ausonios,
Que com todo o poder tusco contende
Em defensa da ponte, ou Quinto Fabio,
Foi como este na guerra forte e sabio.

XXII.

Mas n'este passo a nympha o som canoro
Abaixando, fez rouco e entristecido,
Cantando em baixa voz, involta em choro,
O grande esforço mal agradecido.
«O' Belizario (disse) que no coro
Das Musas serás sempre engrandecido;
Se em ti viste abatido o bravo Marte,
Aqui tens com quem podes consolarte!

XXIII.

« Aqui tens companheiro, assi nos feitos,
Como no galardão injusto e duro :
Em ti, e n'elle veremos altos peitos
A baixo estado vir, humilde e escuro :
Morrer nos hospitaes, em pobres leitos,
Os que ao rei, e á lei servem de muro.
Isto fazem os rêis, cuja vontade

Manda mais que a justiça, e que a verdade.

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