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XII.

Aqui os dous companheiros conduzidos
Onde, com este engano, Baccho estava,
Poem em terra os giolhos, e os sentidos
N' aquelle Deus, que o mundo governava.
Os cheiros excellentes, produzidos
Na Panchaia odorífera, queimava
O Thyoneu; e assi, per derradeiro,
O falso deus adora o verdadeiro.

XIII.

Aqui foram de noite agasalhados,
Com todo o bom e honesto tractamento,

Os dous christãos; não vendo que enganados Os tinha o falso e sancto fingimento.

Mas assi como os raios espalhados

Do sol foram no mundo, e n'um momento, Appareceu no rubido horisonte

Da moça de Titão a roxa fronte :

XIV.

Tornam da terra os Mouros co'o recado
Do rei, pera que entrassem, e comsigo
Os dous, que o capitão tinha mandado,
A quem se o rei mostrou sincero amigo :
E sendo o Portuguez certificado

De não haver receio de perigo,

E que gente de Christo em terra havia,
Dentro no salso rio entrar queria.

XV.

Dizem-lhe os que mandou, « que em terra viram Sacras aras, e sacerdote santo;

Que alli se agasalharam, e dormiram,
Em quanto a luz cobriu o escuro manto;
E que no rei, e gentes não sentiram
Senão contentamento, e gosto tanto,
Que não podia certo haver suspeita
N'uma mostra tam clara, e tam perfeita. »

XVI.

Com isto o nobre Gama recebia
Alegremente os Mouros, que subiam :
Que levemente um animo se fia

De mostras, que tam certas pareciam.
A nau da gente perfida se enchia
Deixando a bordo os barcos, que traziam :
Alegres vinham todos; porque creem
Que a presa desejada certa teem.

XVII.

Na terra cautamente apparelhavam
Armas, e munições; que como vissem
Que no rio os navios ancoravam,
N'elles ousadamente se subissem:
E com esta traição determinavam
Que os de Luso de todo destruissem,
E que incautos pagassem d'este geito,
O mal, que em Moçambique tinham feito.

XVIII.

As ancoras tenaces vão levando,
Com a nautica grita costumada;
Da proa as vélas sos ao vento dando,
Inclinam pera a barra abalizada.
Mas a linda Erycina, que guardando
Andava sempre a gente assinalada,
Vendo a cilada grande, e tam secreta,
Voa, do ceo ao mar, como uma seta.

XIX.

Convoca as alvas filhas de Nereu,
Com toda a mais cerulea companhia;
Que, porque no salgado mar nasceu,
Das aguas o poder lhe obedecia :
E propondo-lhe a causa a que desceu,
Com todos junctamente se partia,

Pera estorvar que a armada não chegasse
Aonde pera sempre se acabasse.

XX.

Ja na agua erguendo vão com grande pressa,
Com as argenteas caudas, branca escuma;
Doto co'o peito corta, e atravessa

Com mais furor o mar do que costuma.
Salta Nise, Nerine se arremessa

Per cima da agua crespa, em força suma :
Abrem caminho as ondas encurvadas,
De temor das Nereidas apressadas.

XXI.

Nos hombros de um tritão, com gesto acceso,

Vai a linda Dione furiosa:

Não sente, quem a leva, o doce peso,
De suberbo, com carga tam fermosa :
Ja chegam perto d'onde o vento teso
Enche as vélas da frota bellicosa;
Repartem-se, e rodeiam n' esse instante
As naus ligeiras, que íam per diante.

XXII.

Põe-se a deusa, com outras, em direito
Da proa capitaina ; e alli fechando

O caminho da barra, estão de geito,

Que em vão assopra o vento, a véla inchando :
Poem no madeiro duro o brando peito,
Pera detraz a forte nau forçando;
Outras, em derredor, levando-a estavam,
E da barra inimiga a desviavam.

XXIII.

Quaes pera a cova as próvidas formigas,
Levando o peso grande accommodado,
As forças exercitam, de inimigas
Do inimigo hinverno congelado;
Alli são seus trabalhos, e fadigas;
Alli mostram vigor nunca esperado :
Taes andavam as nymphas estorvando,
A' gente portugueza, o fim nefando.

XXIV.

Torna pera detraz a nau forçada,
A pezar dos que leva, que gritando
Maream vélas; ferve a gente irada,
O leme a um bordo, e a outro atravessando:
O mestre astuto em vão da poppa brada,
Vendo como diante ameaçando

Os estava um marítimo penedo,

Que de quebrar-lhe a nau lhe mette medo.

XXV.

A medonha celeuma se alevanta

No rudo marinheiro, que trabalha;

O grande estrondo a maura gente espanta, Como se vissem horrida batalha :

Não sabem a razão de furia tanta;

Não sabem, n' esta pressa, quem lhe valha;
Cuidam que seus enganos são sabidos,
E que hão de ser, por isso, aqui punidos.

XXVI.

Eil-os subitamente se lançavam
A seus bateis veloces, que traziam ;
Outros em cima o mar alevantavam;
Saltando n' agua, e a nado se acolhiam :
De um bordo, e d' outro subito saltavam;
Que o mêdo os compellia do que viam;
Que antes querem ao mar aventurar-se,
Que nas mãos inimigas entregar-se.

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