« De não sair em terra toda a gente, (Por observar a usada preeminencia) Aindaque me peze estranhamente, Em muito tenho a muita obediencia: Mas, se lh' o regimento não consente, Nem eu consentirei que a excellencia De peitos tam leaes em si desfaça, So porque a meu desejo satisfaça.
« Porêm como a luz crástina chegada Ao mundo for, em minhas almadias Eu irei visitar a forte armada, Que ver tanto desejo, ha tantos dias: E se vier do mar desbaratada, Do furioso vento, e longas vias, Aqui terá, de limpos pensamentos Piloto, munições, e mantimentos. »
Isto disse; e nas aguas se escondia O filho de Latona: e o messageiro Co' a embaixada, alegre, se partia Pera a frota, no seu batel ligeiro. Enchem-se os peitos todos de alegria, Por terem o remedio verdadeiro, Pera acharem a terra, que buscavam ; E assi ledos a noite festejavam.
Não faltam alli os raios de artificio, Os tremulos cometas imitando: Fazem os bombardeiros seu officio, O ceo, a terra, e as ondas atroando. Mostra-se dos Cyclópas o exercicio, Nas bombas, que de fogo estão queimando: Outros com vozes. com que o ceo feriam, Instrumentos altísonos tangiam.
XCI.
Respondem-lhe da terra junctamente, Co' o raio volteando, com zunido; Anda em gyros no ar a roda ardente; Estoura o po sulphúreo escondido. A grita se alevanta ao ceo, da gente; O mar se via em fogos accendido ; E não menos a terra e assi festeja Um ao outro, á maneira de peleja.
Mas ja o ceo inquieto revolvendo, As gentes incitava a seu trabalho; E ja a mãe de Memnôn a luz trazendo, Ao somno longo punha certo atalho: Iam-se as sombras lentas desfazendo Sobre as flores da terra, em frio orvalho; Quando o rei melindano se embarcava A ver a frota, que no mar estava.
Viam-se em derredor ferver as praias Da gente, que a ver so concorre leda: Luzem da fina púrpura as cabaias; Lustram os pannos da tecida seda : Em logar de guerreiras azagaias, E do arco, que os cornos arremeda Da lua, trazem ramos de palmeira; Dos que vencem, coroa verdadeira.
XCIV.
Um batel grande e largo, que toldado Vinha de sedas de diversas cores, Traz o rei de Melinde, acompanhado De nobres de seu reino, e de senhores: Vem de ricos vestidos adornado, Segundo seus costumes, e primores; Na cabeça uma fota guarnecida, De ouro, e de seda, e de algodão tecida.
Cabaia de damasco rico e dino, Da tyria côr, entre elles estimada ; Um collar ao pescoço, de ouro fino, Onde a materia, da obra é superada; C' um resplandor reluze adamantino Na cinta a rica adaga bem lavrada ; Nas alparcas dos pes, emfim de tudo, Cobrem ouro, e aljofar ao veludo.
Com um redondo amparo alto de seda N' uma alta e dourada hastea enxerido, Um ministro á solar quentura veda, Que não offenda, e queime o rei subido. Musica traz na proa, estranha e leda, De aspero som, horríssimo ao ouvido; De trombetas arcadas em redondo, Que sem concerto, fazem rudo estrondo.
Não menos guarnecido o Lusitano, Nos seus bateis, da frota se partia A receber no mar o Melindano, Com lustrosa e honrada companhia. Vestido o Gama vem ao modo hispano; Mas franceza era a roupa que vestia, De setim da adriática Veneza, Carmesi, côr que a gente tanto preza:
De botões d'ouro as mangas véem tomadas, Onde o sol reluzindo a vista cega;
As calças soldadescas recamadas Do metal, que fortuna a tantos nega: E com pontas do mesmo delicadas, Os golpes do gibão ajuncta, e achega; Ao italico modo a aurea espada; Pluma na gorra, um pouco declinada.
Nos de sua companhia se mostrava, Da tincta, que dá o múrice excellente, A varia côr, que os olhos alegrava, E a maneira do trajo differente. Tal o formoso esmalte se notava, Dos vestidos olhados junctamente, Qual apparece o arco rutilante Da bella nympha, filha de Thaumante.
Sonorosas trombetas incitavam
Os animos alegres, resoando:
Dos Mouros os bateis o mar coalhavam, Os toldos pelas aguas arrojando.
As bombardas horrisonas bramavam, Com as nuvens de fumo o sol tomando ; Amiudam-se os brados accendidos; Tapam co' as mãos os Mouros os ouvidos.
Ja no batel entrou do capitão
O rei, que nos seus braços o levava : Elle co' a cortezia, que a razão, (Por ser rei) requeria, lhe fallava. C'umas mostras d' espanto, e admiração, O Mouro o gesto, e o modo lhe notava; Como quem em mui grande estima tinha Gente, que de tam longe á India vinha.
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