E com grandes palavras lhe offerece Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse ; E que, se mantimento lhe fallece, Como se proprio fosse, lh'o pedisse : Diz-lhe mais, « que per fama bem conhece A gente lusitana, sem que a visse; Que ja ouviu dizer, que n' outra terra Com gente de sua lei, tivesse guerra.
« E como per toda Africa se soa,
(Lhe diz) os grandes feitos, que fizeram, Quando n'ella ganharam a coroa
Do reino, onde as Hespéridas viveram: » E com muitas palavras apregoa
O menos, que os de Luso mereceram; E o mais, que pela fama o rei sabia; Mas d' esta sorte o Gama respondia:
« O' tu, que so tiveste piedade, Rei benino, da gente lusitana,
Que com tanta miseria, e adversidade, Dos mares exp'rimenta a furia insana; Aquella alta e divina Eternidade, Que o ceo revolve, e rege a gente humana; (Pois que de ti taes obras recebèmos) Te pague o que nós outros não podemos.
« Tu so, de todos, quantos queima Apolo, Nos recebes em paz do mar profundo : Em ti dos ventos hórridos de Eolo Refugio achamos bom, fido e jucundo. Em quanto apascentar o largo polo As estrellas, e o sol der lume ao mundo, Onde quer que eu viver, com fama, e gloria, Vivirão teus louvores em memoria.
Isto dizendo, os barcos vão remando Pera a frota, que o Mouro ver deseja : Vão as naus uma, e uma rodeando; Porque de todas tudo note, e veja: Mas pera o ceo Vulcano fuzilando, A frota co' as bombardas o festeja; E as trombetas canoras lhe tangiam; Co' os anafis os Mouros respondiam.
Mas despois de ser tudo ja notado Do generoso Mouro, que pasmava, Ouvindo o instrumento inusitado, Que tammanho terror em si mostrava; Mandava estar quieto, e ancorado N' agua o batel ligeiro, que os levava ; Por fallar de vagar co' o forte Gama, Nas cousas, de que tem noticia, e fama.
Em practicas o Mouro differentes Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas e excellentes, Co' o povo havidas, que a Mafoma adora : Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hesperia última, onde mora; Agora pelos povos seus visinhos; Agora pelos humidos caminhos.
<< Mas antes, valeroso capitão, Nos conta (lhe dizia) diligente, Da terra tua o`clima, e região Do mundo onde morais, distinctamente; E assi de vossa antigua geração; E o principio do reino tam potente, Co' os successos das guerras do começo; Que, sem sabel-as, sei que são de preço.
« E assi tambem nos conta dos rodeios Longos, em que te traz o mar irado; Vendo os costumes barbaros alheios Que a nossa Africa ruda tem creado. Conta que agora véem co' os aureos freios Os cavallos, que o carro marchetado, Do novo sol, da fria Aurora trazem:
O vento dorme; o mar, e as ondas jazem.
« E não menos co' o tempo se parece O desejo de ouvir-te o que contares; Que quem ha, que per fama não conhece As obras portuguezas singulares?
Não tanto desviado resplandece De nós o claro sol, pera julgares
Que os Melindanos teem tam rudo peito, Que não estimem muito um grande feito.
« Commetteram suberbos os gigantes, Com guerra vã, o Olympo claro e puro; Tentou Piríthoo, e Théseu, de ignorantes, O reino de Plutão horrendo e escuro: Se houve feitos no mundo tam possantes, Não menos é trabalho illustre e duro, Quanto foi commetter inferno, e ceo, Que outrem commetta a furia de Nereo.
« Queimou o sagrado templo de Diana, Do sutil Ctesiphónio fabricado, Herostrato; por ser da gente humana Conhecido no mundo, e nomeado : Se tambem, com taes obras, nos engana O desejo de um nome avantajado; Mais razão ha que queira eterna gloria, Quem faz obras tam dignas de memoria. »
Agora tu, Calliope, me ensina O que contou ao rei o illustre Gama : Inspira immortal canto, e voz divina, N' este peito mortal, que tanto te ama. Assi o claro inventor da medicina, De quem Orpheu pariste, o' linda dama, Nunca por Daphne, Clycie, ou Leucothoe, Te negue o amor devido, como soe.
Põe tu, nympha, em effeito meu desejo, Como merece a gente lusitana; Que veja, e saiba o mundo que do Tejo O liquor de Aganippe corre, e mana. Deixa as flores de Pindo, que ja vejo Banhar-me Apollo na agua soberana; Senão direi, que tens algum receo Que se escureça o teu querido Orpheo.
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