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XVIII.

« Com Tingitania entesta, e alli parece
Que quer fechar o mar mediterrano,
Onde o sabido Estreito se ennobrece
Co' o extremo trabalho do Thebano:
Com nações differentes se engrandece,
Cercadas com as ondas do Oceano;
Todas de tal nobreza, e tal valor,

Que qualquer d'ellas cuida que é melhor.

XIX.

«Tem o Tarragonez, que se fez claro
Sujeitando Parthénope inquieta;
O Navarro, as Astúrias, que reparo
Ja foram contra a gente mahometa :
Tem o Gallego cauto, e o grande e raro
Castelhano, a quem fez o seu planeta
Restituidor de Hespanha, e senhor d'ella,
Bétis, Leão, Granada, com Castella.

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XX.

Eis-aqui, quasi cume da cabeça

De Europa toda, o reino lusitano;

Onde a terra se acaba, e o mar começa,
E onde Phebo repousa no Oceano:
Este quiz o ceo justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fóra; e la na ardente
Africa estar quieto o não consente.

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« Esta é a ditosa patria minha amada;
A' qual se o ceo me dá, que eu sem perigo
Torne com esta empresa ja acabada
Acabe-se esta luz alli comigo.

Esta foi Lusitania, derivada

De Luso, ou Lysa, que de Baccho antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E n' ella, então, os íncolas primeiros.

XXII.

«D' esta o pastor nasceu, que no seu nome Se ve que de homem forte os feitos teve; Cuja fama ninguem virá que

dome;

Pois a grande de Roma não se atreve:

Esta, o velho, que os filhos proprios come,
Per decreto do ceo, ligeiro e leve,

Veio a fazer no mundo tanta parte,
Creando-a reino illustre, e foi d' est'arte.

XXIII.

<< Um rei, per nome Afonso, foi na Hespanha,
Que fez aos Sarracenos tanta guerra,
Que per armas sanguinas, força, e manha,
A muitos fez perder a vida, e a terra.
Voando d'este rei a fama estranha,
Do herculano Calpe á cáspia serra,
Muitos, pera na guerra esclarecer-se,
Vinham a elle, e á morte offerecer-se.

XXIV.

« E c' um amor intrínseco accendidos
Da fe, mais que das honras populares,
Eram de varias terras conduzidos,
Deixando a patria amada, e proprios lares.
Despois que em feitos altos e subidos
Se mostraram nas armas singulares;
Quiz o famoso Afonso, que obras taes
Levassem premio lino, e dões iguaes.

XXV.

« D'estes Henrique (dizem) que segundo
Filho de um rei de Hungria exp'rimentado,
Portugal houve em sorte, que no mundo
Então não era illustre, nem prezado:
E, pera mais signal d' amor profundo,
Quiz o rei castelhano, que casado
Com Teresa, sua filha, o conde fosse;
E, com ella, das terras tomou posse.

-XXVI.

«Este, despois que contra os descendentes
Da escrava Agar, victórias grandes teve,
Ganhando muitas terras adjacentes,
Fazendo o que a seu forte peito deve:
Em premio d'estes feitos excellentes,
Deu-lhe o supremo Deus, em tempo breve,
Um filho, que illustrasse o nome ufano
Do bellicoso reino lusitano.

XXVII.

<< Ja tinha vindo Henrique da conquista Da cidade hierosólyma sagrada,

E do Jordão a areia tinha vista,

Que viu de Deus a carne em si lavada; Que não tendo Gothfredo a quem resista, Despois de ter Judea sujugada,

Muitos, que n' estas guerras o ajudaram, Pera seus senhorios se tornaram.

XXVIII.

« Quando chegado ao fim de sua idade
O forte e famoso Hungaro extremado,
Forçado da fatal necessidade,

O espiritu deu a quem lh'o tinha dado:
Ficava o filho em tenra mocidade,
Em quem o pae deixava seu traslado ;
Que do mundo os mais fortes igualava ;
Que de tal pae, tal filho se esperava.

XXIX.

« Mas o velho rumor, não sei se errado, (Que em tanta antiguidade nã ha certeza) Conta, que a mãe tomando todo o estado, Do segundo hymeneu não se despreza: O filho orpham deixava desherdado, Dizendo, « que nas terras a grandeza Do senhorio todo so sua era;

Porque, pera casar, seu pae lh' as dera. »

XXX.

« Mas o principe Afonso, que d'est' arte
Se chamava, do avô tomando o nome,
Vendo-se em suas terras não ter parte;
Que a mãe, com seu marido, as manda, e come;
Fervendo-lhe no peito o duro Marte,
Imagina comsigo como as tome:
Revolvidas as causas no conceito,
Ao proposito firme, sigue o effeito.

XXXI.

« De Guimarães o campo se tingia
Co' o sangue proprio da intestina guerra,
Onde a mãe, que tam pouco o parecia,
A seu filho negava o amor, e a terra.
Com elle, posta em campo, ja se via ;
E não ve a suberba o muito que erra
Contra Deus, contra o maternal amor;
Mas n' ella o sensual era o maior.

XXXII.

«O' Progne crua! o' mágica Medea!
Se em vossos proprios filhos vos vingais
Da maldade dos paes, da culpa alhea,
Olhai que inda Teresa pecca mais.
Incontinencia má, cubiça fea,
São as causas d' este erro principais :
Scylla, por uma, mata o velho pai;
Esta, por ambas, contra o filho vai.

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