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VII

A SUA MORTE

morte de Gomes Goelho causou no país a maior consternação.

A obra do romancista infiltrára-se fundo na alma nacional.

Todos a liam e reliam com entusiasmo, sem distinção de classes, e, ainda hoje, passado mais de meio século, é tão nova e tão cheia de actualidade, trás tanta verdade nas descrições e tanta bondade nas personagens, que raros são os que não sentem vontade de a recordar.

O Jornal do Porto, onde pela primeira vez foram publicadas as Pupilas, quando ainda o Pôrto ignorava quem fôsse o seu autor, e que depois publicou também, em primeira mão, Uma Família inglesa e a Morgadinha dos Canaviais, foi o primeiro periódico a dar conta da desoladora nova pela pena elegante de Sousa

Viterbo, a quem se devem algumas e interessantes apreciações da obra do romancista. Dizia assim:

«Aproximam-se as tristezas do outono e às tristezas da natureza ajuntam-se as melancolias do coração.

O país e as boas letras acabam de perder um dos seus mais estimáveis talentos. Joaquim Guilherme Gomes Coelho expirou esta madrugada à uma hora.

«Mais que a nenhum outro jornal do país, ao Jornal do Porto cabe-lhe o dever de derramar uma lágrima de saudade sobre o túmulo do grande romancista. Foi nas colunas do nosso diário que o autor das Pupilas do sr. Reitor principiou a sua brilhante carreira literária.

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«Era com a maior avidez que os nossos leitores seguiam os folhetins do Jornal do Porto, quando êsses folhetins publicavam as pérolas da nossa literatura que se denominamas Pu pilas do sr. Reitor, Uma Família inglesa e a Morgadinha dos Canaviais.ntoor het

«A Providência não quis conceder a Gomes Coelho mais um momento de vida para rever as últimas provas do seu derradeiro romance Os Fidalgos da Casa Mourisca “Que saudades não levaria êle do seu livro!!

Gomes Coelho deixou retratado o seu espí

rito nas páginas suaves, doces, inocentes dos seus romances. Era uma alma singela como as scenas que tão delicadamente descrevia. Observador profundo, enamorava-se do que havia de belo na alma popular e deixava no escuro as misérias que ennegrecem a vida. Compreendia que a literatura tinha uma sacrossanta missão a realizar e nunca manchou a sua pena nas torpezas da comédia humana.»>

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Termina o artigo por enviar a J. J. Pinto Coelho, primo de Júlio Denis e que foi, como Sousa Viterbo, redactor do Jornal do Porto, o testemunho da sua profunda mágoa.

Os Fidalgos da Casa Mourisca, a que Pinto Coelho deu a sua assistência de revisor, acom-. panhando o autor nos últimos tempos da sua vida, já então na rua Costa Cabral, nesse fatigante e aborrecido trabalho, e continuando-o com a mesma solicitude, após a sua morte, saíram a lume meses depois, em Janeiro de 1872. O seu sucesso aproximou-se logo do dos outros romances de Júlio Denis.

Segundo uma notícia que lêmos publicada no jornal Portugal, de 27 de Outubro de 1871, todo o primeiro volume dos Fidalgos foi ainda revisto pelo autor. Quando Júlio Denis morreu, estava pronta a 13.a fôlha do segundo volume e as restantes já compostas.

Dentre os artigos publicados nos jornais da

época a propósito da morte do romancista, alguns há que merecem ser aqui transcritos.

Começaremos por arquivar as palavras que The dedicou Pinheiro Chagas no seu Folhetim do Diário de Noticias. Depois de uma larga divagação romântica, como era próprio da época e do brilhante e florido escritor, diz o seguinte:

«Vendo desbotar-se a verdura, amarelecerem as fôlhas, entristecerem as campinas, murcharem as flores, o agonizante como que imagina que a natureza expira com êle, que o acompanha ao túmulo, e que há de reviver também quando as flores ressurgirem, quando se vestirem de novas galas as árvores, e que há de quebrar a loisa, quando a natureza rasgar a gélida mortalha de inverno.

<«<Expira-se então com um sorriso nos lábios, tem-se pena dos que ficam, porque se imagina que somos nós que lhe roubamos a luz, a verdura, o matiz das rosas e as harmonias das aves. E, quando o ente que morre é um dêstes poetas que viveram em simpáticas relações com os amores e com as flores, Ó! como êle lhes agradece o acompanharem-no na morte, como êle acha bem morrer antes que venha o inverno, como êle julga que a morte não é mais do que uma transplantação da terra para o jardim da imorredoura primavera.

«Gomes Coelho, o poeta das Pupilas e da Morgadinha dos Canaviais, morreu também ao primeiro sôpro do outono. O seu doce espírito, onde se espelharam com tanto primor e tanta verdade os quadros mais suaves da existência, desprendeu-se da terra quando as folhas principiavam a desprender-se das árvores. Êle tinha pela natureza a simpática adoração das almas elevadas. Bem o revelou, criando na Morgadinha dos Canaviais aquele admirável tipo do velho herbanário, que morre porque lhe arrancam as queridas árvores, que são as suas velhas amigas de tantos anos de contemplativa existência.

«Produziu-me uma tristíssima impressão a noticía da morte dêsse pálido moço, a quem falára uma vez, a quem votára desde então a mais viva simpatia pelas elevadas qualidades do seu espírito, pela sua inexcedível modéstia e pelo seu talento, um dos mais robustos e principalmente um dos mais simpáticos da nossa literatura. Eu não gosto de fazer classificações, nem de ordenar por graduação os escritores, mas digo sinceramente que nenhum romancista em Portugal, pouquíssimos romancistas estrangeiros, me cativavam tanto a atenção e me deixavam no espírito tão agradáveis impressões.

«Como me sucede com Octavio Feuillet, com Walter Scott e com bastantes livros de Alexan dre Dumas, eu releio, sempre que posso, com

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