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Estimula-a a que faça as suas cartas sem auxílios estranhos. Por certo lhe era agradável, como psicólogo delicado, ver a espontaneidade dos seus dizeres ingénuos e simples; mas queria, ao mesmo tempo, criar-lhe individualidade, desajudando-a de ensinamentos de outros, a fim de começar a reagir e a lutar por si própria.

Não se esquece de lhe agradecer e pôr em relevo a prontidão das respostas, apresentando-lhe escusas pela demora das suas e pelas faltas em que incorria com a Mamã não sendo assíduo em dár-lhe notícias.

É curiosa a maneira como Júlio Denis lhe comunica a morte da irmã do sr. Mendonça, o sineiro da Igreja de Ovar, dando-lhe a noção do que é um luto: «oito dias destinados a receber visitas de pêsames.» (1)

Não é preciso destacar os variados assuntos que escolhe e os episódios que recorda para deliciar a pequenita. Seria repetir, sem brilho, o que vem exposto nas cartas, tão cheias de particularidades dêste género, em que avulta, pelo colorido da descrição, a fantasia da trovoada (carta terceira) e a recordação da còvinha que Anitas fizera debaixo dos álamos da

(1) O sr. Mendonça, o sineiro, é que provàvelmente não estaria em casa à espera das visitas.

Igreja e que êle foi avivar, relembrando o tempo em que lá se iam sentar os dois.

As cartas têm, além de todos êstes predicados, o valor de uma preciosa documentação sobre a sua estada em Ovar. Dão-nos notas interessantes sobre a vida que levava em casa de sua tia e de aspectos curiosos da vila, alguns dos quais descreveu no seu romance as Pupi

las.

Há, entre tôdas, uma carta, sob o ponto de vista de estudo de costumes, verdadeiramente interessante. É aquela (1) em que êle descreve a maçada da visita de umas senhoras que o não distraíam e em cuja linguagem se abusava dos deminutivos. É vulgar êsse estribilho, chamemos-lhe assim, em tôda aquela região da Beira-Ria. Vão aos maiores excessos. Nadinha, todinho, lòguinho (2), são termos dessa região.

No romance As Pupilas aparece, por vezes, êste provincianismo que Júlio Denis para lá transplantou. A sr.a Josefa da Graça, para citarmos só um exemplo, aquela beata que o romancista retrata, com tão flagrante verdade, no diálogo com o João da Esquina, emprega-o a cada passo.

(1) Carta V.

(2) De nada, todo e logo.

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«- Faz-me favor de me vender duas vélinhas de cera... (1).

E, a seguir: «A casa mais perto é a das pequenas do Meadas, e dessa à minha ainda é um bocadinho.»

Daí a pouco, o comentário do João da Esquina: «Quem havia de dizer que aquela sonsínha da Margarida....

É o o reflexo, no diálogo do romance, dos constantes deminutivos que ouvira às senhoras que o visitavam sem conseguirem interessá-lo nas suas conversas e cujo nome - já faleceram ambas! - não é chamado para o caso.

(1) Júlio Denis, As Pupilas do sr. Reitor, ed. cit., pág. 237, 238 e 259.

X

OUTRAS CARTAS A «ANITAS »

AS outras cartas que se seguem às que acabamos de comentar, e que encontrámos na preciosa colecção que a sr. D. Ana Gomes Coelho da Silva guardou (não sabendo nós se algumas se perderam ou extraviaram), há cinco que me-recem ser igualmente publicadas. As outras deixá-las hemos no escrínio em que dormiram até hoje.

Uma, de 29 de Agosto de 1864, sem indicação da localidade donde foi escrita; outra, a lápis, de Leiria, de 10 de Setembro do mesmo ano; outra, meia a tinta e meia a lápis, da Batalha, de 19 do mesmo mês. São de carácter íntimo e repetem-se nelas os cuidados que sem

pre lhe mereceu a saúde e a educação de sua sobrinha.

Na última carta descreve as suas excursões em tôrno de Leiria e nomeadamente a que fêz a Alcobaça.

«Tenho dormido em casas e camas de muitos jeitos e feitios» — escreve Júlio Denis.

«Antes-de-ontem tomei conhecimento com as pulgas de Alcobaça que julgo são descendentes daquelas que costumavam apoquentar os frades bernardos que viviam naquela vila. Olha que os tais frades sempre era gentinha que possuia uma chaminé onde cabia tôda a casa em que tu

moras.»

Ora aqui está um belo princípio de história que bem podia ser atribuido ao velho cirurgião João Semana...

Passemos à transcrição das que julgamos mais interessantes:

IX

«Anitas

«Escrevo-te hoje sòmente, e é provável que só recebas esta carta quando o Papá (1) rece

(1) O pai de Júlio Denis vivia no Pôrto, ao lado da neta

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