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Basta um exemplo - O carvalho na floresta: (1)

«Havia na floresta um roble cheio de anos,
Vestido de hera anciă, decano entre os decanos
Dos bosques do arredor. Raízes colossais
Prendiam-no à terra; ao ar, descomunais,
Os braços elevava e, ao vê-lo assim, dir-se-ia
Que aos outros vegetais as bênçãos estendia.
Velho, e ainda a primavera o vinha requestar;
O outono desfolhava-o em último lugar;
Opunha ao sol do estio a fronde espêssa e bela;
Respeitava-o, no inverno, o raio da procela.
Viu passar gerações, após de gerações,
Em risos e em pranto, em festas e orações;
Viu crianças pedir-lhe a sombra grata e amena,
Que, amantes ao depois, naquela mesma scena,
Viu a falar d'amor, e no seu tronco abrir
Duas iniciais que liam a sorrir...

Não é menos interessante a sua feição popular em descrições sentimentais. As estrofes que intitula Ao deixar a aldeia — (2) são lágrimas de noiva ou de mulher a rolarem em faces de aldea:

Partes! A longes terras
Vais procurar riqueza;
E eu, morta de tristeza

(1) Júlio Denis, Poesias 1,a ed., pág. 171.

(2) Idem, ibidem, ed. cit., pág. 188.

Fico sòzinha aqui!
Leva-te dêstes montes
Uma ambiciosa idea,
E eu nesta pobre aldeia
Fico pensando em ti.

Tentar fortuna ao longe!
Ó pobre e amado louco !

Não sabes tu que pouco
Basta para ser feliz?

Porque não hás de achá-la

E o bem que assim procuras,
Aqui, entre as verduras,

Do teu e meu país?

Não queremos alongar-nos em citações, tanto mais que algumas vezes teremos que socorrer-nos dos seus poemetos; mas não terminaremos esta referência ao poeta simples que foi Júlio Denis sem recordar as primeiras quadras dessa interessante poesia que êle dedica ao Bom Reitor e em que se sente perpassar a personagem austera e carinhosa do protector das suas Pupilas:

Sabem a história triste

Do bom Reitor?

Mísero tôda a vida

Levou com dor.

Fêz quanto bem podia,

Mas... afinal,

Morre e, na pobre campa,
Nem um sinal.

Nem uma cruz, ao menos,

Se ergue do chão!
Geme-lhe só no túmulo
A viração.

Esta poesia, a que nos referiremos com mais demora no segundo volume dêste trabalho, foi escrita pela mesma época em que trabalhava

no romance.

Alberto Pimentel julga que ela devia ter sido escrita muito antes de ser publicada e alvitra que bem pode ter sido o «germe de que desabrochou» o romance As Pupilas. Não nos parece que assim fôsse. Júlio Denis sentia uma natural tendência em estudar na realidade os tipos dos seus romances. Da realidade e da tradição extraíu êle o seu Reitor. É interessante transcrever, a êste propósito, parte da carta em que êle agradece a Herculano a favorável opinião que lhe manifestou sôbre as Pupilas:

«Mas o primeiro obséquio recebido anima-me a rogar mais um. E que me seja permitido, quando publique em volume o meu romance, fazê-lo aparecer, dedicando-o a V. Ex.a, sob a égide de um nome tão justa e unanimemente respeitado.

«Nisto há uma espécie de restituïção também. Êste romance das Pupilas é a realização dum pensamento, filho da impressão que, desde a idade dos doze anos, tenho recebido das su

cessivas leituras do Pároco de Aldeia. O meu Reitor não fêz mais do que seguir, a passo incerto, as fundas pisadas e o inimitável tipo criado por V. Ex.a».

Júlio Denis só se abalançou, porém, a descrevê-lo quando conseguiu observá-lo, com os dotes e qualidades que idealizou, na pessoa do Cura Dias, com quem conviveu em Ovar e de quem mais tarde nos ocuparemos, e depois de ouvir a descrição da vida, cheia de bondade e abnegação, do velho pároco Monterroso, que lhe inspirou a poesia O Bom Reitor, e uma outra, inédita, A Oração do Reitor, como a seu tempo demonstraremos. Devemos acrescentar que, tendo Júlio Denis publicado várias poesias desde 1860 a 1864, é pouco crí· vel que, tendo feito aquela muito tempo antes, a guardasse ao canto da gavêta, como pensa Alberto Pimentel, até à época em que começou a publicar as cartas a Cecília (1864). Essa poesia foi escrita em 1863 (1).

Júlio Denis também, por vezes, se apresenta como humorista. São dêle três curiosas qua

(1) Vidè, no volume II, os capítulos dedicados ao estudo das origens do romance A Morgadinha e, em espe cial, o capítulo VI. ...

dras em que se troça a homeopatia. Intitula-as Similia Similibus e arquivámo-las aqui para mostrar uma outra facêta do seu talento:

Nova seita proclamaram

De Esculapio os descendentes;
Dão vivas os boticários,

Estremecem os doentes.

Mas que achado! Os velhos médicos
Vêem o passado com mágoa;
Êstes, do novo sistema,

Aquecem água com água.

O fogo apagam com fogo,

Dão vista aos cegos, cegando,
E até p❜ra coroar a obra,

Curam a morte... matando! (1)

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(1) Júlio Denis manifesta-se, por vezes, contra a homeopatia. Nos inéditos do romancista há uma interessante comédia em 1 acto, Similes Similibus, de 1858, em que se troça das dinamizações em trocadilho com indemnizações aos médicos da grei, e em que Tomás Bento, bacharel em direito, doente e adepto do sistema, faz a sua apologia, nestes agressivos termos:

«Sim, a doutrina velha! A medicina hipocrática, à medicina fóssil! Carunchenta! Antifilosófica! A medicina raquítica ! A medicina do contraria contráriís ! Medicina de boticários, de chá de violetas, de cáusticos, de papas-de-linhaça.»>

E segue fazendo o elogio da homeopatia.

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