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professorado médico que abrem facilidades à vida clínica. E Gomes Coelho sabia-o muito bem. Também não acreditamos que êle, aluno classificado, se apresentasse sem estudo a um concurso de tamanha responsabilidade. Devia ter-lhe dado um grande esforço e, como conseqüência dêsse exaustivo trabalho, é que lhe deve ter sobrevindo, poucas horas depois de ter tirado ponto, a hemoptise que o fêz abandonar o seu pôsto.

Eram êsses concorrentes José Carlos Lopes Júnior, Miguel Augusto César de Andrade e Pedro Augusto Dias. Todos chegaram a ser professores da Escola Médico-Cirúrgica, como o foi também Gomes Coelho; mas nesse concurso somente José Carlos Lopes, que foi classificado em primeiro lugar, logrou passar em mérito absoluto, sem favas pretas. Os outros dois concorrentes tiveram-nas na votação, o que levou o correspondente do Pôrto para o Jornal do Comércio (1), de Lisboa, a censurar a Escola nestes termos:

«Um estabelecimento literário de tanta importância deve ter por norma proceder com a mais absoluta justiça. E eu tenho ouvido alta

(1) Jornal do Comércio, de 13 de Maio de 1863, cit. por Maximiano Lemos.

mente censurar esta última parte da votação como bem pouco leal.»

Há aqui um ponto a esclarecer. Maximiano Lemos, citando o Jornal do Comércio, deixa passar sem reparo a seguinte passagem:

«Na véspera devia fazer prelecção o dr. Gomes Coelho. O ponto saíu-lhe Respiração. Ficou êle muito contente por ser um dos que mais lhe agradavam.>>

Ora Gomes Coelho não tirou tal ponto. Informou-nos o professor Pires de Lima, da Faculdade de Medicina do Pôrto e seu bibliotecário, a quem rendemos os nossos melhores agradecimentos por êste e outros esclarecimentos que nos prestou, que consta do Livro de pontos de actos de concurso ter Gomes Coelho tirado, em 16 de Abril de 1863, o seguinte ponto para a sua primeira lição (Fisiologia): Circulação em geral. Oficios do coração e fenómenos respe

ctivos.

Era, pois, sôbre êste tema, e não sôbre Respiração, que devia versar a lição, que não chegou a realizar-se. Sôbre o motivo da falta do candidato lê-se no Livro de Registo dos Concursos, da mesma Faculdade, a seguinte nota:

«No dia dezassete de Abril de mil oitocentos

sessenta e três não teve lugar a lição de Fisiogia do terceiro candidato Joaquim Gilherme Gomes Coelho, porque ainda ontem, pouco depois de ter tirado o ponto, deu parte de que, por motivo de doença, não podia hoje comparecer. O secretário José Alves Moreira de Barros» (1).

Foi depois do acidente hemoptóico, que veio prejudicar o primeiro concurso de Gomes Coelho, que, a instâncias de seu pai e de seu primo Bernardo de Oliveira Ramos, foi passar algum tempo, cêrca de quatro meses, a Ovar, onde tinha uma tia viúva, D. Rosa Zagalo Gomes Coelho.

Êste Bernardo de Oliveira Ramos, que Gomes Coelho tratava por tio, era de Ovar, onde nasceu em 1791, tendo depois ido para o Pôrto, onde se fêz farmaceutico e montou botica, cerca de 1835, na rua do Loureiro. Maximiano Lemos (2) descobriu na Gazeta Médica do Porto (3) um anúncio em que se dizia: -«Na Botica de Bernardo de Oliveira Ramos, do Pôrto, rua do Loureiro, n.oo 69 e 70, fazem-se bôlos de quina do Conde de Terena» - e

(1) Nota fornecida pelo professor Pires de Lima. (2) Obra cit., pág. 32.

(3) N.o 255, de 20 de Outubro de 1852.

acrescentava que, levando os limões doces, se aprontavam com tôda a brevidade possível, por ter a receita impressa.

Eram bem pitorescas estas farmácias de há oitenta anos!

Conclui-se das cartas de Gomes Coelho que êste tio Bernardo de Oliveira Ramos era pessoa que êle tinha em consideração e estima. A-pesar-de estabelecido no Pôrto, não deixava de apregoar as muitas qualidades da sua terra natal, incluindo a de excelente estação climatérica para hécticos.

Deve ter sido a sua indicação uma das determinantes da escolha, e isso se deduz da carta que, em 11 de Maio de 1863, poucos dias depois de chegar a Ovar, escreveu a Custódio Passos:

«Se falares com meu tio Bernardo e êle te preguntar se eu tenho escrito, dize-lhe que sim e que te contei maravilhas da terra. É uma coisa que o lisonjeia e que é de fácil execução.

«Aqui já me valeu simpatias gerais o ter dito, logo que cheguei, que do pouco que tinha visto da vila fizera dela um excelente conceito.

«Ora tendo chegado de noite, eu não tinha visto coisa alguma» (1).

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., vol. II, pág. 166,

Piedosa mentira para satisfazer o feitio bairrista do tio Bernardo que, por certo, se sentia exilado no Pôrto a vender bôlos de quina do Conde de Terena!

O tio Bernardo (1) faleceu em 10 de Novembro de 1873, com 83 anos de idade.

Gomes Coelho voltou ao Pôrto, bastante melhorado, e, independentemente da sua actividade literária, de que falaremos mais tarde, preparou-se para os novos concursos, que não se fizeram esperar.

Foram abertos em 1864 para a secção médica, e parà a secção cirúrgica, realizando-se simultâneamente.

Em 18 de Janeiro começaram a prestar as suas provas os dois concorrentes da secção médica, Pedro Augusto Dias e Joaquim Guilherme Gomes Coelho.

Aproximaram-se os concorrentes e tanto que ambos alcançaram aprovação plena em mérito absoluto.

Em mérito relativo preferiu o júri Pedro Augusto Dias, que foi nomeado por decreto de 14 de Março de 1864 (2).

(1) Era casado com D. Maria de S. José Raimundo, que, pelo nome, deve ser natural de Ovar.

(2) Maximiano Lemos, Gomes Coelho e os Médicos. Pôrto, 1922, pág. 37.

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