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IV

OS CONCURSOS

EIXÁMOS para um capítulo especial algumas considerações sobre os concursos de Gomes Coelho. Referimo-nos àqueles em que levou a final as suas provas, visto que no primeiro a doença o impediu de se apresentar.

Teve, como dissemos, para ponto do seu concurso de 1864, o seguinte assunto:

«Fisiologia, Sciência, Arte, Objecto, Método, Filosofia».

Dêste ponto pudemos haver às mãos um manuscrito de Gomes Coelho que merece algumas referências.

No Livro de registo de concursos da Escola lê-se que, em 19 de Janeiro de 1864, Gomes Coelho procedera à leitura da dissertação a que se seguiu a exposição oral durante uma hora».

O manuscrito deve ser a dissertação sôbre que, em seguida, explanando o assunto, fêz considerações em forma de lição. O ponto era vago, impreciso e fundamentalmente teórico. Nos apontamentos que temos à mão há a duplicação das duas primeiras fôlhas, uma delas bastante emendada. As outras duas, a que se seguem mais páginas, fazem parte da dissertação que, segundo o programa de concursos daquela época, devia ser, em parte, lida ao júri. No sobrescrito onde encontrámos êste documento da vida médica do grande romancista, estão escritas estas palavras: «Dissertação sôbre artes, sciências, fisiologia, etc.» (1).

Gomes Coelho devia ter-se visto um pouco embaraçado para fazer a sua prelecção. Serviu-se para isso das suas qualidades de escritor, que pareciam ser ali mais chamadas a auxiliá-lo do que pròpriamente os seus estudos médicos. Por isso divagou pelas regiões filosóficas e entrou em matéria pedagógica como pa, recia necessário ao encadeamento dos assuntos sôbre que era solicitada a sua opinião:

«Desde o primeiro momento, escreveu Gomes Coelho da sua aparição no globo, o ho

(1) Deve ser letra de seu sobrinho, o almirante Guilherme Gomes Coelho.

mem, pelo uso forçado dos seus sentidos, realizou as suas primeiras observações; a inteligência, com a sua actividade espontânea ou comunicada, formou os primeiros juízos; as sensações internas revelaram-lhe necessidades próprias que o instinto, irresistível e cego, procurou satisfazer. Assim o primeiro homem pode dizer-se o primeiro observador, o primeiro filósofo e o primeiro artista.

«Contudo, forçoso é confessá-lo, só a vaidosa pretenção dos que julgam dever estabelecer a importância hierárquica das sciências na antiguidade da sua origem, é que pode fazer ver nestas noções irregulares e incompletas, nestes actos incoerentes e irreflectidos, a primeira fase histórica de qualquer sciència ou arte.

«Quando as observações se multiplicaram, quando o espírito adquiriu nas suas operações a firmeza e vigor que dá um exercício continuado, uma verdadeira educação, é que os factos adquiridos se catalogaram, e a inteligência pôde reconhecer-lhes a filiação que os prendia, formular leis, e tentar descobrir-lhes a causalidade, construir emfim uma disposição metódica de conhecimentos, uma sciência que é, segundo d'Alembert, a parte inteiramente especulativa dos conhecimentos humanos, a qual se limita a observar um objecto qualquer, a contemplar as suas propriedades.

«Por outro lado as artes, filhas do instinto,

incitado pela necessidade de evitar a dor e procurar o prazer, receberam cedo a influência dêste desenvolvimento adquirido pela razão e vivificado pela sciência e entraram numa nova fase da sua existência.

«Esta influência das sciências sôbre as artes era de prever. A sciência é um esforço para a aquisição da verdade. As Artes um esfôrço para a aquisição do útil ou do agradável. Dão-nos processos práticos para as operações do espírito e do corpo (artes liberais ou mecânicas); e é evidente que não pode haver certeza nestas operações, sem que um conhecimento exacto dos objectos sobre que elas recaem, as preceda. Este conhecimento dão-no-lo as sciências. As artes, por seu lado, pagaram de sobra êstes serviços recebidos, rasgando novos horizontes às conquistas do espírito, multiplicando, por seus instrumentos, o alcance dos sentidos. E assim coadjuvadas umas e outras, progrediram, multiplicaram-se a ponto de romperem os laços sintéticos com que a inteligência as pretendera abranger. Esta aproximação da arte e da sciência foi fecundissima em resultados.

«O papel passivo do observador, que escutava a natureza, transformou-se no do experimentador que a interroga...».

Em seguida a outras considerações gerais, tôdas mais ou menos embuïdas em doutrinas

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