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as sugestões estranhas, é aqui prejudicado pelos factores pessoais em acção que, em geral, alteram e deturpam sintomas fàcilmente reconhecíveis na sua inteira verdade quando friamente observados.

Gomes Coelho chegou a ser optimista. A-pesar das crises hemoptóicas, não hesitou em declarar a Custódio Passos, em carta dirigida de Ovar, que esperava completar a cura da sua doença, que lhe parecia ter sido mais de imaginação do que real. :

Noutra carta, de 11 de Maio de 1863 (1), o seu optimismo não é tão firme.

«Felizmente que já não tenho tido daquelas insónias insuportáveis que, entre vários incómodos que me afligiam, não eram dos meno

res.

«Será radical esta cura? Veremos. >>

Mas em 12 de Junho é categórico:

«Como me acho restabelecido, demorar-me hei aqui mais alguns dias e depois voltarei para o Pôrto, de que tenho já muitas saudades.»

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., tom. II, pág. 173.

Depois começam as dúvidas. Três anos depois, em Outubro de 1866, escreve ao seu amigo:

«Comquanto me não possa dizer pior, julgo prudente, atendendo à persistência da febre e a certo mal estar indefinível...» (1).

Em 2 de Dezembro do mesmo ano, precisa mais as suas condições de saúde:

«Quando me achar mais restabelecido sairei do Pôrto e actualmente a vida que mais me sorri é uma vida bem aldea e bem esquecida do mundo.»

Durante as suas três curas do Funchal só a princípio mandóu notícias optimistas.

Dedicaremos algumas páginas a essa longa derrota em que as esperanças poucas vezes lhe alegraram o espírito e em que as decepções se foram somando de ano para ano. 9.

De 1869, em que, pela primeira vez, arribou à Madeira, até 1871, em que lhe foi fazer as suas despedidas, as impressões comunicadas vão num crescendo trágico da consciência do

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., vol. II, pág. 197:

seu mal. Raramente as ilusões lhe povoaram a alma. Estava, consciente, a dentro dum prognóstico que se ensombrava dia a dia.

Em 1869 saíu do Pôrto para Lisboa, para onde os seus colegas o mandaram com destino aos subúrbios da cidade ou a terras do sul, Setúbal ou Abrantes de preferência, em busca de melhores condições climatéricas que aliviassem o seu mal, sempre crescente.

Em Lisboa ouviu May Figueira, professor ilustre da Escola Médico-Cirúrgica, que, ao tempo, pontificava na clínica da Capital.

Já Gramacho, no Pôrto, com tôda a sua autoridade de clínico emérito, lhe tinha falado na necessidade de uma larga demora na Madeira (dois ou três anos seguidos), mas só May Figueira (1) conseguiu convencê-lo de que a sua estada em Lisboa, ou mesmo nos seus subúrbios, lhe não poderia trazer grandes vantagens. E já que vinha em demanda de ares benéficos para os seus pulmões doentes, melhor era procurá-los na Madeira, uma das estações climatéricas mais recomendadas. Gomes Coelho falou-lhe nos inconvenientes do enjôo; mas May Figueira tranquilizou-o, achando-o até salutar (2). Decidiu-se de pronto e partiu esperançado em

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., tom. II, pag. 217.

(2) Idem, ibid., ed. cit., vol. II. pág. 218.

melhores dias. Seguiu no princípio de Março de 1869.

A sua demora no Funchal foi curta. Em 20 de Maio voltava a Lisboa. Fôra um pouco fora de tempo, e o verão estava à porta. Tinha sido apenas a experiência de dois meses de cura de inverno, que depois repetiria.

Em 23 de Maio escrevia a Custódio Passos:

«Volto melhor, mas volto com tenções de me expatriar de novo no inverno; ainda que me assusta a idea da viagem marítima de enjoativa memória. Decididamente o mar foi feito para os peixes e quejandos e quanto às focas não podem servir de regra aos mamíferos dêste mundo». (1)

As impressões eram boas.

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«A-pesar-de tudo» escrevia Gomes Coelho, (2)- «eu devo ser grato a êste clima que, se me não curou de todo, deu-me mais vigor e mais resolução».

Havia particularidades na vida do Funchal que não lhe agradavam. A bisbilhotice era a

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., tom. II, pág. 226.

(2) Idem, ibid., ed. cit., tom. II pág. 227.

mesma do Pôrto, talvez ainda pior, comentava êle, por se entrar mais pelo íntimo das casas, para assoalhar o que por lá vai.

Também o incomodava a conversa forçada a doenças do peito. Eram para êle um suplício os informes recíprocos dos incidentes sofridos e até das melhoras experimentadas.

Por outro lado, não lhe era possível passear no campo, para onde êle, por certo, desejava. emigrar, devido às «pavorosas subidas que por tôda a parte se encontram».

Mas a perspectiva de melhoras resolveu-o a partir de novo, o que fêz em meados de Outubro de 1869. A viagem foi boa, a-pesar-de ter pago um pouco o «tributo» do enjôo no primeiro dia. Contudo, pôde jantar e almoçar com os mais companheiros.

Durante esse período de cura no Funchal, o seu espírito sofre a evolução do mal que o tortura. Sente-se desalentado para a vida que fazia.

«Se estiver destinado para me demorar cá neste mundo, muito singular terá de ser a minha vida, porque o ano que está a findar tirou-me a aptidão para viver como vivia até àquela época».

Para êle, o clima da Madeira é um lenitivo para os seus sofrimentos, mas nunca o poderá

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