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46279 1925 V. I

Meu caro Egas Moniz

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Em hora malasada entrou consigo a idea de antepor à sua monumental obra um prefácio de minha lavra e firma. Quando me salteou o seu imperioso desejo, trazia as meninges a suar com as misérias da vida oficial e com a urdidura penada de uma memória, recado de encomenda a levar à barra de um conclave cosmopolita de higiene, sobre a febre tifoide nas sete partidas do mundo. Com os lóbulos assim martelados, como havia eu de evocar as cadências `sentimentais das Pupilas e do seu musicador?! Como havia de eterizar os tálamos ópticos até à revivescência luminosa da idealíssima Margarida que iniciou a minha puberdade

no platonismo do amor?! Só o lendário médico de Ovar, a ambular pedestre e equestremente, podia advir à reminiscência de quem, virtudes à parte, se poderá julgar um João Semana, para dentro e para fora de fronteiras, de uma nova espécie desconhecida dos práticos de antano. Que queria v. de mim neste duro momento de labuta e de viático, de rôlo ponderoso de papéis apertado debaixo do braço, e de pé no estribo, não da mula do físico, mas do combóio a apitar?!

Mesmo que me sobejasse vêrga e tempo, mau cesteiro seria para encanastrar a corbelha florida de um prólogo selecto. Outra ossadura vertebral se requere para quem venha erguer a polpa do indicador diante da testada de obra nova; para padre-mestre falta-me a pitada, o aprumo, a reverência. Não possuo juro e herdade na república das letras, oligarquia de magnates e cenáculos que acraveira as nomeadas e di

gnidades escriturais. Laudari a laudato viro. Só a êsses purpurados é lícito traçar a cruz do exconjuro na testa de um recipiendário com o dedo molhado na sua benta saliva. Seria para sorrir que eu assumisse êsse gesto pontifical, e seria até de agoiro-porque um ensaio monográfico que há anos tentei, traspassou o preclaro meio indígena, entrando e saindo sem deixar rasto como o sol pela vidraça.

Com a sua palavra repassada de unção e de sedução quiz-me v. mostrar, como inculca de prefaciador, que de menino e moço me abalancei, médica e não medicamente, a trilhar os invios da história, da arte e da literatura, delitos que a velhice não soube nem quiz corrigir, antes agravou que respirei in illo tempore o ambiente escolar onde pèrpassou como visão efémera o lente Gomes Coelho que emfim rascunhei uns artigos saudosos sobre o escritor da Flor dentre o gêlo, colunas de prosa perdida, que só aos

seus olhos luziram. A melhor razão, a única capaz de abalar a minha renitência, seria a da estima e da amizade que mutuamente professamos. Mas por essa mesma eu devia

escusar-me.

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Porque, meu caro Egas Moniz, isto é caso em que qualquer palavra de apresentação é dissoante não carecem dela nem o monografista, nem o monografado, nem a monografia. A que uma individualidade mental como a sua, se apodere da vida e dos escritos de um dos maiores romancistas nacionais, que desde a sua eclusão tem cativado os olhos e os corações dos leitores, não há senão que bater palmas, e tanto mais que do feito se desempenhou a preceito, como manda o mestre Horácio- ― pulchré, bené, recté. Está-se a ver de onde lhe veiu a paixão desta gloriosa empreitada, executada com aquele amor sem o qual não há obra com préstimo nem grandeza — as raízes psico-morais que se lhe entranharam no espí

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