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teriam? a repetição do pron. interrog. que dá outras tantas orações principaes interrogativas directas; o verbo está só na ultima; a ommissão do verbo nas duas primeiras é a fig. zeugma. Teriam, por terão, no mesmo emprego que o futuro será, acima explicado; exprime existencia duvidosa ou incerta. -Assim como n'este verso 8.o a est. 66 do C. VII

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Saber da gente estranha d'onde vinha,

que costumes, que leis, que terras tinha.

EXTANCIA XLVI

As embarcações eram na maneira
mui veloces, estreitas e compridas ;
as velas, com que veem, eram de esteira
d'umas folhas de palma bem tecidas;
a gente da côr era verdadeira,

que Phaeton nas terras accendidas

ao mundo deu, de ousado e não prudente: o Pado o sabe e Lampetusa o sente.

XLVI

As embarcações na maneira (na forma) eram mui velozes, estreitas e compridas; as velas de uma esteira de folhas de palma bem tecidas; a gente, da verdadeira côr que deu ao mundo nas abrasadas terras, Pháeton, mais ousado que prudente bem o sabe o Pado, bem o sente e chora Lampetusa.

Vs. 1 e 2) — As embarcações eram etc. Descreve o Poeta n'esta estancia os barcos e começa a descrever os que n'elles vinham; na maneira, no modo, na forma; mui veloces, mui velozes, de grande rapidez no andamento; mui, o mesmo que muito (apócope); estreitas e compridas, disposi ção ou forma que contribue para a maior velocidade no andamento dos barcos, cortando melhor as aguas e obedecendo mais facilmente ao impulso do remo ou vela. Estas embarcações se chamam almadias, pangayos e zambucos (João de Barros, Decada I, livro 4, cap. 2.°); o nosso Poeta dá-lhes aquelles dois primeiros nomes, como o veremos adiante; os pangayos e zambucos são maiores que as alınadias.

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Vs. 3 e 4) Com que veem, com as quaes veem navegando. Com, prep., designa meio ou instrumento. Veem, o sujeito é embarcações, expresso no 1.o verso;-eram, por são (enallage), visto o verbo anterior estar tambem no presente;

se

cobre

e

esteira, tecido de junco, de palma, de tabua, etc. com que
se fazem velas de pequenas
sobrado
0
dimensões para navios. D'umas folhas de palma bem
tecidas, isto é, feitas d'umas folhas etc. De, prep., designa
materia; palma, palmeira; tecidas, que se tecem ou entre-

tecem.

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Vs. 5 e 6) A gente da cor era verdadeira. Começa a descripção dos naturaes, a qual continua na est. seguinte (fig. prosopographia (1) ). Diz o Poeta que a gente era negra: encontra-se na fabula que a côr dos negros resultou de quando Phaeton (vid. pag. 18, nota 3), governando mal o carro do Sol, abrazou uma grande parte do mundo e principalmente a Ethiopia (vid. pag. 121).

Vs. 7 e 8)- De ousado. De, prep., designa causa, e é aqui empregado antes do adjectivo para dar realce á qualidade expressa, por este; não prudente, imprudente, descuidado. Pó O Pado, o rio Eridano dos gregos, o rio actualmente, o maior da Italia. Diz o Poeta que o Pado o sabe, isso que aconteceu a Phaeton, porque elle n'esse rio f precipitado por Jupiter, em castigo da sua impericia; diz tambem que Lampetusa o sente porque entre as irmãs de Phaeton, Lampecia, Faetusa e Lampetusa, esta, de dor por o ver perdido, muito chorou a morte d'elle, a ponto que os deuses, compadecidos, a converteram em álamo na margem d'aquelle rio; o mesmo succedeu ás outras irmãs; 0, 0, pron. demonstr. invariavel, equivalendo a isso e referido ao que succedeu a Phaeton. O verso 8.° da est. é saphico, com a accentuação na 4.2, 8.a e 10.2 syllabas; são mais agradaveis ao ouvido e facilmente se conhecem pela sua harmoniosa cadencia.

(1)«Figs. d'estylo», pag. 97. O melhor exemplo de prosopographia contido no poema é a descripção do gigante Adamastor, C. V, 39 € 40.

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ESTANCIA XLVII

De pannos de algodão vinham vestidos,"
de varias côres, brancos e listrados:
uns trazem de redor de si cingidos,
outros em modo airoso sobraçados.
Da cinta para cima veem despidos;
por armas, teem adargas e terçados,.
com 'toucas na cabeça, e navegando,
anafis sonorosos vão tocando.

XLVII

Vinham vestidos de pannos de algodão, de varias côres, brancos e listrados; uns trazem-n'os cingidos ao redor de si, outros sobraçados em modo airoso. Da cintura para cima vinham nus; por armas, trazem adargas e terçados, com toucas na cabeça, e. navegando, vão tocando sonorosos anafis.

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Vs. 1 e 2) De pannos de, etc. Continua a «prosopogra phia». Traziam os naturaes pannos brancos de algodão, listrados ou de varias cores; uns com elles cingidos da cintura para baixo, outros, colhidos airosamente debaixo do braço, cahindo de cima d'um dos hombros para debaixo do outro; que, no resto, vinham nus. Traziam como armas adargas e alfanges, e, na cabeça, como mouros que eram, turbantes; navegando, vinham tangendo alguns instrumentos. De pannos de algodão vinham vestidos, vinham vestidos de pannos de algodão (anastr.) de algodão, a prep. de designa aqui a materia de que uma cousa é feita; algodão, fio ou tecido de algodão; De varias cores, brancos e listrados. Os pannos eram de cores diversas, brancos, ás listras ou riscas. Uns trazem, subentende-se os pannos (zeugma); de redor de si cingidos, postos em volta da cintura;

Vs. 3 e 4)

-airoso, elegante; sobraçado, mettido e preso debaixo do braço, seguro entre o braço e a face lateral do thorax.

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Vs. 5 e 6) Da cinta para cima etc. Em muitas edições vem das cintas; seguimos a licção de F. e Souza, adoptada por Gomes d'Amorim. Diz este (1): «O Poeta quiz dizer que vinham despidos da cintura para cima, e não lhe cabendo cintura no metro, escreveu cinta, porque não consta que antigamente se dissesse cintas, como se cada pessoa tivesse mais d'uma. »-Veem, pronunciado como uma unica syllaba por necessidade da contagem metrica, é a fig. synérese;-despidos, nus. Por armas, a prep. por, aqui, indica qualidade; teem (synérese), usam;-adargas, arma defensiva consistindo n'um escudo oblongo de couro com duas embraçadeiras em que se enfiava o braço e uma abertura onde se mettia dedo pollegar para o segurar, era antigamente usada em Hespanha e Portugal, entre Mouros e Africanos (F. e Roquette, Dicc. de synonymos ;)—terçados, espada curta e larga querendo designar provavelmente o alfange mourisco (synedoque, o genero pela especie).

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Vs. 7 e 8) Toucas, o turbante dos orientaes ; e navegando, e emquanto iam navegando, avançando sobre as aguas. Anafis sonorosos vão tocando, vão tocando sonorosos anafis. Gomes d'Amorim nota (1) que em todas as edições depois de nos versos a cima dizer vinham vestidos, vegm despidos, appareça n'este ultimo vào tocando, como se já se fossem embora os indigenas. Não havendo discordancia nas demais edições, parecendo, porisso, sêr realmente esta a forma escolhida pelo auctor, não nos atrevemos a alteral-a. Vão tocando, conjug. periphrastica; tanto o verbo ir como o verbo vir conjugados como auxiliares com o participio presente d'outro verbo, exprimem a realisação gradual d'uma acção, com o primeiro partindo de nós para fóra, com o segundo partindo de fóra para nós. Anafis, trombetas usadas pelos Mouros, semelhantes na forma a um clarinete (Dicc. contemp.); sonorosos, sonóros, que dão bom som e alto (Id.).

(1) «Os Lusíadas de Luiz de Camões», Tomo 1, pag. 215, Lisboa, 1889.

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