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ESTANCIA L

Comendo, alegremente perguntavam,
pela Arabica lingua, d'onde vinham?
quem eram? de que terra? que buscavam?
ou que partes do mar corrido tinham ?
Os fortes Lusitanos lhe tornavam
as discretas respostas que convinham :
«Os Portuguezes somos, do Occidente,
imos buscando as terras do Oriente».

L

Comendo, alegremente perguntavam em lingua Arabica, d'onde vinham ? quem eram? de que terra? que buscavam? ou que partes do mar tinham corrido? Os fortes Lusitanos lhes volviam as discretas respostas que convinham, dizendo: «Somos os Portuguezes, vimos do Occidente e vamos buscando as terras do Oriente.

Vs. 1 e 2) Comendo, emquanto comiam ;- alegremente, com modo alegre, prazenteiro; pela lingua Arabica, por meio d'essa lingua, em lingua Arabica, que os negros fallavam porque eram mouros. Arabica, da Arabia, arabe.

Vs. 3 e 4). - De que terra? suben tende-se eram (zeugma); Que buscavam? que tratavam de descobrir, de achar, de encontrar. Corrido tinham, tinham corrido (anastr.); corrido, verbo trans., percorrido.

Vs. 5 e 6) Os fortes Lusitanos, os esforçados Portuguezes;-lhe tornavam, lhes volviam; = discretas, prudentes (nas palavras), reservadas, cautelosas, para de qualquer modo não provocarem a animosidade dos seus interlocutores; que convinham, adequadas ás perguntas feitas, mas, sobretudo, ao interesse dos navegantes; subentende-se aqui di

zendo, antes dos dois pontos.

Vs. 7 e 8)-Os Portuguezes somos, etc, imos buscando etc. Assim nas ests. 52 e 64 d'este canto:

E por mandado seu buscando andamos
a terra Oriental que o Indo rega ;

Mas sou da forte Europa bellicosa;
busco as terras da India tão famosa.

e na est. 80 do C. II

Mas da soberba Europa navegando, imos buscando as terras apartadas da India grande e rica, etc. Estes dois versos finaes da chamado discurso directo. vimos, vimos do Occidente. cando, em demanda de (loc. periphrastica (vid. pag. 133).

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presente estancia constituem o
Do Occidente, subentende-se
-bus-
Imos (antiq.), vamos;
prep.); imos buscando, conjug.

ESTANCIA LI

Do mar temos corrido e navegado
toda a parte do Antarctico e Calisto,
toda a costa Africana rodeado;
diversos céus e terras temos visto;
d'um Rei potente somos, tão amado,
tão querido de todos e bemquisto,
que não no largo mar, com leda fronte,
mas no lago entraremos de Acheronte.

LI

Temos corrido e navegado do mar toda a parte do Antarctico e Calisto, rodeado toda a costa Africana, e temos visto terras, ceus, climas diversos. Somos vassallos d'um poderoso Rei, tão bemquisto, amado e querido de todos, que, por elle, não somente entraremos no immenso mar com rosto alegre, senão ainda, por elle, sendo preciso, entrariamos no horrido lago de Acheronte (no inferno).

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Vs. 1 e 2) Corrido, aqui, verbo trans. (compl. obj. toda a parte), percorrido; navegado, tambem aqui verbo trans. (o mesmo compl. obj. do verbo anterior), atravessado. Do Antarctico e Calisto quer dizer (por differente modo do que já disse na est. 27) do Norte ao Sul, entendendo por Antarctico a constellação do sul e por Calisto a do norte, que é a Ursa Maior. Calisto, (myth.) ou Helice, era filha de Lycaon, rei da Arcadia (1), e nympha de Diana. Jupiter, tomando a figura de Diana, a surprehendeu; e reparando a verdadeira Diana na repugnancia que a dita nympha, para ocultar o seu

Arcadia, região montanhosa da Grecia antiga, na parte central do Peloponeso. As suas cidades principaes eram Tegéa, Orchomene e

Mantinéa.

estado, fez em se despir para entrar no banho, a expulsou da sua companhia. Calisto retirou-se para os bosques, onde deu á luz um filho que teve o nome de Arcas. Juno, sempre desvelada em espiar as acções de Jupiter, e inimiga implacavel de todas aquellas que, com ella, podiam ter parte no coração de seu marido, metamorphoseou esta nympha e Arcas, seu filho, em ursos; Jupiter, porem, os collocou no ceu, como duas constellações, sendo Calisto a denominada Ursa Maior e Arcas a Ursa Menor ou o Bootes (ou Boieiro). Ambas essas constellações são compostas de 7 estrellas, quatro formando um quadrilatero irregular e tres, em linha quebrada, como prolongamento d'um dos lados, formando cauda. A ultima da cauda da Ursa Menor descreve, no seu movimento, um pequeno circulo em volta do polo norte, podendo, para os fins praticos, tomar-se pelo polo; denomina-se, porisso, a estrella polar, tambem chamada entre os maritimos a tramontana; d'ahi o dizer-se perder a tramontana, quando se perde o rumo, quando alguem se perturba.

Vs. 3 e 4)-Rodeado, subentende-se temos, expresso no 1.o verso, temos rodeado; rodeado, andado á roda de, percorrido em volta, em vista da configuração da costa Africana, que. os navegantes tinham de tornear quasi por completo, para tomarem o seu rumo em direcção á India. Diversos céus e terras. Ceus está no sentido de climas, e, n'este caso, o adj. verbal visto significa experimentado, embora conserve o sentido proprio relativamente a terras. Desenvolvendo como convem a oração composta, fica: temos experimentado diversos climas e temos visto diversas terras. Terras, regiões, paizes.

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Vs. 5 e 6) D'um Rei potente somos, subentende-se vassallos (subditos), somos vassallos d'um Rei potente ; - potente, poderoso. O mesmo no C. II, est. 80

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Tão amado, e bem assim no verso seguinte, tão querido de todos, e bemquisto, refere-se ao Rei, e subentende-se no principio que é que é tão amado, etc., querido, estimalo.

-De todos, por todos; o agente da passiva designa-se com a prep. por, todavia com grandissimo numero de verbos, mas mais particularmente com todos os que exprimem sentimentos e manifestações de sentimentos, pode tambem empregar-se a prep. de (ser amado de todos; ser reprehendido dos nescios); todos, este adj. usa-se no plural com a ellipse da palavra «homem» referindo-se a toda a especie humana (todos gostam da liberdade), e da palavra «individuos» ou outra semelhante referindo-se a todos os habitantes d'um paiz (como n'esta passagem do poema), ou a todos os individuos de uma corporação ou de um grupo (na assemblea estavam todos enthusiasmados); - bemquisto, querido, estimado geralmente por todos. Estes tres termos amado, querido, bemquisto, significando a mesma ideia, repetida por palavras differentes, para lhe dar mais força, é a fig. de rhetorica denominada «synonymia» (1).

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по

Vs. 7 e 8) Que, conj. consecutiva, correlativa a tão dos vs. 5.o e 6.o; completando o sentido, que, por elle, isto é, por amor d'elle, pela affeição que lhe dedicamos; não, subentende-se somente, e, n'esta altura, tambem entraremos (que não somente entraremos); largo, immenso ;- com leda fronte, com rosto alegre, prazenteiro;mas, senão ainda; completando o sentido, senão ainda, por elle, se fosse preciso; lago entraremos de Acheronte, entraremos no lago de Acheronte. Acheronte, segundo a mythologia, era filho do Sol e da Terra; foi precipitado no Inferno, e ali mudado em lago ou rio, por haver provido de agua os Titans na occasião em que estes declararam guerra a Jupiter. As suas aguas se tornaram enlodadas e amargosas, e é este um dos rios que as sombras dos mortos passavam para nunca mais voltarem;

entraremos, por entrariumos, condiccional que vem depois da oração subentendida, acima dita, se fosse preciso (se não áinda, por elle, se fosse preciso, entrariamos, etc.) Dizem os Portuguezes que, pelo seu Rei, não só entrarão no vasto e perigoso mar, mas até no Inferno, ou, definindo melhor a ideia, na Morte, pois o Acheronte era o rio infernal por onde passavam as almas dos mortos.

(1) «Figs. d'estylo», pag. 21.

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