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-da terra tão remota, subentende-se que buscavam, de que iam em demanda; refere-se á India. Nova, por novas (o sing. pelo plural, syned.), noticias, informações;-de tanto tempo, havia tanto tempo, desde tanto tempo. De, prep., designa tempo desde que. Desejadas eram, com effeito, desde muito tempo, taes noticias e por dois modos se deve entender esta passagem: pelos Reis de Portegal desde D. João I; pelos navegantes, os quaes já havia nove mezes que navegavam sem noticia alguma, até ahi a terem colhido, o que era porventura já desanimador para elles.g

Vs. 5 e 6)

Qualquer, cada um (dos navegantes); comsigo, de si para si;— cuida, pensa, põe-se a reflectir; e nota, e pondera, considera (em imaginação, porque os mouros já não estavam ali presentes); na gente, na existencia d'aquella gente, a de terra, os mouros que tinham vindo a bordo; na maneira desusada, no seu modo, usos e costumes não vulgares, que os portuguezes não estavam costumados a vêr.

Vs. 7 e 8)-E como, e da maneira pela qual;-os que na errada seita ertram, periphrase de mouros, esses a quem o Poeta se refere; errada seita, a de Mafoma, o islamismo, vid. nota (3) da pag. 146; errada, falsa, contraria á verdade; seita, doutrina religiosa, religião; creram, acreditaram, seguiram. Tanto por todo o mundo se estenderam, se estenderam tanto por todo o mundo (hyperbaton). Concorda esta admiração da parte dos portuguezes com que OS Mouros disseram na est. 53, verso 7.o

Que agora tem do mundo o senhorio

Admiravam-se os portuguezes de como gente que não seguia a verdadeira crença tivesse logrado tanto poderio no mundo. Tanto, adverbio, modifica, com a idéa de quantidade, o verbo se estenderam (se espalharam).

ESTANCIA LVIII

Da Lua os claros raios rutilavam
pelas argenteas ondas Neptuninas;
as estrellas os céus acompanhavam,
qual campo revestido de boninas;
os furiosos ventos repousavam
pelas covas escuras peregrinas;
porem da armada a gente vigiava,
como por longo tempo costumava.

LVIII

Os claros raios da Lua rutilavam pelas argenteas ondas Neptuninas; as estrellas acompanhavam os céus, qual campo revestido de boninas; os furiosos ventos repousavam pelas escuras peregrinas covas; porém a gente da armada vigiava, como costumava por longo tempo.

Vs. 1 e 2)-Toda a estancia é a fig. «isocolon» (1). A est. 31 do C. IV offerece outro exemplo d'esta figura. E' tambem uma das especies de «descripção», a hypotypose (2); eguaes exemplos na est. 48 d'este canto, nas ests. 26 e 27 do canto II, na mesma est. 31 do C. IV acima indicada, nas ests. 19 e 20 do C. V. e na 83 do C. IX. Da Lua os claros raios, os claros raios da Lua (anastr.). Claros, luminosos, brilhantes; raios, os traços de luz divergentes que parecem partir de qualquer foco luminoso;-rutilavam, pode ser verbo transitivo no sentido de fazer brilhar vivamente, mostrar luzindo:

Rompia a fusca aurora rutilando signaes de um dia

limpido.

(Gonç. Dias)

mas, n'este logar, é verbo intransitivo, significando resplan

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decer, brilhar. Assim, tambem, na est. 61 do C. VI

Estava sol nas armas rutilando

como em crystal ou rigido diamante;

e ex

-Pelas argenteas ondas Neptuninas. Pelas; a prep. por, aqui, exprimindo derramamento togar onde. tensão em um espaço; -argenteas, argentinas, que são feitas de prata, mas, aqui, está no sentido da côr e luzimento da prata; Neptuninas, de Neptuno (vid pag. 14, nota 3), por maritimas, do mar; é epitheto (1) metonymico (o possuidor pela cousa possuida). No C. IX, est. 49, diz tambem o Poeta

Que vem por cima da agua Neptunina.

( Vs. 3 e 4)As estrellas os ceus acompanhavam, as estrellas acompanhavam os ceus, ordem inversa (anastr.). Acompanhavam, adornavam; os ceus por o ceu (syned., o pl. pelo sing.), veja-se, porém, a explicação ao verso 1.o da est. 21 d'este canto (dos sete ceus, etc.); Qual campo revestido de boninas, é outra especie de descripção, denominada aimagem», e, tambem, uma das especies de comparação, fig. de ornato (2);-revestido, coberto;-boninas (bot.), planta da familia das compostas, tambem chamada «margarida dos prados» (bellis annua). Em Pernambuco e Bahia (Brazil) dá-se este nome á planta que em Portugal tem o nome vulgar de boas-noites (No Pará e no Maranhão chamam-lhe tambem boas-noites, e no Rio de Janeiro maravilha). No C III, est. 134, torna a fazer referencia a esta flor

Assim como a bonina, que cortada

antes do tempo foi, candida e bella,

etc.

Vs. 5 e 6)-Os furiosos ventos repousavam. Os Ventos

(1) Epitheto, palavra qualificativa que se junta a, um substantivo para ornato, ou para tornar mais definida a ideia ou para modificar a accepção d'esta.

(2) «Figs. d'Estylo», pags. 108 e i16.

(myth.) eram divindades secundarias, filhos do Ceu e da Terra, ou, segundo outros, de Astrêo (1) e de Heribéa (2). Eolo era o seu rei e os tinha presos em cavernas. Entre elles havia quatro principaes, a saber: Euro (vento do Oriente), Austro (vento quente do sul), Aquilo, Aquilão ou Boreas (vento frio do norte ou septentrião) e Favonio ou Zephyro (vento do poente); os outros eram Euronoto, Volturno, Subsolano, Caecias, Cauro ou Coro, Africo, Libonoto, etc. Nas expressões furiosos (impetuosos, violentos) e repousavam (descançavam), dá-se a personificação» ou «metaphora personificante» (3). =Pelas escuras covas peregrinas, Pelas; a prep. por desi gna distribuição, dispersão; covas, as cavernas acima ditas, onde Eolo os tinha presos; - peregrinas, longinquas, distantes. Aqui dá-se a fig. «metalepse» (4): pelos antecedentes se conhecem os consequentes, quer dizer o socego dos ventos mostra que o mar era tranquillo e calmo.

Vs. 7 e 8)-Porém, conj. adversativa: tudo que se segue se contrapõe ao sentido dos versos anteriores, isto é, se na natureza o tempo e o ceu e o mar descançavam, no mais completo socego, na armada velava a gente portugueza, não esquecendo todo o cuidado e prevenção no meio da tranquillidade apparente que a cercava;-vigiava, estava desperta, attenta, velava. Como por longo tempo costumava, como havia muito tempo tinham por costume.

(1) Astro (myth,), um dos Titans que combateram contra Jupiter. Era o pae dos Ventos e dos Astros. N'aquella lucta se ajudou com os filhos, os ventos, mas Jupiter os precipitou no fundo das aguas, e Astrêo foi pegado ao ceu e convertido em Astro.

(2) Mãe dos Astros,

(3) «Figs. d'Estylo», pag. 35.
(4) «Figs, d'estylo» pag. 49.

424

O REGEDOR DAS ILHAS VISITA

O GAMA

ESTANCIA LIX

Mas, assim como a Aurora marchetada
os formosos cabellos espalhou

no ceo sereno, abrindo a roxa entrada
ao claro Hyperionio, que acordou,

começa a embandeirar-se toda a armada,
e de toldos alegres se adornou,

por receber com festas e alegria,

o Regedor das ilhas que partia.

LIX

Mas assim como, logo que a matizada Aurora espalhou os seus formosos cabellos no sereno ceo, abrindo a roxa entrada ao claro Hyperionio, que despertou, começa toda a armada a embandeirar-se e a adornar-se com vistosos toldos afim de receber com festas e alegria o Regedor das ilhas, que vinha em direcção aos navios.

Vs. 1 e 2) - Assim como, logo que, apenas. Da mesma maneira na est. 13 do C. II

Mas assim como os raios espalhados

do Sol foram no mundo, e n'um momento
appareceu no rubido horisonte etc.

Aurora (myth.), era a deusa da manhã; presidia ao nascimento do dia, e incumbia-lhe abrir ao Sol as portas do Oriente; marchetada, esmaltada, matizada, pela variedade de côres com que cobre o ceo quando desponta (veja-se o

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