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portuguezes, cheios de admiração, ponderando a no's dade, modo, maneiras e lingua d'aquelles visitantes.

Vs. 3 e 4)-Notando, reparando, attentando, observando; -estrangeiro, singular, estranho, exquisito, extraordinario; -modo, maneira de vestir (Dicc. cont.);-e uso, maneiras, attitude; e a linguagem tão barbara e enleada; linguagem, a lingua, o idioma; barbara, refere-se o Poeta não á lingua indigena mas ao arabe, apesar de conhecida pelos portuguezes, porque os de Moçambique a falavam mal, misturando-a com a dos negros naturaes; porisso, este termo barbara, está aqui no sentido de corrupta; enleada, embrulhada, embaraçada. Linguagem enleada, a que não exprime facilmente o pensamento (Dicc. cont.).

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Vs. 5 e 6)-Tambem, egualmente por seu lado; - astuto, dotado de astucia, ardiloso, artificioso, manhoso;-está confuso, sente-se perplexo. Olhando a cor, o trajo e a forte armada. Olhando a cor, reparava na cor branca dos rostos dos europeus; o trajo, o vestuario; e a forte armada, reparava tambem no tamanho e fortaleza dos navios, grandes e possantes comparativamente com as embarcações de terra e com as que habitualmente elle (o Mouro) estava costumado a vêr.

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Vs. 7 e 8) E perguntando tudo, e ao passo que passo que de todas essas novidades (para elle) ia inquirindo, sobre tudo quanto estranhava ia fazendo perguntas, lhe dizia, lhe perguntava tambem (ao Capitão, isto é, a Vasco da Gama) se por ventura vinham da Turquia. Por ventura, acaso; da Turquia; a prep. de indica proveniencia, logar d'onde. Turquia, o imperio ottomano, então no auge da sua grandeza e dominando na peninsula balkanica, na Asia sul-occidental e no Egypto. Os Mouros cuid vam que os portuguezes eram turcos, como se viu na est. 60(1). Em muitas das edições

(1) «E isto toy emquanto lhe parecia que nós eramos turcos ou mouros de alguma outra parte, porque elles nos perguntavam qué se vinhamos de Torquia, e que lhes mostrasemos os arcos de nosa terra e os

modernas apparece no fim d'este verso um ponto de interrogação. Seguimos a Faria e Sousa e Gomes d'Amorim que o ommittem. Com effeito, o ponto de interrogação justificavase caso a oração fosse interrogativa directa, que não é, mas indirecta (Ex.:-Elle perguntou-me: Gostas de fructa?== ·Elle perguntou-me se eu gostava de fructa). No primeiro caso, não ha inclusão de palavra interrogativa (1), a pergunta está indicada pelo ponto de interrogação; no segundo caso, supprime-se este e insere-se no começo da oração a palavra interrogativa, que, na passagem em que estamos, é o

se.

livros de nosa ley. E depois que souberam que nós eramos christaõos hordenaram de nos tomarem e matarem á treiçam, mas o piloto seu que comnosco levavamos nos descobriu todo o que elles hordenavam de fazer contra nós se o poderam poer em obra».

(Roteiro da Viagem de Vasco da Gama (a), 2.a ed., pag. 29)

(1) Palavra interrogativa (Gramm.) a que na oração indica que ha interrogação (Dicc. cont.).

(a) A relação da primeira viagem de Vasco da Gama foi redigida por um dos seus marinheiros, Alvaro Velho; mas não foi publicada senão nos nossos dias por Kapke e Paiva= Roteiro da Viagem que em descobrimento da India fex D. Vasco da Gama em 1497, Lisboa, 1838; nova ed. 1861; foi trad. em francez por. Eérdinand Denis.

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ESTANCIA LXIII

E mais lhe diz tambem que vêr deseja
os livros de sua lei, preceito ou fé,
para ver se conforme à sua seja,
ou se são dos de Christo, como crê;
e, porque tudo note e tudo veja,

ao Capitão pedia que lhe dê

mostra das fortes armas, de que usavam,
quando co'os inimigos pelejavam.

LXIII

Tambem lhe diz mais o Mouro que deseja ver os livros de sua lei, preceito ou fé, para ver se seja conforme á sua ou se são dos de Christo, como crê; e para que tudo note e veja, pede ao Capitão que lhe dê mostra das fortes armas de que usavam quando pelejavam com os inimigos.

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Vs. 1 e 2)-E mais, e além d'isso; que ver deseja, que deseja ver, compl. obj. de diz. Vêr, examinar; Os livros de sua lei, preceito ou fé. Estava o Mouro com vontade de saber que fórma de Religião, doutrina ou crença (lei, precei to ou fé) seguia esta gente nova ali aportada, e emprega essa variedade de nomes pela variedade tambem de formas religiosas que pelo mundo andam espalhadas. Os livres, os livros sagrados, pelos quaes cada religião segue os competentes dictames ou preceitos: Assim, para o Islasmismo 0 Corão ou Alcorão (1); o Evangelho ou antes os Evangelhos

(1) Corão ou Alcorão (do arabe qor'an, livro), livro sagrado dos musulmanos, redigido por Mahomet e attribuido pelo propheta ao proprio Deus. E' um composto de dogmas e preceitos moraes, que é a base de toda a civilisação musulmana, a origem unica do direito, da moral, da

ma

(1) para a Religião Christã; o Zend-Avesta, codigo e nual lithurgico da Religião Mazdeana ou Mazdeismo (2), os Védas, para a religão Hindu (3), etc.

Vs. 3 e 4)-Para vêr, afim de ver, de examinar, para

administração, etc. O Corão admitte a predestinação (a); estava escripto, diz o arabe quando acontece uma desgraça, mas em contradicção com isso, torna o homem responsavel pelos seus actos.

(1) Os Evangelhos, livro sagrado, composto de quatro narrações, de S. Matheus, S. Marcos, S. Lucas e S. João, que conteem a vida e estabelecem a doutrina de Nosso Senhor Jesus-Christo. Estes, evangelistas, muitas vezes representados, a partir do seculo V. nos mosaicos das antigas basilicas de Roma e de Ravenna (Italia) teem a cabeça cercada d'um resplendor e são acompanhados de figuras symbolicas sobre a significação das quaes os Padres da Egreja (b; nem sempre estão de accordo; S. Matheus tem ao pé de si um mancebo; S. Marcos um leão; S. Lucas um touro; S. João uma aguia.

(2) Mazdeismo, religião dos Iranianos (Médas, Bactrianos, antigos Persas, Parthas, etc.). O Mazdeismo admitte 2 principios: o bom e o mau. Ormazsd (Ahonramazda), o bom principio, criou o mundo e o governa assistido por seis genios superiores e por genios secundarios espalhados pelo universo. O mau principio, Ahriman (Angromani yons), tenta destruir a obra benefica de Ormázsd, assistido de seis genios nocivos e de Daenas (demonios). Os mazdeistas creem que esta lucta acabará fatalmente pela derrota de Ahriman e o triumpho da perfeição. Entre os adeptos d'esta religião, se contam actualmente os Guebros de Bombaim, mais conhecidos pelo nome de Parses.

(3) Védas, os livros sagrados dos Hindus, escriptos no mais antigo dialecto da lingua sanskrita (o Rig, o Yadjur; o Sama e tambem o Atharvan, de composição mais recente). Em uma epocha tão remota que é impossivel determinal-a com precisão, cerca de 300 poetas confundiram as suas inspirações mysticas para com ellas organisar uma obra unica, vasta e mysteriosa: os Védas. Compuzeram no Rig o Rig Veda, o que ha de mais antigo no fundo do pensamento e da palavra dos aryas 40 seculos a J.-C., segundo o philosopho espiritualista allemão Jacobi (1743-1819))-uma serie de tradicções e de symbolos destinados a nunca desapparecer, mas a passar de geração em geração por constantes narrativas até o dia longinquo em que serão transcriptas sobre folhas de pal

(a) Predestinação, doutrina segundo a qual certos homens são de antemão os eleitos e outros os precitos. Determinação immutavel dos acontecimentos futuros,

(b) Padres da Egreja. São em especial assim denominados os doutores e escriptores da primitiva Egreja que succederam aos Apostolos e aos Padres Apostolicos (Ignacio de Antiochia, Clemente de Roma, Polycarpo de Smyrna), esses precursores pela antiguidade da data e exactidão da doutrina. Para facilitar o estudo d'uma parte vastissima e muito importante da litteratura religiosa, estendeu-se a mesma qualificação a todos os grandes dou, tores christãos desde o II.o ao XIII.o seculo.

saber;-se conforme á sua seja, se era conforme á d'elle (Mouro), pois, se eram Turcos, haveria essa, conformidade de crenças com os mouros, como eram esses de Moçambique. Seja, por era; se o Mouro falasse em discurso directo, o conjunctivo presente estaria pelo presente do indicativo (seja por é). As orações interrogativas subordinadas, isto é as interrogativas indirectas (vid. o que dissémos na est. 62 pag. 175) podem ter o verbo no conjunctivo (Ex: A pratica ensina sem difficuldade a conhecer quaes sejam (ou são) as especies cerealiferas mais adequadas aos climas. Gramm. Epiph.) Conforme, concorde, indentica. Ou se são dos de Christo, ou se são da religião de Christo, se pertencem á religião de Christo;-como crê, como suppõe, como deseonfia. Esta expressão como crê, denotando a desconfiança do Mouro, não a teria elle dito a Vasco da Gama, assim como a tenção contida no verso seguinte.

Vs. 5 e 6)--E porque tudo note, etc., e para que tudo note, para notar tudo, tudo possa saber, observando; е tudo veja, e em tudo repare, e nada possa ao seu escapar exame; Ao Capitão pedia que lhe dê, pedia ao Capitão que lhe désse. Pedia, por pede; o preterito imperfeito do indicativo muitas vezes exprime mero desejo on vontade, de cuja satisfação duvidâmos. Ex.:

Queria, se for possivel...lograr minhas cas com minhas queixadas sãs.

(J. Ferr. de Vasconc.-Ulyssipo)

Dê por desse, assim deveria corrigir-se se não houvesse, por

meiras, talvez pelo seculo XII.o da nossa era. Sem o prever, edificaram assim uma obra d'um valor inestimavel, a obra geradora em que a sciencia moderna havia de encontar reunidas, após tantas epochas decorridas: a origem do completo desenvolvimento religioso da India, a chave da mythologia comparada, as bases d'uma litteratura riquissima, a origem commum das crenças, da poesia, dos idiomas, n'uma palavra, da propria civilisação do grupo indo-europeu, d'onde descende o portuguez, pelo ramo greco-latino. Os Védas são considerados como os mais antigos monumentos da litteratura universal; dellas tomou origem toda a enorme litteratura brahamanica, Os Puranas, os Sutras são commentarios d'aquelles livros.

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