ESTANCIA XCIII Tornam victoriosos para a armada XCIII Recolhem-se vencedores, com o despojo da guerra e presa rica, e, a seu prazer, fizeram aguada sem resistencia. Ficavam os mouros molestados e no odio antigo mais accesos que nunca; e, considerando tanto damno, soffrido sem vingança, para se vingarem estribam agora só no segundo en gano. Vs. 1 e 2)-Tornam victoriosos para a armada, os portu guezes recolhem vencedores para bordo dos seus navios; cv'o despojo da guerra, levando comsigo o despojo tomado ao inimigo; despojo, significa tudo o que se toma go, presa; assim ao inimi Mandon D. Alvaro dar a cidade a saque; onde o despojo egualou a victoria. Jac. Freire d'Andrade) E rica presa; presa significa tomadia, apresamento, os objectos tomados ao inimigo Foi a presa maior que a victoria. (Jac. Freire d'Andrade.) De facto é synonymo de despojo. Assim o considera F. e Sousa na sua paraphrase em prosa e Gomes d'Amorim, se bem que este entenda que rica presa talvez se lesse entre parenthesis, como a encarecer o valor do despojo aprehendido: Co'o despojo da guerra (rica preza!) —; não não se atreve, porém, a adoptar esta licção, deixando o verso como elle vem em todas as edições-co'o despojo da guerra e rica presa. Salles de Lencastre interpreta despojo da guerra como significando as armas tomadas ao inimigo, e rica presa os objectos de valor saqueados pela soldadesca; esta licção parece-me a melhor. Rica, valiosa, de grande valor. Vs. 3 e 4)—E vão, a seu prazer, fazer aguada. A seu prazer, a seu gosto, á sua vontade, segundo o seu desejo: Cada qual por seu caminho, cada qual a seu prazer. (Gonç. Dias, Fazer aguada, prover-se de agua doce para as embarcações (vid. pag. 149) Sem achar resistencia nem defeza, entend-se por parte dos habitantes, que todos tinham fugido depois da lucta. Já na est. 90 o Poeta disse A povoação sem muro e sem defeza e quasi o mesmo dirá na est. 46 do C. IV Se lhe derriba aos pés sem ter defeza по Vs. 5 e 6)—Ficava a Maura gente maguada. Maura gente, os mouros; maguada, consternada, abatida de animo; odio antigo mais que nunca accesa (verso saphico), e mais accesa que nunca no odio antigo; no odio antigo, entende-se o do mouro contra o christão, odio de religião, e, porisso, de longa data, e que foi a causa da traição armada contra os nossos ;-mais que nunca, mais do que antes; = accesa, adj. e part. irregular do verbo accender, cuja forma regular é accendido. Os participios regulares são geralmente os que se conjugam com os auxiliares ter e haver (tinha accei tado, tinha livrado, tinha affligido, havia matado, tinha enchido, etc.); os irregulares, porém, como adjs. que são, dizem melhor com os auxiliares ser, estar, andar, ficar, (estava livre, era suspeito, andava afflicto, ficou morto, etc. ); n'este caso, ficava accesa. Dos participios irregulares muitos usamcomo substantivos (captivo sujeito, escripto, impresso, etc.). Accesa, significa excitada (metaph.). se preso, con Vs. 7 e 8)-E vendo sem vingança tanto damno, e siderando que ficava sem vingança tanto damno, subentende-se soffrido por elles (os mouros); somente estriba no segundo engano. Verso saphico. Somente, adv., unicamente, apenas;-estriba, aqui verbo intrans., significando apoiar-se, firmar-se, ter esperança (em); subentende-se n'este ponto agora (somente estriba agora etc. ) no segundo engano, no etc.) outro ardil que tinham já planeado, caso fossem mal succedidos na lucta, isto é facultarem á armada um piloto que os fizesse naufragar. ESTANCIA XCIV Pazes commetter manda arrependido que toda a má tenção no peito encerra, XCIV O Regedor d'aquella iniqua terra envia, como arrependido, a pedir pazes, e não entendiam os Portuguezes que em figura de paz, lhes mandam guerra; porque emfim lhes enviava o piloto promettido (falso, que encerra no peito toda a má tenção para os guiar á morte) como em signal das pazes que tratava. Vs. 1 e 2)-Pazes commetter manda. Manda commetter pazes; suj. o Regedor, do v. 2.° Manda, envia (gente sua a bordo afim de);-Commetter, propôr;-arrependido, com mostras de arrependimento. O Regedor, o que rege, o que governa, isto é, o xeque já referido; - iniqua, perversa, malvada; terra, está em vez de habitantes (metonymia, o inanimado pelo animado.). Vs. 3 e 4)-Sem ser dos Lusitanos entendido, sem ser dos Portuguezes comprehendido, sem os Portuguezes perceberem que etc. Mudando a oração infinita para conjunccional: -sem que fosse entendido dos Lusitanos; dos Lusitanos, pelos Lusitanos. Que em figura de paz lhe manda guerra. Que, conj. integr;-em figura de paz, com mostras de paz, com apparente intuito de conciliação; em, prep., designa mo do. Vs. 5 a 8)-Porque o piloto falso promettido. Nos quatro ultimos versos da est. dá a explicação do que no diz v. 4.0: porque o piloto falso (traidor) promettido e que leva no peito toda a tenção má para os guiar (aos portuguezes) á morte, lhes mandava, como em signal das pazes que tratava. Que toda a má tenção no peito encerra, etc. Assim na est. 86 do C. II E com risonha vista e ledo aspeito etc. Peito, por animo, espirito (metonymia, o concreto pelo abstracto). João de Barros, n'esta passagem das suas Decadas, diz o seguinte: «Ao seguinte dia se partiu (Vasco da Gama), levando comsigo mais verdadeiramente um mortal inimigo, que Piloto », porque realmente este ia com toda a ancia de = Para dar com as naus em sitio onde ellas se perdessem. os guiar á morte, para os encaminhar (aos Portuguezes) em tal paragem onde as embarcações naufragassem e todos de bordo fossem encontrar a morte; The mandava, por lhes mandava; lhes, a elles, aos Lusitanos (isto é, portuguezes) expresso no v. 3. Entre os classicos era vulgar o uso de lhes. Como em signal das pazes que tratava. Como em signal, como penhor; das pazes que tratava; tratava, pac tuava, entabolava, concertava, ajustava, devendo, porém, melhor entender-se pretendia pactuar (entabolar, concertar The por ou ajustar). |