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gue que d'ella rebentou nascera o cavallo Pègaso, o qual, com uma patáda, fez brotar a referida fonte (Myth.), d'onde veio chamar-se-lhe Hipocrene, que vem a ser Hipos, cavallo, e Krene, fonte,-fonte do cavallo. Era consagrada a Apollo e ás Musas (vid. nota (3), pag. 18), pelo que, segundo a crença pagã, os poetas gregos iam ali beber a inspiração. Que não tenham inveja (metaphora personificante), isto é para que este poema não seja inferior aos poemas gregos de Homero a Îlliada e a Odysseia (Vid. nota (4), pag. 20).

ESTANCIA V

Dae-me uma furia grande e sonorosa

e não de agreste avena, on frauta ruda;
mas de tuha canóra, e bellicosa,

que o peito accende, e a côr ao gesto muda.
Dae-me egual canto aos feitos da famosa
gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
que se espalhe e se cante no universo,
se tão sublime preço cabe em verso.

V

Dae-me uma furia grande e sonorosa, e não de avena ou flauta rude e agreste, senão de tuba canora e bellica que o peito accende e muda a côr ao rosto. Dae-me um canto egual aos feitos da famosa gente vossa, que tanto ajuda ao proprio Marte, para que assim ella se espalhe e se cante dignamente no universo, se é possivel caber em verso ou em algum grande poema um preço tão sublime, um valor tão raro ao proprio mundo.

Vs. 1 e 2)

Dae-me uma furia grande e sonorosa. Furia,

furor poetico, estro, enthusiasmo. Pede ás Musas que invoca,

as nymphas do Tejo, que lhe concedam uma grande e bem soante inspiração e enthusiasmo. Sonorosa, sonora, que produza sons harmoniosos, agradaveis, ao ouvido. No 2.° verso, dá-se uma continuação de syllabas longas, que retardam o movimento do discurso. É uma das causas de monotonia, ou vicio contra a variedade (Vid. o nosso Resumo da Theoria da Composição litteraria). Assim, tambem, no verso 3.o da est. XC do canto IV.

D'esta causada já velhice minha

Imitou Camões este logar dos de Virgilio na sua ecloga I tomando o agreste de um e a avena de outro. Calamo permisit agresti, e tenui avena, instrumento pelo qual se entende o estylo humilde, singelo, bucolico, como as eclogas d'estes dois poetas e outras obras lyricas. Agreste, pertencente ou relativo a agro, campo; campestre, rustico Avena (lat. «avena», o caule da aveia, ou do centeio) a canna com furos em que no campo as creanças sopram; flauta pastoril (poet.). Frauta, forma obsoleta de flauta. Ruda, rude, grosseira rustica; mudança da declinação uniforme (rude) para a biforme (rudo, ruda).

Vs. 3 e 4) Tuba, trombeta; canora, que canta, sonora, harmoniosa; bellicosa, que excita á guerra. Canora e bellicosa, estridente e guerreira. Refere-se aqui o poeta ao estylo epico, em opposição ao que diz no verso 2.o - O peito accende e a cor ao gesto muda, é o proprio effeito da trombeta ouvida pela gente militar; isso mesmo faz este poema — que para o caso a trombeta bellica em todos os que o leem com entendimento e espirito, porque para apreciar as cousas, lendo-as, quasi é mister tanto espririto como para as escrever (F. e Souza). E isso que pede que os animos e semblantes se alterem ao ouvil-as é o que Arsistoteles (1) na sua

é

(1) Aristoteles, celebre philosopho grego, nascido em Stagira, na Macedonia;toi preceptor e amigo de Alexandre-Magno e o fundador da

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poetica denominou pathetico (1), requisito que faltando na poesia a torna indigna de tal nome. Assim tambem na est. XXIX do canto IV, mostrando os effeitos da trombeta annunciando a batalha da Aljubarrota e a que se refere a estancia anterior.

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O peito acende (fig. metaphora, e, tambem metonymia, o peito por o animo, o concreto pelo abstracto), inspire enthusiasmo. Gesto, rosto, feições, semblante. Muda a ao cor ao gesto

escola dos peripatheticos. (a) Foi uma das mais vastas intelligencias que teem existido. A sua Historia dos animaes, a sua Rhetorica, a sua Poetica, a sua Politica, a sua Meteorologia, etc. abundam em conceitos profundos e originaes. Durante toda a edade-media foi o oraculo dos philosophos e dos theologos escolasticos, que, de resto, o comprehendiam e o interpretavam mal. Morreu em Chalcis, na Eubéa (ilha do Archipelago, denominada Negroponto pelos navegadores italianos da edade-media), 384 322 a. J.-C. E o auctor d'um grande numero de tratados de logica, de politica, de historia natural, de physica, e que os progressos da sciencia moderna demonstraram o valor. O nome de Aristoteles é a miudo citado como a personificação do espirito philosophico e scientifico.

(1) Pathetico, que move os affectos, que incita as paixões, tocante

commovente,

(a) Peripatheticos, isto é passeantes, discipulos d'Aristoteles, assim denominados porque se reuniam para ouvir as lições do mestre nas salas ou promenoirs (peripatoi) do Lyceu, escola de philosophia fundada por Aristoteles em Athenas.

(fig. hyperbaton), porque faz refluir o sangue do rosto ao coração ou do coração ao rosto.

Vs. 5 e 6) - Dae-me egual canto aos feitos da famosa gente vossa, inspirae-me para que o meu poema seja tão excellente como as acções dos lusitanos. Feitos, acções, emprezas. Famosa, celebre, notavel, que tem grande reputação.

Gente vossa, vossa gente (fig. anastrophe) os habitantes do valle do Tejo, por extensão, os portuguezes; vossa, d'ellas, das Tagides, as nymphas que o poeta está invocando. Que a Marte tanto ajuda. Não se contenta o poeta em que a gente portugueza fosse ajudada de Marte (1) senão que o ajudava a elle. Já mais acima, na est, III. diz

Que eu canto o peito illustre lusitano

a quem Neptuno e Marte obedeceram.

Esta obediencia de Neptuno e Marte, como diz Gomes d'Amorim, tira qualquer duvida sobre a redacção d'este verso 5.o que deve ser assim e não como apparece em certas ediçõesa que Marte tanto ajuda que restringe de muito a importancia e valor que o poeta quer attribuir aos portuguezes. Quando Camões affirma que Neptuno e Marte obedeciam aos portuguezes, é perfeitamente admissivel dizer agora que elles ajudavam ao deus da guerra. Tudo isto, é claro, em sentido figurado (figs. hyperbole e metonymia) para dar mais grande

za aos nossos.

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Que, para que. Se espalhe, como no

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ver

Vs 7 e 8) so 7.o da est. II cantando espalharei se divulgue, se apregôe, se torne publico, afamado. Se cante, como na referida estancia II, se celebre em poesia. No universo, fig. hyperbole Se tão sublime preço cabe em verso, se acções de tão subido preço (tão valorosas) podem ser tão digna e sufficientemente descriptas em verso. Exalta a mais não o valor portuguez monstrando crêr que não caberá em verso,

(1) Vid. nota (2), pag. 17,

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embora tão elevado como o epico, a narração de casos tão famosos; e d'esta forma não faz pouco em ter por maior o assumpto que ha-de cantar do que a voz com que o cantou, ao contrario de Homero (na Illiada e Odysseia (1)) e Virgilio (na Eneida (2)) que, sem ommissão alguma, disseram mais do que haveria a dizer. Confirma o poeta este pensamento na est. V do canto III, dizendo:

Porque de feitos taes, por mais que diga
mais me ha-de ficar mida por dizer.

e na est, LXXI do canto X:

Farão feitos tão dignos de memoria

que não caibam em verso, ou larga historia.

DEDICATORIA A D. SEBASTIÃO

ESTANCIA VI

E vós, oh bem nascida segurança
da Lusitana antigua liberdade,
e não menos certissima esperança
de augmento da pequena Christandade;
vós, oh novo temor da Maura lança,
maravilha fatal da nossa edade,

dada ao mundo por Deus, que todo o munde
para do mundo a Deus dar parte grande;

VI

E vós, oh bem nascida segurança da antiga liberdade lusitana e não menos certissima esperança do augmento da pe

(1) Vid. nota (4), pag. 20.

(2) Vid. nota (5), pag. 20.

L

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