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Sobre a explicação do titulo do nosso grande poema epico, que alguns interpretam como sendo Filhos ou descendentes de Luso damos a que nos parece mais acceitavel, por mais clara e justa.

A palavra Lusiada (1) contem duas cousas: uma, o argumento geral e outra o titulo do poema.

Quanto ao argumento, representa a navegação dos portuguezes os lusos-desde a ultima região do Occidente, onde é a sua patria, a essa outra opposta, onde é o Oriente, sendo o heroe singular d'aquella acção e do canto o celebre Vasco da Gama. É certo que em Lusiada não se inclue toda esta ideia, aqui desenvolvida; mas, representando o suffixo adaacção-Lusiada, será pois a acção dos lusos, referido portanto, áquella de que o poema trata e que nós acima dissemos. Isto, com respeito ao argumento da obra.

Quanto ao titulo em si, o poeta escolheu-o á imitação de Homero, que ao seu primeiro poema chamou Illiada, por ter escripto sobre os Troyanos, cuja capital era Illion, que vulgarmente se chama Troya; e ao segundo Ulysseia por tratar de Ulysses; e de Virgilio, que escrevendo sobre Eneas, chamou Eneida á sua obra; e de Nonno, que, sobre Baccho, escreveu a Dyonisiaca; e de Staccio, que áquella acção

(1) Assim vinha nas primeiras edições.

dos dois irmãos em Thebas chamou Thebaida, e depois Achilleida á de Achilles; -e de Jeronimo Vida, que, ás acções de Christo, chamou Christiadas. Posteriormente, Ronsard denominou Franciada ao seu poema que deixou começado, e Voltaire Henriada ao seu em que trata de Henrique IV, rei de França. Assim outros, formando cada um o titulo, ou bem do heroe que elle celebra, ou bem da gente, ou bem da terra, ou bem da materia. O nosso, formou-o com o nome da gente, como logo se vê na est. I do canto I:

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E, quanto á mudança de titulo para Lusiadas, comprehende-se tambem, porque o poema não só canta, como acção principal, o descobrimento do caminho maritimo para a India, mas ainda os heroicos feitos dós portuguezes em todos os tempos, desde a fundação da monarchia. E sendo assim, justo era o titulo viesse no plural.

CANTO I

ARGUMENTO (1)

Fazem concilio os Deuses na alta corte,
oppõe-se Baccho á Lusitana gente,
favorece-a Venus e Mavorte,

e em Moçambique lança o ferreo dente.
Depois de aqui mostrar sem braço forte
destruindo e matando juntamente,

torna as partes buscar da rôxa Aurora,
e chegando a Mombaça surge fóra.

Navegam os portuguezes em demanda dos mares orientaes, emquanto sobre esta navegação se reunem os deuses em concilo. Chegam a Moçambique. Ao regedor da terra apparece Baccho sob a figura de um velho, seu valido, e o persuade a que destrua os navegantes dentro do porto, o que elle intenta fazer; mas, desbaratados os mouros, seguem viagem os portugueses, passam por Quiloa e surgem em Mombaça.

(1) Argumento, aqui, significa summario, exposição resumida de cada

canto.

PROPOSIÇÃO (')

I

As Armas e os Barões assignalados, (2)
que, da Occidental praia lusitana;
por mares nunca d'antes navegados,
passaram ainda além da Taprobana, Chelny
e em perigos e guerras esforçados,
mais do que promettia a força humana,
entre gente remota edificaram,
novo reino que tanto sublimaram ;

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E tambem as memorias gloriosas
d'aquelles Reis que foram dilatando
a Fé, o Imperio, e as terras viciosas
de Africa e de Asia andaram devastando ;
e aquelles que por obras valerosas

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se vão da lei da morte libertando
cantando espalharei por toda parte

se a tanto me ajudar o engenho e arte

(1) Proposição (Rhet.) parte do discurso ou da composição onde se apresenta e expõe o assumpto que se pretende provar, estabelecer, discutir, contar, ensinar ou descrever. (Vid, o nosso Resumo da Theoria de composição litteraria).

(2) O poema dos "Lusíadas", em 10 cantos, è todo elle composto em estancias de 8 versos decasyllabos cada estancia. A rima é consoante, isto è ha correspondencia dos sons finaes, contados desde o ultimo accento predominante para o fim.

O verso, cada um de per si, é agudo, grave ou esdruxulo, conforme o accento predominante incide na ultima, penultima ou na antepenulti

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