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Victoria

dos Portu guefes.

17 Fez logo o P.dàr final à prègaçam,à qual acudio a cidade toda,& co tal fervor os animou, mostrãdolhe q nam só perigava naquella occasiam a hōra de Portugal,mas tābe a Religiam Catholica, que as palavras do Padre foram fetas,que penetraram os coraçoens daquelles esforçados Portuguefes; fahem todos deliberados, & apoftados á jornada, vamse a casa, tomam as armas,faltam nos nauios que estavam aparelhados, embarcase tambem com elles o Padre Gonçalo,pera que entendesem que nam sò o haviam de ter por prégador em terra, mas també por companheyro no perigo; chegam ao porto de Chaul;defembarcaram naquella praya tantos Portugueses, quantos nunca fe tinham visto na India juntos, nam lhes faltou mais q a occafiam de peleyjar, porque

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fruytos, & muy gloriofos os trabalhos do Padre Gonçalo da Sylveyra na India, muytos cs'gentios que bautizou em Goa,em Coulam,& em Dâmam, & em outras partes, muytos os Portuguefes que me

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col. Godin. in eius vita

c.11. & 12. idea de viris

P. Eufeb. in

illuftrib. Sachin. l. 1. n. 55. & 1.3. n. 112.&fæpe alibi.

o Melique em fabedo da muy-lhorou, comolargamente fe co-Vide P.Ni-
ta gente que estava conduzida,
concebeo grande medo, & le-
vantando o cerco, que já tinha
pofto,fugio com grande afron-
ta fua,& credito noffo: confef-
fando todos que ao Padre Gō-
çalo deviam esta victoria, que
por fer obra de tam grande fer-
vo de Deos, elle a quiz dar aos
Portugueses com honra, mas
fem fangue: & com tam boa
fortuna como a de Cefar, pois
tanto que chegaram, logo ven-

ceram.

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ta na hiftoria de fua vida, &
pelos mais autores noffos, que
contam as coufas mais infignes,
que Deos foy fervido obrar na
India,por meyo dos noflos Re-
ligiofos. Porèm o grande efpiri-
to do Padre Gonçalo jà abafa-
va em Goa,jà nam cabia na In-
dia,nam fe fatisfazia de gover-
nos,quem so queria obedecer, Dosdefejos
nais defejava bautizar gentios, que tinha
que governar religiofos, mais de padecer
queria andar pelos matos da
Cafraria, que habitar na (ci-
dade,

muytos tra balhos.

1

dade,& morar na corte. E como tinha os penhores do martyrio, que temos dito, continuamente o inftimulavam eftes vivos defejos de morrer por Chrifto. Pedio a Deos que lhe concedeffe por grande favor, levalo a alguma missàm a mais trabalhofa que ouveffe em toa gentilidade. E como por tal entam fe reprefentasse` a dos Câfres de Ethiopia; esta pretendéo com tantas véras, que em nenhuma outra coufa fallava com mayor affecto,& atè aos noviços pedia, que lhes encomendaffem a Deos efta fua pretēçam, & lhe alcançaffem o bom defpacho, que defejavam.

2 Sam os Cafres huas gentes, que habitam na Ethiopia, Dafebreve a que Ptolomeo chama a manoticia dos yor, cahem pera a parte AufCafres,&tral de Africa, junto ao cabo da Cafia de boa Efperança. Foy elta

ria.

nòva Ethiopia descuberta pelos Portugueses, porque os geo. graphos antigos nenhuma noticia della tiveram; tem terras vaftiffimas, cheyas de infinitas gentes, as mais barbaras, & as mais fafáras, & as mais fèras, qué vivem em toda a Africa; chamam commummente a ef tas gentes Càfres,que quer dizer gente fem ley,nem ha nome que melhor lhes poffa quadrar, porque nenhua ley guar Jam,nem com Deos,nein có o homes,pois atè a ley natural, &

b

b

fignarú eft

fuper nos lu

men vultus tui domine:

odictane da rezam, que he o lume da face divina, que o Propheta diz,que o Senhor efta- Pfal.4. n. 7. pou em noflas almas, nelles parêce, que totalmente està apagado,& efcurecido. Os Portugueles, affim como commummente chamam a eftes pòvos Câfres, affim chamam a estas regioês Càfraría. Os Reys, os Regulos, por eftas partes há, fam muytos em numero, o mayor em riquezas, & em poder hè o de Monopotâpa, em cuja parte occidental cahe o; Reynos de Cōgo, Loango, Angola, & outros muytos:& pera a parte oriétal se eltende tanto efta vastissima regiam de Monomo-1.p.lib.2.c. tàpa,que te,como diffemos, na primeira parte fetecentas legoas de circuito.

27.num.4.

Há muyto

3 He efte Emperador muy Do grande rico,& em feu poder eftam as poder do mais ricas minas de ouro, q pa- Rey de Morece ha no mundo todo, como nomotapa. nos cotam os Portuguefes,qem noffos tepos foram ally a fazer ouro nacá novos descubrimētos ; & como fraria. be fabe os das noffas fortalezas de Sofála,Tete,Sena, & Moçãbique,q te o trato,&os refgates dos Rios de Cuamas. Acho efcrito, por mais de duzetas, & Gondiçalılı fincoenta legoas fe eftendem 2.cap.io. as terras por onde hà estas minas de ouro; que ou a natureza se quiz aqui inoftrar muy liberal, ou nos quiz enfinar a defprezar o ouro, pois com tanta

N 3 abun

C

In vita Pat.

abundancia o deo a quem o nam fabe eftimar:fenam he que nos quiz dar a entender, que na verdade nam fam os melhores aquelles que pofsùem os mayores thefouros, pois vemos quam prodiga fe moftrou, dando a mayor copia de ouro à peor gente do mundo. Os rios levam muyta copia de ouro em fuas correntes; o principal he Cuama, o qual fendo muy poderofo defcarrega, & vaza fuas augoas no grande Oceano Oriental. Nos mesmos troncos das arvores tal vez fe acham veas de ouro, que muytos teriam pela melhor, & mais faborola fruyta do mundo. Querem algus que a Rainha Saba ( da qual conta a efcritura fagrada, que do fim da terra veyo a vifitar a Salamamd) aqui nestas minas carregou os feus camel-gus ficam no alto, morrem enlos de ouro. Porque como diz o noffo infigne Hiftoriador Ioàm de Barros, e os Principes lib.1o. c. de Ethyopia fuperior (donde era a Rainha Sabà)eram fenhores deftas minas. E fe efta adivinhaçam he certa,largamente tinha donde à vontade tirar, & levar ouro,pera dar em Ierufalem, & pera repartir por toda Iudèa. E fe os antigos tiveffem alguma noticia defta grand: natural.hift. fertilidade de ouro, que ha em C:4 veque Monopotapa, nam diria Pliin alia parte nio, f que o noflo Portugal, & as terras de Afturia eram as

mais ferteis deste metal.

4 Porèm, porque nam Sam eftas cuydèmos,que quem tem ouro, terrasmuy tem logo tudo,he esta regiâm, eftereis. nos lugares aonde le dà o ouro, muy esteril,& muy falta de mãtimentos,& do mais que he neceffario pera a vida humana: que affim quiz Deos nofso senhor temperar as cousas dest mudo,dādo a hus o ouro, & cô folando a outros com lhes dàr mantimentos. Os capos em que neftas regioens fe dá o ouro, eftàm cercados de montan has muy altas,mas muyto mais alta he a cubiça que là sobe, & lá o vay defenterrar; porèm també com feu rifco; porque ainda q eftas terras eftám entre a linha, & o tropico de Capricorno, cô tudo pelo inverno he tanta a nève naquellas ferras, que le al

d

Lib.3. Keg. cap.10.

Ioam de Bar rós Dec. 1

f

Plin. lib. 2.

terraru tot

acu s ea

fertilitas.

g

Gen.3.n.24.

Collocauit ante paradi

fum volup

tatis Cherubim,& fla

regelados: . & pelo veràm, he
por aquella regiám tam vehe-
mente o cálor, que com grande
difficuldade fe chega lá, que pa-
rèce que efte he aquelle mon-
tante de fogo,com que o Che-
rubins defendia que nam en-
traffem os homens a lograr as
riquezas do Paraifo terreal. E
geralmente fallando o terre- meum gla-
nho deftas regioens, he feco,ostodiendam
àres doentios, as calmas arden- viam,&c.
tilimas, & emfim pera o dizer
em huma palavra,he a Cafratia
toda digna morada de tais ha-
bitadores, como fam eftes ne-
gros

dium ad cuf

Das muytas gentes,

que te efte Rey.

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5 Tem com tudo o Rcy de Monopotapa grande poder, & com muyta facilidade ajunta logo cem mil homens, pera a guerra, porque como eltes feus foldados efcufam veftidos, & nam veftem armas,fam muy to faceis de ajuntar, & pera peleyjarem àligeyra, lhes bafta hū arco,& frechas, com qualquer modo de efpada. Pera goarda de fua peffoa cuftuma de ordinario ter trinta mil Cafres; & menos bastavam, fe eftes Reys foffem mais amados de feus pòvos(que nam ha melhor goarda,que a do amor;) antes como diffe o outro antigo ao feu 8 Emperador Trajano: g Debalde ad Traianu. Se quer cercar de armas, quem nam Fruftra fe andar cercado de charidade. Porém cuncinxe-todos elles, affimo Rey, como rit, qui fepos vaffallos, affim os archeyros, como o Emperador, lam gente barbara,& brutal, fem conhecimento de Deos, nem religiam alguma; &,pera ainda as difficuldades de os domefticar fere mayores, tem alguma noticia dos erros Mahometanos, com que ficam com muyto roim mistura, ajuntando a barbaria de Gentios, com a malicia de Mouros.

Plin.in Pan.

terrore cir

tus charitate non eft.

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Corte,& cidade principal Tōga)o qual dista da linha Equinoccial vinte & tres graos; & em tudo o mais he femelhante a todos os outros Reynos,& terras da Cáfraria. O filho defte Rey,veyo a Moçan bique, & ouvindo ally fallardas coufas de noffa fancta Fè,foy Deos fervido de o tocar de maneyra, que com grande instancia pedio ó Bautifmo. Era naquelle tem- Bautizafe po capitam de Sofala Sebaftiam o filho do de Sâ de Menefes, irmàm de Rey deToConde de Penaguiam, & filhe 34, de Ioam Rodrigues de Sá de Menefes, & de Dona Camill de Noronha, no qual fidalgo resplandeciam em grao muy fubido a nobreza do fangue illuftre,o esforço do braço Portuguès, & a piedade do zelo Christam; conforme a eftas boas partes acu dio logo com grande diligencia a cste Bautismo, fazendoo celebrar com as melhores feftas,& mayores demonftraçoens, que lhe foy poffivel.

7 Tam fatis feito ficou efte Princepe,que voltando pera fuas terras, deo aos feus naturaes grandes novas das honras que os Portugueses lhe fizeram, & tantos bens contou dos mysterios de nolla fan&ta Fè, que perfuadio ao pay mandafle pedir a Moçambique quem o pudeffe bautizar. Avizou difto o zelofo Capitam ao . Viforrey da N 4

India,

missam da Cafraria. !

India,que jáentam era D. Con-| ftantino de Bragança, filho do Duque Dom laymes (o qual focedeo a Francifco Barreto de Lima) & tinha com elle o Padre Gonçalo grande entrada, nas cousas da converfam dos gentios, por caufa da grande piedade,de que fempre foy dotado efte excellentifsimo Viforrey,o qual encomendou logo elta empresa ao Padre Antonio de Quadros Provincial da India, que, tinha fuccedido

a refoluçam tam apertada com que dizia,que fenam faheria sẽ levar o despacho da petiçam, The pareceo ao Provincial, que em negar a tal licença ao Padre refiftia ao efpirito divino; & affim lha deo liberal; a qual havida se partio logo pera a sua Cafraria, porque nam queria dilatar o bom logro do favor, que por meyo de tantas lagrimas alcançára.

ao Padre Gonçalo da Sylveyra: CAPITVLO XXXV. aceytoù a offerta o Provincial, como de coufa tam propria da Companhia. Communicou o negocio com Deos, & com o

Padre D. Ioam Nunes Barreto Patriarcha de Ethiopia,que entam estava em Goa,como verèmos adiante.

8

Andando o Provincial nefta deliberaçam, por fer de tanta importancia,eys que lhe bate à porta, & entra pelo apoPède o P fento o Padre Gonçalo, & lanGoçalo, &çado de joelhos a feus pes, lhe alcança a pede com muytas lagrimas de devaçam,& com notaveis jubilos de fervorofos defejos, da falvaçam das almas, que o mande à mifsàm dos Cafres. Em ninguem menos cuydava naquelle tempo o Padre Provincial, que no Padre Gonçalo, pera o haver de mandar a tam trabalhofa, & perigofa mifsàm; porêm vendo a inftancia do Padre, &

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Das rezoens que podia haver, pera fe conceder efta missàm ao Padre Gonçalo da Sylveyra: contafe brevemente sua jornada, o muyto que fez, & padeceo,afsim nos caminhos,

I

como dentro na Ca-
fraria.

Vem confiderar com olhos humanos a licença que em Portugal deo

noffo Sancto Padre Ignacio ao Padre Gonçalo pera á India, & a que na India lhe concedeo o Padre Provincial Antonio de Quadros pera hir á Cafraria, julgará huma, & outra refoluçam por menos acertada, pois largàram pera a India o que fo-l

bre

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