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bre todos era estimado em Portugal, & deyxáram hir morrer na Cafraria o que mais era pera viver nas cortes. Nam tinham estas Provincias melhor fogeyto, nem na nobreza pera nos authorizar,nem na virtude pera nos fanctificar,nem em letras pera nos acreditar, nem mais prudente pera nos governar. Nam havia quem melhor foubeffe atrahir os animos dos nobres,& as vontades do povo: era emfim o Padre Gonçalo o fogeyto de melhores talentos pera todos os ministerios daCopanhia; & era a missàm da Cafraria a mais trabalhosa, & a mais arriscada, por rezàm da terra que he muy afpera, & por caufa da gente que he muy to féra.

2. Eftas rezoens folicitam nas gentes de fòra grandes efpantos de haver caufas bastantes, pera motivar tal refoluçam, com que entregàram os Padres desta Provincia com tanta facilidade ao arbitrio das ondas tempeftuofas do már, o que lobre todos devia de fer eftimado na terra, & em làrgarem âs fèras da Cafraria, o que era mais digno dos mimos da cidade. Porém fe confiderarmos esta acçam com olhos fuperiores, acharemos, que foy ifto mais effeyto de favor divino, que refoluçam de traça humina; porque aos que Deos mis

?

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b

Apoc.c. ro. n.2. Et pofuit pedem fuù dextrú finiarum au tem super

fuper mare,

terram.

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Ifaiæ c. 52. n.7. Quam

per montes

&c.

3 Aquelle Anjo do Apocalypfe que reprefentáva o Verbo Eterno, tinha o pè direyto fobre o màr, &o efquerdo fobre a terra; por eftes pès entendem os fagrados Doutores aos pregadores do Evange. lho, porque com eftes fermofos pés,como lhes chamou Ifayas.c correo o mundo, anunciando a pulchri fupaz,& prégando o Evangelho; pedes euanpois deftes prègadores o pé gelizantiů, direyro poz elle fobre o mâr: Pofuit pedem fuum dextrum Super mare, o efquerdo fobre a terra, Siniftrum autem fuper terram, pera nos dár a entender, diz Rupertod Abbade, que aos pregadores de mais fer, aos demelhores talentos,aos de mais graça, & mais destreza, pedem dextrum, a effes manda que vam a nave- cùm autem gar fobre o mar,fuper mare: nam confia Deos a converfam da iufsit prægentilidade de gente commua

& ordi

d

Rup. ibi ad locu Apoc. res cofirina

Prædicato

tos in mare

gentiúmifit,

efsent in.f.r

ni in ludæa

dicare.

1

lhores fam

& ordinaria,nam quer que paf fem o mar, fenam os (difcipulos mais amados, fecuti funt eum difcipuli eius, os pregadores mais a famados,os talentos mais prezados, os fogeytos de melhores partes,os meftres mais deftros, pedem dextrum. Eftes fam os que Deos efcolhe pera as emprezas mais perigofas do már da gentilidade.

4

os mais dos annos, vemos hir defta Provincia pera a India,os fogeytos de mayor eftima, os irmãos em que viamos mais bē fundadas as esperanças, os Padres de mais conhecido governo,os Doutores de melhores letras, a eftes manda a Companhia pera a India, deftes confia Deos a entrada no màr, a estes entrega a converfam da China, pera eftes fe afiam as catanas Iaponezas, eftes fam os que nam temem as tempeftades do Oceano, os que buscam os tormentos do martyrio, & os que melhor defprezam as fogueyras,& as covas do lapàm ; nam fam ifto eleyçoens humanas, fam predefiniçoens divinas.

Affi fuccede na Compa-
Na Cōpanhia, he bēçã particular desta
nhia os me fagrada religiam,que os melho-
os q vam res fogeytos, & em quem efta-
pera a In- vam mais bem libradas as mais
dia. vivas esperanças defta provin-
cia,eftes fam os primeyros que
pedem hir pera a India, eftes
a India, eftes
fam aos que os fuperiores con
cedem, entre muytos opofito-
res, efte,que elles tem por inco-
paravel favor.começou esta no-
bre acçam no principio da Co-||
panhia porS.Frácifco de Xavier;
nam hà duvida que entre os
companheyros de Sancto Igna
cio efte era o mais bem avalia-
do, pelos muytos, & raros tale-
tos de virtude de letras, & no-
breza,que Deos nelle tinha re-
cupilados,efte era o mais pre-
zado, & eftimado de Sacto Ig.
nacio,efte o que mais lhe tinha
cuftado; pois este, deyxandompresa."
os mais em terra, entrega San-
&to Ignacio às mifsoes do mar.
Efte fancto cultume tambem
principiado, vemos continuar
ate o

b

Frid.c

o tempo de agora, em que

fe

5 Soposta esta verdade menos nos fica que eftranhar de ver hir pera a Cafraria o P. Gonçalo da Sylveyra,de ver pultar entre fombras de ignorancia a hum folde fabidoria: quanto a missâm era mais perigofa, tanto the ficava ao fan&to mais gostofa, quanto mais trabalhofa, tanto mais estimada; & quanto o Padre Gonçalo era o mais prefadona India, & o mais querido em Portugal, tanto mais fe lhe devia esta

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rogPartiofefemfim o Padre Gonçalo da Sylvyra pera esta fua tam fufpirada mifsàm com dous companheyros, que foram o Padre Andrè Fernandes, & 0

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Em Moça bique fe ex

ercita o P.

em obras de ferviço

de Deos.

irmam André da Cofta, Reli-panheyros ao Rey, que foram
giofos de muyta virtude, & ze- delle muy bem recebidos. Sa-
lo da falvaçam das almas: che- rou o Padre, partiose logo, &
gou a Chaul,aonde achou hua
inftruido na Fé o Rey, & todos
nao,na qual hia pera Capitam os de fua cafa,os bautizou, cha-
de Sofala Pantaleam de Si ( ir- mandolhe no bautifmo Conf-
mam de Sebastiam de Sà de
tantino, ein memoria do Vi-
Menefes a quem hia foceder forrey Dom Conftantino: logo
no cargo, & tinha parentefco
fe voltou aMoçambique a pre-
com o Padre Gonçalo) & como pararfe pera entrar em Mono-
tam horado, lhe fez toda a boa
motapa, deyxando os compa-
paffagem atè Moçambique; na nheyros em Tonga pera con-
qual viagem tiveram huma fu- tinuarem em cultivar aquella
bita,& horrivel tempestade, de nova Christandade.
que parece os livrou Deos por
7 E por nam perder oc-
interceffoens defte feu grande cafiam que fe lhe offereceo:
fervo. Em quanto o Padre ef tratou de partir logo só,porque
perava por embarcaçam pera aquelle espirito parece que nao
Monomotapa, & Tonga, con- podia ter igoal, que o pudeffe
tinuou com os mesmos exerci-
feguir,& que o pudeffe aturar.
cios que fazia em Goa; & po- Grandifsimos foram os traba-
dendo efperar mais hus dias pe- lhos que venceo neftes cami-
la nao em que havia de hit a nhos, navegando por muytos
Sofâla Panteleam de Sá,tanto q màres, entrando por rios muy
se lhe offereceo a ocasiam de perigofos,padecendo fomes, fo-
poder fahir em hum jambuco, frendo muytas fedes; tudo com
(que he hum genero de embar- animo tam valente, com vont a-
caçam incomodiffima de que de tam affectuofa, & com hum
fe ufam naquellas partes) nam exterior tam alegre, que elle
quiz esperar mais nem hum so
era o que ani nava, & ajudava
momento, porque ainda que as aos Portuguefes, que com elle
difficuldades da jornada eram caminhavam;cõfundindofe elle
remerofas, & as incomodidades
muyto de ver que
ver que elles por rel-
da embarcaçam muytas, & o peyto de ganhos temporaes,
calor do Sol muy grande; com fofriam todas aquelles incomo-
tudo mayor era o efpirito defte didades;& com éfta confidera-
incanfavel prègador de Chrif çam, parece que se envergonha-
to. Adoeceo graviffimamente va de nam padecer muyto mais:
em chegando a Tonga; man- porém bastante campo achou
dou entre tanto diante feus co-aqui este forte matenedor, pera

entrar

Dos muytos traba

lhos q pa

deceo.

entrar naquelles tam defejados
defafios com os trabalhos, com
as difficuldades, com os ardores
do Sol, com a barbaria, com a
gentilidade, com os Mouros, co
as fomes,com as fedes, com os
inferno todo, & com a mefma
morte. Entrou por varios Rey-
nos da Cafraria, bautizando, &
doutrinando muytas gentes,
convertendo muytos milhares
de almas,atè que chegou a Mo-
nomorapa, que foy demandar,
por fer o Reyno principal da-
quellas regioens; porque bauti-

augoa; & fem em todos estes dias fallar com nenhum dos da embarcaçam, que igoalmente hiam edificados, & admirados daquelle feu fanéto paflageyro, que afsim orava metido na confufám de huma navėta, como fe eftiveffe retirado na Thebayda fuperior; que na verdade aonde o efpirito he grande nunca falta occafiam pera o poder exercitar com Deos, & retirar dos homens.

zado aquelle Rey ficava mais CAPITVLO XXXVI.
facil a converfam, & bautifmo
dos outros Reys da Cafraria, q
The fam tributarios.

8 Tanto que chegou à Como fere foz do rio Cuama (que ja he exercicios nos confins de Monomorapa)

colheo em

Prega a Fé em Monomotapa, bautiza o Rey, & a Rainba fua mãy: tratam os Mouros

dentro na pedio aos Portuguefes, que per-de lhe dar a morte, & como fe embarca- initiffein deyxalo retirar delles os dias

cam.

que reftavám da navegaçam, porque queria tratar sò com Deos aparelhandofe pera dár áquelle Rey a embayxada, que da parte do melmo Deos lhe trazia ; logo fazendo huma como cortina de hum pedaço de vèla, esteve desta maneyra retirado em fanctos exercicios, por espaço de oito dias, em oraçam com Deos,& o tempo que The restava da oraçam gastava em ler vidas de fanctos,fem comer mais que huma vez no dia hua mam chea de grãos torrados,& beber huma pouca de

1

aparelhou o fervo do Se-
nbor, pera a rece-
ber.

Am pretendo nefta hiftoria mais

que tocar breve

mente a moite

o

gloriofa defte incomparave!
varam (como fiz relatando a
lo Padre Ignacio de Azevedo)
deyxando o mais,
affim pera
anno, em que foredeo, como
pera a historia da India, que
nos nam pertence, & ainda
pera

3

pera

efte pouco tomamos a licença attento, visto ser o Padre

feytiços,q lhe tinha começado
a dár co a augoa do bautifmo,&

Gonçalo da Sylveyra filho de-co as palavras delle. Enganado

P.Nic. God. fta Provincia. Chegado a pois

in eius vita lib.2.c.11.

b

P.Sachin.in

he

o Padre a Monomotapa, que o Reyno, principal de toda a Cafraria,com fua fancta induftria,& gloriofos trabalhos (que fe contam em a fua vida, & na hift.gen.lib. Chronica bgèral da Compa5. n.219. nhia) teve com aquelle Rey(ao qual tambem chamam Monomotapa)grande entrada por via de algus Portugueses, entre os quaes havia hũ chamado Antonio Cayado, que tinha muyta amifade,& toda a valia com efte barbaro,& era o feu prefidete, & como guarda môr de todos os pòrtos, & entradas de feu Reyno. Viose o Padre com Comobautizou oRey o Rey,prègoulhe, & praticoude Mono- lhe a Fé de Chrifto a elle, & a toda fua corte,&finalmete o bau tizou coaRainha fua mãy,& co | muytos dos feus mayoraes, & grade numero de gête do povo.

motapa.

Conjurafe cotra P.

os Mouros

2 Nam pode o inimigo comum fofrer tam gloriofos progreffos, inftigou a hus Mouros, como adverfarios declarados de noffa fancta Fè,pera fazerẽ matar ao sãcto varâm,& defta maneyra impedire a prégaçam do Evagelho. Vamfe ao Rey, taes arreloados lhe fizeram(quando

affim oRey barbaro,&mudadofelhe logo o amor de Chrifto, em odio infernal, obrou como Cafre,q era fem ley, & fem nenhua cóftancia no bẽ, tambem começado. Mandou chamar a cõfelho os Engangas (que affim chamam aos Mouros) & afsetáram,qo P.foffe morto. Efta refoluçam guardou elRey cofigo em tato fegredo q o nam quiz defcubrir a feu valido Antonio Cayado: mas o que o Rey nam diffe ao feu privado, declarou Deos ao feu fervo, & affim quãdo menos o cuydava Antonio Cayado,lhe disse o P. Eu fey q elRey me ha de mandar matar, mas estou muy alvoroçado pera receber por amor de Deos tambem avêturado fim; ficou o Portugues muy novo, & muy efpatado co efte dito do P. pretendeo perfuadilo,q nam podia fer tal;mas o P.lhe diffe q nam fe cafaffe,qelle fabia, qaffim era. Foy elle logo ao Paço pera ver q fun damento podia ter oq o P.contra o que imaginava,com taes vèras lhe dizia; & fallando co o Rey, entĕdeo ý os Mouros inimigos de Chrifto o tinham enganado,contra o fervo do Se

com felices principios hia lan-nhor,Be pudèra o P.porte é fal-
çando tam boas raizes) o per-
fuadiram,q o Padre lhe preten
dia tomar o Reyno por via de

vo,mas como havia de fugir do
martyrio 4 via perto, quẽ có ta-
tas anfias obufcava de tam lõge?

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