Imagens das páginas
PDF
ePub

Anno de

cepes mais enredados em cafos duriChristo de dofos. E ao que dizeis que he coftume 1556. de fua Alteza levantar a cargos, & dignidades mais honrofas a feus confeßores,nam temais, que contra voffa vontade, & da Companhia,o faça, pois he pay de toda ella; & ainda que andar na corte vos feja cruz, levaya com paciencia,porque defpondofe as cousas por meyo da fanita obediencia,nam podereis duvidar,que hirám defpoftas coforme aobeneplacito divino, que he o q pertendeis, todos devemos perten- tava,& via; & der,em qualquer lugar, occupacam, que tivermos. A outras cousas nam respondo,mas sò esta peço à divina bōdade de a todos de fua divina graça, pera que fempre fintamos fua divina vontade, & perfeytamente a cumpramos. De Roma 9. de Agosto de 1552.

bir a Ro

ma.

ΙΟ Continuou o P. Luis Gonçalves na corte, atê o cafamento do Princepe Dom Ioám Ocafiam á com a Princefa Dona Ioanna, teve pera filha do Emperador Carlos V. & entam antes da morte do Princepe(que focedeo em Dezembro de mil quinhentos fincoenta & tres, oyto mefes & meyo depois do dito recebimeto) foy o Padre Luis Gonçalves Roma,pelas rezoés que atraz apontamos nefta fegunda par1.p.1.4.c.11. te. ally teve grandes occafioes pera tratar, & converfar muy em particular co noflo glorioso Patriarcha Ignacio, porque foy miniftro,ou fuperior da cafaRomana, & todos os dias fe ajun

Anno da

tavam por largo elpaço a prati-
car efpiritualmente, coula que Copanhia
elle muyto defejava pera notar 17.
os exemplos de tal Sancto, &
beber naquella puriffima fonte
as agoas mais cristalinas da vir-
tude mais qualificada, que no,
tava,& co particular reflexam
advertia, & admirava em varám
tam admiravel,de que nos dey-
xou efcrito hum memorial, &
como diario do que nelle no-
tava,& via; até que em Outu-
bro de mil quinhentos fincoeta
& finco,o mandou noflo Sãcto
Padre por Vifitador a Portugal,
& nos acudio à mudança do
Collegio de fima,como vimos;
& começando a exercitar efte
cargo,levou Deos pera fy a nof
fo Sancto Padre Ignacio, como
veremos,& foy eleyto o mefmo
Padre pera hir a Roma,à Con-
gregaçam gèral, a que fe achou
prefente, na qual o elegèram
por Affiftete de Portugal, fendo
fegundo géral o P. M. Diogo
Laines.

II Nam pode porêm o P.
Luis Gonçalves aturar nefta
fua occupaçam, todo o tempo
do Padre Laines, porqué tratã-
do a fereniffima Rainha Dona
Catherina, & o Cardeal Infan-
te de dár mestre a elRey Dom
Sebaftiám (cujo nafcimento foy
no anno de mil quinhentos fin-
coenta & quatro, a vinte de la-
neyro, dia do gloriofo martyr
Sam Sebaftiâm) pera que na.
quella

como tornou a Portugal afer metre del

Rey.

quella tenra idade o enfinaffe, & inftruiffe em coftumes dignos de fua real pefloa. Efcolheo ella ao Padre Luis! Gonçalves da Camara,por affim the ficar muy encommendado del Rey feu marido, & fenhor, & pera fe effeytuar efte decreto real, efcrevco ao. Padre Diogo Laines fegundo geral, pedindolhe a elle, & a toda a Coinpanhia, quizeffem licencear ao Padre, Luis Gonçalves da Camara do cargo de Affiften. te, pera poder tomar o de mestre delRey Dom Sebaftiam feu

neto.. i? Chip

[ocr errors]

12

mem de muyta prudencia, de
grande capacidade, & conhe-
cimento de negoceos; tinha
condiçam muy amavel, & era
finalmente em tudo mestre
digniffimo de hum difcipulo
Rey.

CAPITVLO XXXXVII.

Começa o Padre Luis Gon-
çalves o officio de mestre del-
Rey Dom Sebaftiam; dafe al-
guma noticia da doutrina,
boa criaçam que
lhe dava.

I

Om efta obedienComo fe cia partio de Ro- aplicou a ma o Padre Luis fer mestre Göçalves,& che- delRey.

Notaveis foram as 'repugnancias, & grandes as diligencias que fez o Padre Luis Gonçalves, pera que o efcufaf fem desta honra; até que finalmente fe lhe mandou em virtude da fancta obediencia, que aceytaffe aquella occupaçam pera a qual tinha todas as boas Boas par partes que fe podiam defejar tes que ti em hum tal meftre, porque à nhà pera lem de fer muy illuftre em fanfer meftre gue, era religiofo de grande delRey. virtude, muy erudito nas fciencias divinas, muy douto nas le tras humanas ; & como tinha estado por muyto : tempo em Valença, em França, em Ro-lo, no qual,como era de belif ma,& em Africa, fabia muytas fimo natural, faziam grande lingoas, a Francefa, a Italiana, impreffam os fanctos avilos, & a Helpanhola, & Africana, â- prudentes documentos de tam lem da Latina, Grega, & He- bom'meftre, que hia formanbrayca: & fobre tudo era ho-do aquella tenra idade, na ver

gou a Lisboa no anno de mil
quinhentos fincoenta & nove,
& logo no feguinte, fendo jâ el-
Rey Dom Sebaftiàm de idade
de feis ânnos & meyo, come-
çou o Padre Luis Gonçalves a
fazer o officio de meftre del
Rey, com notavel aplicaçam,
& zelo do bem de tal difcipu-

[blocks in formation]

Depedecia

te de Deos.

3

b

dadeyra, & catholica doutri-zes, & donde ha de tomar for-
na, criavao no zelo da justiça,
inftruhiao no amor da mife-
ricordia, affeyçoavao a toda
piedade, enfinavao a fer
liberal, & grandiofo, como
Rey, & nam fer efperdiçaf-
for, & perdido, como prodi-
go: moftravalhe por exemplos
da fagrada escritura,& hiftorias
de Reys fanctos, quanto depen-
de o estado, & felicidade dos
Reys, & fenhores da terra, da
perfeyta fogeyçam, & vaflalla-
gem, que em tudo devem re-
conhecer ao foberano Rey da
gloria,de cuja mám tem o pra-
lo dos bens, que neste mundo
poffuem, & de cuja liberalida-
de efperam o comprimento das
promeffas, que no outro de-
lejam.

ças, pera fe eftender, florecer,
& fortificar; que affim o'alcan-
çou Platam biso com o lume Plain Tya
natural, dizendo que a arvore
do homem tinha as raizes no
céo, de quem em tudo depen-
dia, lo que muy em particolar
fe ha de verificar em hum
Rey,pelas rezoens que aponta-
mos. £....

2 Nefta conformidade lhe os Reys enfinava que ninguem depende mais de Deos, que aquelle, de quem muytos dependem,pelo continuo focorro, & favor do cèo, de que muyto neceffi ta, pera le confervar a fy, & reger aos outros. Nem pòde huma arvore tam grande,como he hum Rey (reprefentada em fonhos a Nabuchodonozor, & explicada em vigia porDaniel) dilatar feus ramos, a tam dif Dan..n.8. tantes partes, emparar com fua fombra tantos povos, manter em justiça tanta gente, sem eftar bem arreygada, & firme no cèo, no qual ha de ter as rai

lidade.

C

tam Epif.7.

Fiant iltera,reiba burnez, & fuis nominibus appel lentur,ludat ludus ipfe ineis, vt & erudicio fit.

xex, vele-i

3 E perà que com mayor Traças facilidade podeffe efte real dil-fou pera cipulo em fua tenra idade a- enfinar c prender as primeyras letras,ufa- mais faci va da prudente industria, que Sam Ieronymo dava a Leta Hier.adlz(Matrona de rara virtude, na creaçam de fua filha Paula ) à qual, pera feaffeyçoar ás letras, lhe madava fazer as do A.B.C. em huns comp bilros de marfim, pera que defde crianfinha, folgando com as letras, lhe vie fe a faber os nomes: & eftes brincos lhe ferviflem de erudiçam; de maneyra que juntamente jugaffe pera le aliviar, & eftudaffe pera le aproveytar : & com efte fuave engano, quando o Rey cuydava que tinha brincado, fahia doutrinado. Com efta melma engenhofa traça lhe ordenava, que os trefladados, & materias, por onde elRey havia de aprender a ler & elcrever, foffem de fen-' tenças judiciofas, & de exemplos muy efcolhidos, pera que no mesmo tempo exercital

fe

mento.

& >

fe a mâm na efcritura cultivaffe a alma na boa doutrina. Tinha tambem grande cuydado em advertir qué eram os mininos fidalgos com quem tratava, porque he certo q mais fe pegam em femelhante idade os modos daquelles com quem nos criamos, que os coftumes daquelles de quem nafce

mos.

[ocr errors]

5 Entendiam bem os cortefaos,quanto gosto lhe davam em femelhantes praticas, & af fim quem melhor lhe queria grangear a vontade, lhe vinha dar por alvitre (que eftes eram os que entam admitia aquelle bom Rey) que o Senhor havia de hir a tal enfermo, que fe podia fua Alteza aparelhar, pera o fahir acompanhar: nem acode o fronteyro de Africa com mais diligencia ao repique do fino que deo a atalaya, do que era a preffa com que elRey fahia ao final da campainha do Senhor.

4 Com tam bom mestre, Devaçam & com tam folida doutrina hia que elRey elRey crefcendo na idade,& catinha ao da vez mais hia aproveytando Sanctifsi mo Sacra- na piedade: & muy em efpecial na devaçam aoSãctiffimoSacrameto da Eucharistia, & gostava tanto de o acompanhar,q nam sò quando a caso na rua o encontrava,fe apeava,& punha de joelhos,ainda q foffe na lama,& o acompanhava a pé, & defcuberto,pofto que foffe longe, & a muytas partes, mas tambem mandava dante mâm faber das freguefias,fe havia o Senhor de hir fôra a algum enfermo, pera ohir co a corte acompanhar.E era tanto o gofto, que tinha nesta devota acçam,& trazia niftoria, pois o efperavam jà havia os fentidos tam occupados, que muyto tempo; nam ferâ afsim, conhecia de muy longe a cammuy longe a cam- refpondeo,porque nam hey de painha,com que le dâ final a fa- fahir de cala sem as rezar, pelas nam deyxar pera a noyte. Af fim o fez, tornoule a recolher,

Rezava o

6 Tinha por devaçam rezar o officio divino, & por ne- officio di. nhuma occupaçam o deyxava. vino. Eftando em Almeyrim, tendo mandado aparelhar pera hir à caça,lhe deram recado, que eltávam os fidalgos efperando, & os cavallos preparados; fahio ellé com muyto alvoroço, & hindo jà na falla de fóra, lhe lembrou,que tinha vefporas por rezar, diffe o feu Camareyro, que depois que vieffe as reza

hir fóra o Sanctiffimo Sacrame-
to, & a sabia distinguir entre
outras muytas,que o verdadey-rezou as vefporas, & depois
ro amor tem os ouvidos muy
efpertos, & tem os olhos muy
limpos.

[ocr errors]

foy à caça;pelo que també pode
efte exemplo fervir de confu-
sâm, aos que tendo por officio

[ocr errors][merged small]

rezar o officio,andam negoceã- |
do de dia, & goardam a reza
pera a candeya.

7 Defta mefma boa cria-
çam the nafceo a grande deva-
Era muy cam,& fingular amor que tinha
devoto da
á Virgem Maria Senhora nofla;
Virge Se-
nhora. aos Sabbados ouvia duas mif-
fas,hua em publico,outra no feu
oratorio,&a efta ordinariamere
ajudava, nam sô sendo minino,
mas tambem depois de ter o
governo;hũa vez o fez eftando
fangrado do mefmo dia, por
mais que
The refiftie o P. Ama-

Devaçam,

cia ao Su no Ponti

dor Rabello (que era o compa-
nheyro do Padre Luis Gonçal-
ves, que o enfipava a efcrever)
& era o lacerdote que ordina-
riamente lhe dizia a miffa no
feu oratorio. Tinha tanto ref
peyto à foberana Senhora, que
lendo huma vez hua portaria
que dizia: ElRey noffo fenhor
faz efmola de tanto dinheyro,
pera a cofraria de noffa Senho-
ra, em que fua Alteza he con-

de grande importancia, lhe fez
hum recebimento real, & o a-
gasalhou em feus mesinos pa-
ços,dando ao Cardeal os apo-
fentos de fima, ficando elRey
nos de bayxo, como quem em
tudo fe fogeytava,& abatia à vi-
fta de quem lhe reprefentava a
peffoa do Vigayro de Chrifto
na terra; & ouvindo ambos mit-
fa publicamete na capella real,
The deo o lugar da parte do E-
vangelho,& mandou por a fua
cortina,& fitial da outra parte;
& foram tantas as honras, & fa-
vores, que fez ao dito Legado,
que caufou grandes efpantos, &
edificaçam em toda Europa.

amor que

teve a ca.

9 Sobre tudo foy notavel
a inclinaçam,que fempre teve à Dogrande
pureza,& honeftidade,que ain-
da foy mais admiravel no meyoridade.
das delicias da corte, & do ref-
plandor do estado real,de forte
que com rezàm le pode contar
efte por hum raro exemplo, en-
tre os que nos deyxàram o Em-

frade; refpondeo elRey, rompa-perador Henrique Segundo, D.
fe efta portaria, & façam cutra: Affonfo o Cafto Rey de Caftel-
perguntando porque? deo repo-
repo- la,& o Sancto Rey Eduardo em
fta,que aonde fe fala na Virge Inglaterra:& nam menos fe pò-
Maria noffa Senhora,nam fe ha de tambem contar com os que
de dizer, elRey noffo fenhor. nos deram em Portugal os In-
fantes D.Henrique,& D. Fernã-
do,digniffimos filhos del ReyD.
Ioâm o Primeyro, & co o Car-
deal de S.Eustachio,nèto outro-
fy meritifsimo do mesmo Rey,
& filho do Infante D. PedroDu-
que de Coimbra: & finalmente

8 Ao Summo Pontifice,& & obedie a Igreja Romana tinha tam particular reverencia, que vindo a efte Reyno o Cardeal Alexandrino,fobrinho do Papa Pio V. de fancta memoria, Legado de fua Sanctidade,fobre negoceos

fice.

com

« AnteriorContinuar »