nenhum falou, a quem depois
defconheceffe;como le efte fof-
fe o feu estudo, & nelle efta a li-
çam que trazia mais bem de-

corada.

CAPITVLO LVII.

Continuafe a mefma materia
da clemencia, & real liberali-
dade delRey D. Ioam
Terceyro.

I

Om efte mefmo amor, & piedade, acudia com granEfmolas des efmolas, nas que fazia. faltas, & neceffidades publicas, com tanta liberalidade, & prevençam, que na grandesa da mercê moftrava fer Rey, & no gofto de a fazer fe via que era amigo:cafava cada anno muytas orfans,fuftentava com tenías ordinarias muytas viuvas,& filhas

do jâ dentro muyta fazenda ; & eram tam espantofas as nuvens do fogo, & fubiam tam alto, as labaredas, que fahiam da fogueyra defte grande monte de madeyra, que igoalmente allumiavam, & affombravam toda Lisboa; nam lhe valia à nao eftar ardendo em fogo fobre a agoa, porque parece que pera fua deftruiçam le uniam, & faziam liga eftes dous tam encotrados elementos.

Notavel

amor aos

2 Acudio o mesmo Rey â
grita,que fe levantou ; & a pri-
meyra coufa que perguntou (co-
mo a que mais lhe doía) foy, le vafallos.
ardia ally alguma fazenda das
partes, & refpondendolhe que
sò a fazenda real ardia, porque
sò effa eftava embarcada,, &
arrumada,se alegrou, como fe
aquella nao naquella mefma
hora lhe viera da India a falva-
mento, carregada de drogas
preciofas. Moftrando efte mag-

o bem de feus vaffallos, que a
riqueza de feus thefouros.

de feus vaffallos,refgatava muy-nifico Rey, que mais eftimava
tos cativos, vestia muytos po
bres,& pera eftas, & outras fe-
melhantes obras mandava abrir 3 Era finalmente tam grã-
feus thefouros. Defte prternal de o amor defte Rey magnifi.
affecto, & amor, 4 tinha a feus co a feus vaffallos, era tanto o
vaffalles, lhe nacia fentir mais que lhes dava, & o que por el-
as perdas dos vaffallos, que as les repartia, que a muyta libe-
proprias fuas. Socedeo huma ralidade lhe chegava a fer im-
vez, pegarfe de poyte o fogo, pedimento à mefma liberalida-
por defaftre, em huma fermofa de,porque por muyto dar pare-
nao, que estava furra defronte ce que chegava a nam ter que
dos feus paços da ribeyra, pre- dar; mas aqui moftrava o Se-
parandofe pera a India, & ten-nhor,que nunca o repartir con
Sss 4

OS

ma materia o Padre Fr. Tho

maz da Cofta,prègador apofto-
lico d'aquelle tempo,da fagrada
Orde de Sam Domingos, muy
inteyro,& muy zelofo defenfor
da verdade; o qual uzando da
mefma metaphora, moftrou co
muyta evidencia, como querer
tirar as tenfas, & moradias às
peffoas benemeritas, a quem le

os pobrestez empobrecer aos Como refi- ricos, porque por mil partes lhe fio ao ProCurader da fazia Deos crecer as rendas, & Jua fazeda acrecentar os thefouros; como fe elle com fuas dadivas femeaffe,& Deos milagrofamete multiplicaffe. Porem os Provedores,& miniftros de fua real fazenda (que fempre pretendem mostrarse mais zelofos, do que alguns quizeram, & do que nadavam, era tirar a vida às taes verdade sam ) desejavam antes peffoas, & alijar gente viva ao. affegurar o dinheyro delRey, qmâr,crueldade, que em nenhũa efperar milagres de Deos: pera ifto tratáram muy de propofito de tirar as muytas tefas,as grof-muyto o bom Rey tam piadoffas efmolas,& grandes moradias que elRey mandava defpender a gente pobre, & benemerita.

4 E paffando efte efcuza-
do zelo do tribunal da fazenda
ao pulpito das Igrejas, houve
hum pregador, muy nomeado
naquelle tempo, que fe atreveo
fe atreveo
a dizer,diante del Rey,q fizeffe
fua Alteza confciencia do muy-
to que defpendia, porque era
mais do que podia, & que pois
a nao fe hia ao fundo com tam
grande carga, convinha alijar
ao màr as mercadorias, & alli- ||
viar a nao de tantas tefas. Muy-
to eftranhou elRey qefta roim
opiniâm fe atreveffe a fahir da
praça,& fubir ao pulpito:&por-

tormenta fe coftuma uzar, por
mais perigofa que feja.Feftejou

fentença, & tam avifado dito,
& com elle fe armava contra
todos feus confelheyros, Vea-
dores, & Procuradores da faze-
da, repetindo muytas vezes,
quando lhe diziam que tiraffe
as tenfas,que por nenhum cafo
alijaria gente viva ao már.

SHu dia lhe veyo o Veador da cafa dizendo, que tinha fua Alteza muyta gente em feu ferviço inutil, & efcufada, & affim que era neceffario reformala, & haver menos, pera que tambem os gaftos foflem menos:mandoulhe elRey que lhe levaffe dous roes,hum dos criados neceffarios em fua cafa, ontro dos efcufados. Leo elRey lhe falavam em coufa, que os dous roes, & refpondeo ao elle muyto fentia, ordenou que Veador da casa eftas palavras que pafdo mefmo lugar foffe reprovada formaes: Deftes tenho eu necefsi fou com o doutrina tam escandalofa: ma- dade, & eftes tem necessidade Cafa dou que prègaffe fobre a mefde mim; deyxay estar em minha ca

que

Ja

0

Veador da

Obras suptuofas q

fez.

dox.

Ja huns, & outros, que Deos dará pe
ra todos. Affim enfinou ao Vea-
dor, & moftrou fua real benig-
nidade, porque nam tinha só
os criados,pera fer fervido del-
les,fenam tambem pera os aju-
dar a elles, porque le era fenhor,
tambem queria fer pay.

dinheyro,de trigo,de pano,pro
vendoos tambem de pimenta,
de canella, & de outras drogas.
da India,de incenfo pera o cul-
to divino, & de açucar, & ou-
tras coufas, pera osenfermos;
como fenam sò foffe Rey, mas
tambem quizeffe fer enfer-
meyro.

Mandou

muytas ef molas fora do Reyno.

6 Porém porque gostava tanto de dar, nunca lhe faltou que galtar, por mais que muytos lhe hiam á màm. Em Lif boa acabou aquelle famplo teplo do mosteyro de Bele, principiado por feu pay,cujo corpo com o da Rainha fua mãy, & irmâm o Infante Dom Affonlo, Collegios tresladou pera a dita Igreja. Ade Religio crefcentou o hospital real da fos q fun mefma cidade. Em Coimbra, àlem do Collegio da Compa-panha,França,Italia, & Alemanhia(de cuja grandefa diffemos muyto neftes livros) fundou o Collegio de S.Thomaz, da Or dem dos Padres Pregadores (o qual tinha fido principiado por elRey Dom Diniz) & lhes deo rendas pera luftento dos Reli giolos Fundou mais os dous Collegios de Sam Ieronymo, & de Sancto Agostinho: deo rendas ao Collegio dos Padres do Carmo,& deo o fitio ao Collegio dos Padres de Tomar, & lhes principiou a fundaçam, 'q fem duvida acabaria,fé primey, rolfe lhe nam acabafle a vida. Aos hofpitaes,& aos Religiofos do feu Reyno acudia com liberas, & continuas efmolas de

7 As melmas efmolas mãdava algumas vezes aos hofpitaes,& Religiofos de Caftella, & Galliza, porque como delle diffe o Bilpo Aluifio Lippomano (que foy em feu tempo Nú- Lippom. in cio neftes Reyuos) pera tam Exod. Augrande liberalidade era peque- ricordia epeque-ricordia ius tota qui no campo Portugal. E em efpe- ta eft Luicial a todas noffas Cafas,&Col- tania fuit. legios da Companhia de Hef

nha,mandava,todos os annos,as
mefmas elmolas de drogas da
India,& do Brazil, ficado todos
aquelles Religiofos nam somẽ-
te obrigados, mas tambem ef-
pantados,vendo fua liberalida-
de,& reconhecendo feu amor.

gufta mife

b

8 Nam fe limitava sua grãdeza em acodir sò a Religiofos, fenam que tambem fez muytas obras muy reaes,& grandiofas, nas quaes ficou feu nome entalhado, & fua memoria immortalizada, elle foy o q edificou, entre outras,duas muy infignes fortaleza, a de Mazagam em Africa,que depois acrescentou elRey Dom Henrique feu ir 4 edificou. mâm; a de Dio no Reyno de

Cam

Vafc. in Ioann. 3. fol. 195..

Fortalezas

agoa da prata em Evora.

.

Ifaiæ c. 36.

Reg.ca. 18.

aquæ duci

Cambaya; & outras que refez
em Portugal, & começou no
Brazil, pera que na Africa, na
Europa,na Afia, & no mundo
novo, ferviffem de padràm de
Cano da fua gloria. Na cidade de Evo-
ra (a qual era muy affeyçoado)
reftaurou de novo com grande
magnificencia, o celebrado ca-
no da agoa da prata (edificado
antigamente por Quinto Ser-
torio Romano,dos defpojos da
guerra Celtiberica, em favor, &
honra daquelle Municipio Ro-
mano) estando já em tépo del
Rey Dom loam quafi de todo
derrubado,& desfeyto: que foy
obra nam menos cuftofa, que
grandiofa,por vir efta agoa de
mais de huma legoa, por arcos
reaes de cento em cento, offe-
receife a toda a cidade,&repar-
tirfe por todos os mofteyros, qtro dos mofteyros a vay offe-
como era obra de hu Rey tam
liberal, tam benefico, & tam
magnifico, bem era,que abran-
geffe a todos, ficando a cidade
provida com copiofa agoa, &
fuas praças ennobrecidas com
fermofas fontes,que lhe mãdou
fazer. Chamafe efta agoa da
prata, pela muyta prata que
nella se gastou, porém a obra he
tam real,& tam proveytofa, que
ainda que cuftou muyta prata,
bem val outro tanto ouro.

cidade de Sicar, abrio hum po-
ço,do qual elle,feus filhos, fen
gado,& os moradores da Sama-
ria bebiam: & fe a divina es-
critura faz particular mençâm
da pifcina,&cano que fez elRey
Ezechias, pelo qual meteo a
agoa em Ierufalem; quãto mais num.z.&4
honorifica memoria, quantos n.17.Stere
mais louvores nos merece nef runt iuxta
ta obra efte noffo magnifico pifcinæ,&c.
Rey,nam por abrir hum poço,
do qual o que havia de beber,
neceffariamente havia de tirar
a agoa à força do braço; fenam
por nos abrir tantas fontes, por
nos defcubrir tanta abundan-
cia de agoa, & nola trazer com
tanta liberalidade, que fem el-
perar,que a tirem â força ; nem
ainda que a vam bufcar fòra,
dentro das mesmas cafas, den-

Ioan.c.4.n. 11. Jacob,

9 E fe no Evangelho se fez

qui dedit comemoraçam de Iacob, " por um, & ipfe quanto na herdade que dey

nobis pute

ex eo bibit,

&c.

recer.

CAPITVLO LVIII.

Da grande prudencia delRey
Dom Ioam, & de como fempre
confervou a paz, & favo-
receo as letras em
feus Reynos.

I

E tam propria perfeyçam dos Reys a fabiduria que tem ella fi

xou a feu filho loseph, junto da cam os homens indignos de o

fer;