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morte dos políticos da grei; os governos equipararam, em meio de protestos, os colégios de ensino confissional, aos institutos oficiais; as repartições, sob a mascarada de ponto facultativo, guardam os dias santificados. A lei da separação anda em demasiada mistificação.

O parcialismo impera na protecção calculada dos mandões ao clericalismo. As corporações acatólicas se esfalfam em brados contra essas transgressões da laicidade; os potentados do Brasil não lhes ouvem os queixumes, porquanto, ao influxo da jesuitada, insidiosamente, olham sem direitos nem obrigações os indivíduos desviados dos agrupamentos do reacionarismo que procura impôr por ameaças de excomunhão e praguejos desaforados a subserviência á sotaina e a submissão ao Papa.

Dêste modo assiste-se ao silêncio dos dirigentes diante de uma enérgica Carta do pastor Alvaro Reis sobre as detratações do casamento civil que o sacerdote católico comete, desfazendo-o, criminosamente, em ligações ilícitas do matrimônio religioso. E se passam sem providências essas monstruosidades executadas com pleno conhecimento do mal.

Os clericais desferem flechadas sobre a lei da separação, não obstante as condições em que se encontram. Para a consecução de seus almejos, agitam um dia a bandeira do revisionismo, expediente de lucrativos efeitos, talvez. O sr. Francisco Bernardino esboça a reconstituição política do Brasil e enumera as medidas religiosas que são do contento da igreja:

« Reconhecimento da religião católica apostólica romaña, como religião do povo brasileiro e adopção do culto público.

Registo civil obrigatório do casamento religioso, para que tenha efeitos civis e casamento civil facultativo para aqueles que recusarem o casamento religioso.

Diremos, abrindo uma incidência, que isso é a melhor justificativa á lei que precedia o casamento civil a qualquer acto religioso.

« Proibição de ensino, nos estabelecimentos públicos, em contrário ás verdades fundamentais da existência de Deus, da Imortalidade da Alma e da Divindade de JesusCristo.

Certo não foi o ensino teista que aqui o revisionista gizou; foi o ensino católico, reconhecendo nos concílios o intérprete do evangelho e pondo, entre Deus e O Homem, por medianeiros: na terra, o Papa, e, no Céo, a Virgem e os Santos.

Maometanos, Protestantes e Espiritas, as vossas doutrinas ficarão proscritas; Positivistas, a vossa Humanidade terá a maldição da intolerância; Ateus, a vossa incredulidade recomendar-vos-á ao queimadeiro!

Provocador displante! Que emaranhado de projectos; que mais perigosa rasteira preparada á prática livre dos cultos! Alerta republicanos!

No escopo de seus desejos, os clericais cogitam de dispôr forças, elementos eleitorais, que lhes proporcionem unanimidade de opiniões no parlamento, conjuntamente com a certeza de que, fóra da representação nacional, gente sua lhes faculte todas as emprezas.

A organização de meios que determinem a vitória de um pleito, é tema de entendimento dos presbíteros e dos seculares católicos. A crença, conforme é uso clerical, se afina em arma de politicagem abafadora.

Em S. Paulo, d. João Neri cria a Liga Católica. Manhosamente, o prelado assevera não ser um partido político, mas acrescenta: « A liga agirá de acordo com o governo desde que sejam respeitados os direitos da igreja. Mas quando o não forem, reservamo-nos a prerogativa de nos abstermos de votar. »

Naquele estado de oligarquia e de liberticismo onde se abafa o pensamento livre pela mancomunação entre os caciques do mando e a clerazia, as frases episcopais são o esclarecimento de situações. Ou os governos obedecem á mitra ou padecerão sério combate nas urnas.

Não se cingio a essa declarativa a manobra clerical. Seis bispos (Mariana, Uberaba, Diamantina, Pouso Alegre, Goiás e Campanha) redigiam uma circular, em 1909, aos seus fieis, concitando-os a votarem sómente em católicos e o sr. Alberto Gonçalves, elucidando, em 1911, a uma folha paulista que não tratavam « os prelados do partido católico por que não existia partido católico », elucidava:

<< Não é intenção dos bispos apresentar candidatos aos sufrágios eleitorais; isto pertence ás agremiações partidárias Mas, sentinelas da igreja, cumpre-lhes dar O grito de alerta nos momentos de perigo, fazendo vêr aos católicos a repulsa nas urnas eleitorais. »

Explique o sr. Alberto Gonçalves, como explicar, o facto é que os bispos traçaram a rota de um movimento político-clerical; tem-n'o aprestado e querem a lucta em todo o terreno, aparentando, porêm, concórdia e transigência; revestem-se de aspectos enganadores e minam as instituições, esperançosos de obterem o privilégio de seita e, senhorilmente, estadeiarem o ultramontanismo.

Não os incriminemos; estão no seu papel, executam o seu conhecido programa. A culpa de todas essas arremessivas, sob a capa da fé, toca aos governos anti-republicanos que canalizam ás congregações o dinheiro do estado e não cessam os despudorados favores á mitra insaciavel.

Entretanto, que fins políticos ambiciona essa igreja que dizia, em 1900, servir-lhe qualquer regimen? Todas

as suas tendências cifram-se na destruição do nosso sistema constitucional. Quando d. Luiz estampava no Estado de S. Paulo o seu segundo manifesto monárquico, o Hebdomadário Católico do Rio, lamentando que só um jornal publicasse « documentos de tamanha importância >> escrevia: « E a conspiração do silêncio, a mesma que tenta nulificar a resistência católica á orgia da imoralidade dos sistemas descristianizadores. » Percebe-se aí o anceio restaurador, mormente considerando-se que o manifesto assentava o restabelecimento das relações do estado com a igreja.

Rosnou a folha católica sem que o clero a observasse pela linguagem comprometedora. Interpretara alto o pensamento reacionario!

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Dois anos depois, um diário inglês desmascara urdidura dos inimigos da lei da separação. O Lancanshire Dally, em Londres, desvenda os planos loiolistas na América Latina, contando que « no Brasil o movimento está sendo iniciado e graças ás manobras jesuitas o príncipe d. Luis de Bragança, prontificou-se a promover uma campanha monárquica de que resultaria, alí, a implantação de um império clerical. »>

Não é só.

O correspondente da Gazeta de Noticias expunha, de Londres, tambêm, que << numa sessão do Centro a celebre sociedade alemã, haviam sido reveladas as aspirações imperialistas dos alemães no sul do Brasil coadjuvados por frades germanicos e holandezes. »

A imbecilidade sorria-se de tudo isto. O congreganista estrangeiro já se radicava no nosso solo; quando sr. Nilo Peçanha proibio o desembarque dos monges que o sr. Afonso Costa enxotou, por prejudiciais, das terras de Portugal, OS clamores beatos deram ао caso uma tonalidade negra através lamentações censoras ao acto do governo. O Supremo Tribunal concedeu a entrada no sólo brasileiro a professos perigosos ao regimen republicano. A orden do Sr. Nilo ficou revogada em um acórdão, que taxava novas interpretativas á lei de expulsão, dessa vez, para o judiciário, mal usada pelo executivo.

As indiscrições das duas correspondencias européas não arrastaram o governo a uma providência; nem podiam preocupá-lo. Monárquicos usurpadoramente nos altos cargos da República onde conservam os titulos e a nobiliarquia, só se interessariam pela restauração porque sabem que continuariam imperando e melhor dariam azo ás suas veleidades de caricata aristocracia!

As animosidades do clero ás instituições orçavam já á categoria de conspiração política; jornais europeus indicaram o trabalho da jesuitada, no estrangeiro, á possibilidade de uma alteração no sistema constitucional. Não

ao

obstante, os dirigentes pactuavam com o reacionarismo colocando em funções personagens reconhecidamente hostis ao regimen; nomeavam para os tribunais homens serviço da so taina conspiradora; entregavam a direcção da mocidade a espíritos positivamente defensores da dinastía deposta a 15 de novembro de 1889.

Desempedido de qualquer embaraço, o clericalismo proseguio sanhudo em suas investidas. E deu o bote no sentido de instituir o ensino religioso nas escolas. A ousadia foi tal que apareceu um projecto permitindo que o padre romano lecionasse doutrina aos meninos dos colégios públicos...

Frustrara-se a tentativa, mas algumas professoras, após a hora das aulas, retiveram os discipulos para que os seus confessores fornecessem aos alunos das classes do estado, no edificio do estado, a cartilha do padre Salamonde ou o decantado compêndio de Monsenhor Brito.

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A campanha anti-liberal recrudesce. O sr. Plácido Melo, em minuciosa conferência do Centro Católico, apregoa a urgência de ser cumprido o conselho episcopal dos bons concorrerem ás urnas. Dos bons, vêde bem, pois a caridade clerical se envaidece, e exalta a gente da sua grei; quem lhe não presta apoio, tem peçonha, é perverso, nivela-se aos bandidos! E o sr. Melo clama, desenvolvendo o programa, católico :

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Queremos a instauração da política no Cristo, Deus no Governo! A adopção do culto público, a permissão do culto religioso nos internatos do governo, a subvenção das igrejas católicas. »

Infere-se do orador o exclusivismo para o seu credo. Reclama a adoração de um Deus, do Deus católico que não é o Deus de outra seita, e a subvenção das igrejas que se subordinam á Roma. Egoistas e insaciáveis, os clericais; tudo para êles, para êles sómente as benesses, as vantagens, os favores.

Com igual partidarismo idêntica ambição, o bispo do Maranhão, fazendo, pelo „, Correio da Manhã", o Balanço da Fé, verberava o liberalismo da República, com estas considerações:

<< A constituição de fevereiro garante a liberdade religiosa a todo o cidadão brasileiro como garante a liberdade de cultos. Daí êsse enxamear de religiões ou seitas que vieram á tona, garantidas pela lei basica ».

Sempre a mesma oposição á liberdade espiritual; sempre o mesmo ódio, o mesmo pavor aos credos que, na sociedade brasileira frutificam e alcançam prosélitos.

Outras citações demonstrariam a animosidade clerical á laícidade prescrita na Lei de 24 de fevereiro. Lembraremos, além do livro do padre Deschand, opúsculo de combate, as palavras de Monsenhor Rangel, num

inquérito aberto pela ,,Imprensa". Depuzeram perante aquele jornal os bispos Jeronimo Tomé, Arcoverde e Sebastião Leme e não negaram que a transformação política de 1889 produzira maior vitalidade á igreja. O actual vigário geral do Rio de Janeiro, ao contrário dos seus confrades, disse que a República prejudicou os católicos, não sendo exato que os poderes tenham para com ela essa falada boa vontade».

Os sacerdotes romanos, em nome da fé, fazem a trama política; é a obra ultramontana envolvendo e executando á risca as grandes afirmações dos seus Papas.

Acautelem-se os republicanos; os inimigos conspiram! Denominem impiedade a essa franqueza da crítica. Não importa. A questão saio dos lindes confissionais e se transmuda em questão clerical. A documentação arrancada ás publicações católicas, dá-nos 0 direito de repetir agora aquela frase de Pio X: «E' tempo de tirar a máscara a êsses homens e de mostra-los á Igreja Universal tais como são». E êles ás vezes abandonam disfárces e pregam, como em 1912, pela boca do Padre Janvier na Catedral de Notre-Dame, o direito de morte aos heréticos!

A lei da separação, inegavelmente, conta um grande e incansavel adversário o clericalismo. O crente sincero não o abomina porque se cinge ás palavras do Cristo —« o meu reino não, é o dêste mundo ». Os ambiciosos, que explorando o próprio credo, miram subjugar as consciências, êsses é que, com a tenaz do dógma, trabalham por instituir o sistema do << crê ou morre »> ; miram cercear as faculdades inteléctuais do brasileiro e amarrá-los, pelo cordão de esparto, á infalibilidade pontifícia!!

O trabalho de retrogradação cresce dia a dia porque os governos iludem ao povo a prática da liberdade espiritual. Os factos falam bem da simulação com que os dirigentes despóticos destroem a neutralidade religiosa da Const. Federal parecendo associados aos bispos e párocos na conjura formada á demolição das melhores conquistas republicanas.

No espírito do vulgo perverte-se já a noção dos mandamentos legais e passam, por isso, talvez, sem protesto, os actos da autoridade que protege crenças ou fecha os olhos ás insídias reacionárias.

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Há dias, o Jornal do Comércio", da tarde, estampou um telegrama da Baía que contava o gesto revoltante de um vigário privando de sepultura o corpo de um homem porque êste, em vida, só se havia casado civilmente. O cadaver foi enterrado na mata sem que o agente da administração civil sofreasse a brutalidade

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