Imagens das páginas
PDF
ePub

eleito, pelo emprego on cargo de representação nacional, a proibição aos senadores e deputados de aceitarem nomeações para empregos públicos e, finalmente, a liberdade de associações e de cultos. »>

Indubitavelmente era o propósito democrático que alentava os epígones de preceitos tão vantajosos; êles falavam ao povo uma linguagem estranha, benéfica, demolidora dos condenados processos rialistas. A falange que se amestrava no prélio, contava batalhadores respeitados que se chamavam Godoi e Vasconcelos, Liberato Barroso, Rangel Pestana, Gaspar Martins e Limpo de Abreu, cidadãos que haviam sobraçado as pastas de ministros, sentado nas câmaras, e legislado; privado com d. Pedro e governado. Bem conheciam êles as condições do Brasil cujo imperador — hoje endeosado nas lamúrias dos antigos serviçais do paço - era naquela época censurado por criar uma política de „, proscrição de corrução, de venalidade e de cinismo."

Dest'arte, êsse partido que, em 1868 se constituiu decidido, indicava providências salutares cuja adopção não seria, em parte, ainda hoje recusavel.

No decurso de 1870 irrompe o famoso manifesto republicano em que Saldanha Marinho, Aristides Lobo, Lopes Trovão, Cristiano Otoni, Quintino Bocaiuva, Rangel Pestana, Salvador de Mendonça, Limpo de Abreu e outros correligionários, combatendo a centralização das províncias, revolucionavam os ânimos ensinando que o princípio dinástico e a vitaliciedade do senado eram duas violações flagrantes da soberania nacional. E enumerando ao povo os inconvenientes do sistema monarquico condenavam << a liberdade de consciência nulificada por uma igreja privilegiada, a liberdade de associação dependente do beneplácito do poder. »

Estavam, assim, expressos os fundamentos de um decreto de separação da igreja e do estado, anteriormente postos na plataforma dos liberais radicais. Estes corríam então a arregimentar-se na coluna republicana onde encontravam, em fermento, muitas das teorias que haviam recomendado á nação.

Inscrita no manifesto revolucionário a separação das igrejas, a propaganda jamais se descuidou de prégar a liberdade espiritual. A par disso, porém, no regimen imperial, a dissidência, formando os partidos progressistas da Corôa, reclamava a permissão da prática de todas as confissões com seu culto externo e público e, bem assim, os seus consectarios: o registo civil e a secularização dos cemitérios.

A reacção clerical levantava, entretanto, impecílios ás novas aspirações.

Surge a questão dos bispos; assanha-se o ultramontanismo. Trava-se a luta entre o livre pensamento e o

doutrinarismo católico; a opinião emancipadora assesta suas baterias de prosélitos da liberdade de consciência.

Que se vio á hora dêsse grande movimento oriundo da agitação dos católicos que acompanhavam a insubmissão do episcopado ás resoluções da Corôa no processo de dois prelados desobedientes?

Nabuco, Otoni, Paranaguá, Octaviano, Furtado e Zacarias, no "Programa do Centro Liberal, tinham estabelecido em 1869 garantias efectivas á liberdade de consciência. Sobrevindo a questão religiosa, o partido liberal pronunciou-se, considerando-a, perigo e perturbação para a paz dos espíritos e para a ordem pública. Liberato Barroso, Tito Franco, Joaquim Serra no Club da Reforma" bradavam pela urgência da liberdade plena de religião.

وو

Nesta época, a Maçonaria que inda mantinha o seu papel de centro convergente das melhoras reformas nacionais, acremente apodada pelos católicos, rebelou-se, sem tréguas contra a sotaina intransigente e verberou a manutenção de uma igreja no estado embaraçando o desenvolvimento dos demais credos.

Macedo Soares, entra na grande celeuma, que romureja todo o Brasil e põe os termos do problema acudindo aos desejos dos libertários a que ele se achava filiado. Escreve o jurista:

« A consequência da posição da religião em frente ao estado é que êste, como instituição encarregada de realizar o direito, deve reconhecer a liberdade da religião e garantir as condições necessárias para seu desenvolvimento.

Reconhecimento, garantia, tais são as obrigações do

estado.

Mas em que consiste essa garantia? Em duas cousas simplicíssimas:

1.0 E' livre o exercício de toda e qualquer religião, enquanto se não opuzer a ordem pública; ou em geral, ao bem da sociedade.

2.0 O estado não intervem nos negócios religiosos senão quando perturbam ou lesam o bem geral da sociedade. »

Saldanha Marinho, o patriarca da propaganda, o signatário do manifesto de 70, o campeão do anti-clericalismo em toda a fase aguda da questão dos bispos, quatro anos mais tarde, exclamava na câmara:

[ocr errors]

Depois da infalibilidade do Syllabus, a igreja romana tomou um caracter novo e singular, e tanto que os velhos católicos se apartaram dela, protestando contra insólitas inovações.

Qualquer governo no Brasil pode, perfeitamente, declarar extinta a Igreja do Estado, visto que a Igreja não é mais do tempo que a autorizou. »

Durante a famosa luta, crescem as adesões a favor do regimen separatista

A campanha anti-clerical se levanta, sem peias, para subjugar o desafio dos prelados. Provocadora, em apostrofes virulentas, demasiadamente pretenciosa a um consórcio com o estado, a clerazia, arrogava-se ao direito de subtrair-se ás leis, gozar proventos temporais e sufocar a prática de outros crédos; insubmissa, ela publica pastorais e dissemina arrazoados de direito eclesiástico.

Destaca-se no clero um homem, Macedo Costa, vantajosamente talentoso, a estabelecer os ambiciosos direitos da igreja e as suas relações com o estado; notabiliza-se Saldanha Marinho, refutando as afirmativas episcopais e querendo quebrar todos os vínculos entre os poderes civil e canónico.

A queda do Papado; a aventura de Pio IX reunindo o concílio e, por pressa e aliciamento de gente, apurando votos favoraveis ao seu dogma da infalibilidade pontifícia; a promulgação do celebre Syllabus e da famosa Quanta cura com os anátemas á liberdade de cultos, ao casamento civil, á independência do direito divino e humano, em suma, a obra de ultramontanismo do intolerante Mastai-Ferreti, fomentam, como é de ontem, grande agitação na igreja: uma revolta doutrinária sacode os espíritos crentes e impressiona, até os ânimos de muitos sacerdotes.

Do recanto da Alemanha, Doelinger espalha o seu livro de crítica á Infalibilidade e desmascara o jesuitismo. O escrito faz bulha. Chega ao Brazil no momento propício, na hora da questão religiosa, a notícia do volume condenatório da resolução do Concilio do Vaticano. Rui Barbosa passa para 0 vernáculo a obra sensacional, nomeada "O Papa e o Concílio"; precede-a, porém, de um largo estudo sobre a Cúria e suas especulações, mostrando a necessidade dos poderes se precaverem da ditadura religiosa, pela decretação da liberdade de cultos. E nessa orientação assinala que « O nivelamento das confissões religiosas perante a lei, êsse é o sistema racional, eficaz e estavel. »

Deste modo, claro na sua afirmativa, o sr. Rui Barbosa renunciava qualquer modus-vivendi entre o Estado e a Igreja. A convicção das suas ideias fazia-o dizer: Em qualquer país, portanto, e particularmente, entre nós, onde não há tradições tão arraigadas que levar em conta, como nos estados europeus, o ensaio de uma concordata, nos tempos de hoje, seria o mais desastrado, o mais fatal dos ensaios. >

[ocr errors]

Era uma das soluções oferecidas á luta religiosa; era um grito de guerra ao clericalísmo audacioso.

As tendências separatistas tomavam maior incremento após a questão dos bispos. Pedia-se já, em nome das liberdades, a laicização do ensino, condenando-se o estudo da doutrina nas escolas primárias; reconhecia-se que «o estado nada tem com a cartilha. O acatólico principiava a lograr melhoria de condições: davam-lhe a elegibilidade á assembléa geral; não lhe impediam mais que as fachadas dos templos tomassem a forma dos seus ritos e permitiam-lhe os túmulos sem símbolo da religião do estado. Essa tolerância importava, ao critério de alguns cidadãos, na violação do art. 5.o da Const. do Império que preceituava: « A religião católica, apostólica romana continuará a ser a religião do estado. Todas as outras religiões serão permitidas com o seu culto doméstico ou particular em casas sem forma alguma exterior de templo.

A nação seguia o decurso dos acontecimentos, emquanto a propaganda republicana ferindo o trono e condenando a escravidão, em seus clubs, em seus congressos, em seus manifestos e até nos projectos de constituição política afirmava a plenitude da liberdade religiosa. Havia agitação.

Os deputados da rialeza percebiam que a hoste democrática avultava e as ideias disseminavam-se conquistando apologistas. Era-lhe mistér provar ao povo que a monarquia tambem tinha elementos progressistas aptos a inserirem na legislação muitas das correntes que os oposicionistas do regimen apregoavam por avançadas. Silveira Martins, o liberal que em 1869 subscreveu o manifesto dissidente, o político considerado republicano entre muitos dos companheiros de bancada, oferece á apreciação do Senado um projecto de revogação do art. 5.o da Const. do Império. Encontrava aquele tribuno, nos brasileiros, um indiferentismo religioso ao lado de uma intolerância que tolhia aos acatólicos o exercício de seus credos, e, como pensava que a « pátria não é convento e deve deixar esses mistérios á consciência de cada um ou ao clero de cada religião » pedia a aprovação do seu projecto que correspondia aos interesses de nacionais acatólicos.

O assunto foi discutido na sessão do ano seguinte quando o legislador enfrentou a questão imigratória, convencido de que o braço do escravo precisava ser substituido pelo do colono. Animaram o debate Taunay, Ouro-Preto, Correia, Cotegipe e até o ministro do império sustentava o projecto << porque ia traduzir em lei um facto, póde-se dizer, costumeiro no Brasil. » Em ordem do dia, durante tres discussões, interessadamente estudada, a liberdade religiosa, foi matéria vencedora no Senado e com redacção final remetida á Câmara.

Mas, os srs. deputados deixaram-na em descuido. Taunay que se esfalfava na sustentação de projectos, como o da grande naturalização, necessários a facilitar a corrente imigratoria, entendia imprescindivel substituir na lavoura o braço do negro já liberto; pronuncia um discurso enérgico que vale lembrar afim de, mais uma vez, se acentuar o perigo clerical, então ameaçador ao terceiro reinado.

Taunay, na sua oração parlamentar, reprovava a imigração estipendiada, de origem sómente católica, que o governo da regência procurava adotar; apelava para o elemento espontâneo que viesse ao país trabalhar, sob todas as garantias individuais e, então, reclamava a liberdade de cultos com OS seus consectários, o casamento civil e a secularização dos cemitérios.

Com certa veemência se manifestava na análise do problêma que esbatia exclusivamente por interesse nacional; emitia as suas opiniões sem arestas ou acomodações e afrontava as iras da reacção com estas frases desembaraçadas:

<< Tenho toda a esperança; é de Justiça que passe. Depois da espectaculosa festa da Rosa de Ouro em que se procurou conseguir um juramento de obediência céga á Santa Sé, juramento que felizmente, não foi prestado, o nosso espírito de americanismo, de sensatez, de prudência... pedem, exigem que seja proclamado sem mais demora, o belíssimo princípio da liberdade de cultos, tão fecundo e honroso para o parlamento decretar. »

Posta nêstes termos a questão, os ministros católicos, naturalmente, não guardaram mudez nem se detiveram inactivos: — viram a imprensa liberal e a palavra republicana apoiarem a corrente nova, puseram os seus jornais clericais a repetir os mandamentos do syllabus de Pio IX e desfiaram recriminações, explorando os crentes e amaldiçoando os incréos. Recebe, então, a Assembléa Legislativa uma representação extensa; subscreve-a, d. António Macedo Costa, o bispo do Pará. Aí, o prelado censurando o projecto « que ameaça o progresso do protestantismo, já por uma tolerância em escandalosa propaganda >> declara: « O católico não póde admitir liberdade de cultos. Si não há uma religião divina e obrigatória para todos os homens, não há religião, não há Deus. »

Condensava-se nessa afirmativa o pensamento de Leão XIII que, na sua encíclica Immortale Dei, repelindo as liberdades modernas, profligara: « A liberdade de cultos é contrária á virtude e á religião. Não passa de uma depravação da liberdade e uma servidão da alma, na abjeção do pecado. »

A' palavra episcopal contrapuzera-se a refutação positivista. Os srs. Miguel Lemos e Teixeira Mendes pu

« AnteriorContinuar »