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LXXXVII.

Esse que bebeo tanto da agua Aonia',
Sobre quem tem contenda peregrina,
Entre si, Rhodes, Smyrna, e Colophonia,
Athenas, Ios, Argo, e Salamina :
Essoutro que esclarece toda a Ausonia,
A cuja voz altisona e divina

Ouvindo, o patrio Mincio se adormece,
Mas o Tybre co'o som se ensoberbece:

LXXXVIII.

Cantem, louvem, e escrevam sempre extremos
Desses seus semideoses, e encareçam,
Fingindo magas, Circes, Polyphemos,
Sirenas que co'o canto os adormeçam :
Dem-lhe mais navegar á vela e remos
Os Cicones, e a terra onde se esqueçam
Os companheiros, em gostando o loto;
Dem-lhe perder nas aguas o piloto :

LXXXIX.

Ventos soltos lhe finjam e imaginem
Dos odres, e Calypsos namoradas,
Harpyas, que o manjar lhe contaminem,
Descer ás sombras nuas já passadas :
Que por muito, e por muito que se affinem
Nestas fabulas vaas, tão bem sonhadas,
A verdade que eu conto nua e pura
Vence toda grandiloqua escriptura.

XC.

Da boca do facundo capitão

Pendendo estavam todos embebidos,
Quando deo fim á longa narração
Dos altos feitos grandes, e subidos.
Louva o Rei o sublime coração

Dos Reis em tantas guerras conhecidos :
Da gente louva a antigua fortaleza,
A lealdade d'animo, e nobreza.

XCI.

Vai recontando o povo, que se admira,
O caso cada qual que mais notou :
Nenhum delles da gente os olhos tira,
Que tão longos caminhos rodeou.
Mas já o mancebo Delio as redeas vira,
Que o irmão de Lampetia mal guiou,
Por vir a descançar nos Thetios braços;
E elRei se vai do mar aos nobres paços.

XCII.

Quao doce he o louvor, e a justa gloria
Dos proprios feitos, quando são soados!
Qualquer nobre trabalha, que em memoria
Vença, ou iguale os grandes já passados.
As invejas da illustre e alheia historia
Fazem mil vezes feitos sublimados.
Quem valerosas obras exercita,

Louvor alheio muito o esperta, e incita.

XCIII.

Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Achilles, Alexandro na peleja,
Quanto de quem o canta, os numerosos
Versos; isso só louva, isso deseja.
Os tropheos de Miltiades famosos,
Themistocles despertam só de inveja;
E diz, que nada tanto o deleitava,
Como a voz que seus feitos celebrava.

XCIV.

Trabalha por mostrar Vasco da Gama
Que essas navegações, que o mundo canta,
Não merecem tamanha gloria, e fama,
Como a sua, que o ceo e a terra espanta.
Si; mas aquelle Heroe, que estima, e ama
Com dons, merces, favores, e honra tanta
A lyra Mantuana, faz
que soe

Eneas, e a Romana gloria voe.

XCV.

Dá a terra Lusitana Scipioes,

Cesares, Alexandros, e dá Augustos;
Mas não lhe dá com tudo aquelles does,
Cuja falta os faz duros, e robustos:
Octavio, entre as maiores oppressões,
Compunha versos doutos, e venustos.
Não dirá Fulvia certo que he mentira,
Quando a deixava Antonio por Glaphyra.

XCVI.

Vai Cesar sobjugando toda França,

E as armas não lhe impedem a sciencia;
Mas n'huma mão a penna, e n'outra a lança,
Igualava de Cicero a eloquencia :

O que de Scipião se sabe, e alcança,
He nas comedias grande experiencia :
Lia Alexandro a Homero de maneira,
Que sempre se lhe sabe á cabeceira.

XCVII.

Em fim não houve forte capitão,
Que não fosse tambem douto, e sciente,
Da Latia, Grega, ou barbara nação,
Senao da Portugueza tamsomente.
Sem vergonha o não digo, que a razão
D'algum não ser por versos excellente,
He não se ver prezado o verso, e rima,
Porque quem não sabe a arte, não na estima.

XCVIII.

Por isso, e não por falta de natura,

Não ha tambem Virgilios, nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,

Pios Eneas, nem Achilles feros.
Mas o peor de tudo he, que a ventura
Tão asperos os fez, e tão austeros,
Tão rudos, e de engenho tão remisso,
Que a muitos lhe dá pouco, ou nada disso.

XCIX.

A's Musas agradeça o nosso Gama
O muito amor da patria, que as obriga
A dar aos seus na lyra nome, e fama,
De toda a illustre e bellica fadiga :

Que elle, nem quem na estirpe seu se chama,
Calliope não tem por tão amiga,

Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas d'ouro fino, e que o cantassem.

C.

Porque o amor fraterno, e puro gosto
De dar a todo o Luistano feito
Seu louvor, he somente o presupposto
Das Tagides gentis, e seu respeito:
Porem não deixe em fim de ter disposto
Ninguem a grandes obras sempre o peito;
Que por esta, ou por outra qualquer via,
Não perderá seu preço, e sua valia.

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